Pesquisas nacionais apontam que 25% das mulheres ouvidas já sofreram violência obstétrica e que uma a cada cinco brasileiras de até 40 anos já realizou um aborto
Sônia Lansky (centro) citou países que tipificaram a violência obstétrica na legislação
Bernadete Monteiro disse que a incidência do aborto diminui em países que legalizam o ato

Mulheres denunciam violações de direitos reprodutivos

Participantes de audiência abordaram temas como o preconceito, a violência obstétrica e o aborto.

21/09/2017 - 20:39 - Atualizado em 22/09/2017 - 14:28

A violência obstétrica, a criminalização do aborto e o preconceito contra lésbicas e transexuais dominaram as discussões, nesta quinta-feira (21/9/17), em audiência pública promovida pela Comissão Extraordinária das Mulheres da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) sobre os direitos sexuais e reprodutivos dessa parcela da população.

Na abertura da reunião, a deputada Marília Campos (PT), presidente da comissão, destacou que, historicamente, a violação desses direitos sempre serviu como instrumento para controlar as mulheres – “domesticá-las”, como definiu a parlamentar.

Nesse sentido, a pediatra Sônia Lansky, da Prefeitura de Belo Horizonte, denunciou o exercício abusivo de autoridade sobre o corpo da mulher em grande parte dos procedimentos obstétricos no País.

Sônia apresentou pesquisas do Ministério da Saúde e da Fundação Perseu Abramo, as quais apontam que cerca de 25% das mulheres ouvidas relataram já ter sofrido violência obstétrica, caracterizada por agressões físicas e psicológicas durante o parto, como procedimentos não consentidos ou não recomendados, falta de privacidade e humilhação da gestante.

“Precisamos valorizar a dimensão afetiva do parto. A mulher precisa ser bem tratada para que seja um momento de felicidade”, recomendou a pediatra. Ela citou como exemplo a ser seguido a tipificação da violência obstétrica na legislação em países como Argentina e Venezuela.

Sônia também preconizou a revisão dos processos relacionados ao parto, com a valorização da enfermagem obstétrica e das profissionais que acompanham e orientam as gestantes, conhecidas como doulas.

A defensora pública Flávia Marcelle de Morais classificou como assustadores os dados sobre esse tipo de violência. “O pior é que todas essas práticas são vistas como naturais e rotineiras”, advertiu, ao abordar a importância de as gestantes denunciarem sempre que se sentirem prejudicadas.

Flávia ressaltou que o constrangimento imposto às mulheres se estende aos abortamentos, com perguntas inconvenientes e intervenções dolorosas, muitas vezes evitáveis.

Participantes defendem legalização do aborto

A Pesquisa Nacional do Aborto, realizada em 2010 pelo Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis) e pela Universidade de Brasília (UnB), indica que uma a cada cinco brasileiras de até 40 anos já realizou pelo menos um aborto.

Como essa prática só é permitida no País nos casos de anencefalia do feto e quando a gestação traz risco de vida à gestante ou resulta de estupro, dados do SUS de 2014 mostram que foram realizados 1,6 mil abortos legais em 2014, enquanto 187 mil mulheres foram atendidas na rede pública após abortarem no mesmo período. A maioria daquelas que se submetem a métodos caseiros procuram a rede hospitalar logo depois.

Diante desse contexto, Bernadete Monteiro, coordenadora da Marcha Mundial das Mulheres, e Letícia Gonçalves, membro do Conselho Regional de Psicologia, defenderam a descriminalização do aborto não só por convicções pessoais, mas também como uma questão de saúde pública.

“Nos países em que o aborto foi legalizado, sua incidência diminuiu, assim como as mortes por abortamento. Sem autorização para abortar, muitas mulheres acabam optando por métodos inseguros”, ponderou Bernadete.

Retrocesso - A deputada Marília Campos lembrou que tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição Federal (PEC) 181/15, que proíbe qualquer tipo de aborto, até mesmo nas situações atualmente permitidas. Para a deputada, a medida representa um claro retrocesso na legislação.

Preconceito aflige lésbicas e transexuais

Rosiane Pires, pesquisadora sobre relações sociais, abordou a falta de políticas públicas para a população lésbica, da qual faz parte. Ela afirmou não se sentir protegida em relação a nenhum tipo de violência, baseada, inclusive, na leniência do poder público em relação ao assassinato de homossexuais.

Outras queixas apresentadas por Rosiane se referem à carência de medidas e instrumentos para o controle de DSTs entre lésbicas, que costumam ser ignoradas em diretrizes para a prevenção de doenças sexuais, conforme relatou.

Na mesma linha, a jornalista Juhlia Santos, travesti, salientou que a população transexual enfrenta ainda mais obstáculos na busca por direitos do que as mulheres. “Estamos no topo da pirâmide de descaso e direitos negados”, ressaltou.

No seu entender, o alto índice de assassinato de transexuais no Brasil é apenas a ponta do iceberg da mentalidade preconceituosa de grande parte da sociedade, facilmente verificável em setores como a educação, com o bullying nas escolas, e no sistema de saúde. “Ainda somos vistos como propagadores de DSTs”, lamentou.

Consulte o resultado da reunião.