A audiência teve por objetivo debater a rede de atenção psicossocial e as comunidades terapêuticas, visando discutir os desafios trazidos pela Lei 22.460
Durante 60 dias, a comissão estará aberta para receber sugestões sobre a Lei 22.460

Comunidades terapêuticas propõem melhorias na legislação

Entidades reclamam de preconceito e cobram mais recursos públicos e parceria com o governo.

10/05/2017 - 20:08 - Atualizado em 12/05/2017 - 11:34

Um instrumento de certificação capaz de separar as entidades legais das ilegais e um dispositivo que favoreça o acolhimento e internação de menores usuários de drogas foram algumas reivindicações apresentadas por representantes de comunidades terapêuticas (CTs) durante audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta quarta-feira (10/5/17).

Eles denunciaram também o preconceito ideológico contra as comunidades terapêuticas, por seu trabalho pautado na espiritualidade e religiosidade, e reivindicaram mais financiamento público para as entidades e mais diálogo com o governo e a sociedade.

A reunião, promovida pela Comissão de Prevenção e Combate ao Uso de Crack e Outras Drogas, teve por objetivo debater a rede de atenção psicossocial e as CTs, visando discutir os desafios trazidos pela Lei 22.460, de 2016, que fixa diretrizes para a atuação dessas entidades.

O autor do requerimento para a audiência foi o presidente da comissão, deputado Antônio Jorge (PPS), autor do Projeto de Lei (PL) 2.669/15, que deu origem à lei, cujo objetivo é a organização do trabalho dessas comunidades na Rede de Atenção Psicossocial.

“A finalidade da reunião é acolher sugestões para emenda na lei e, se for o caso, fazer o aprimoramento do dispositivo legal”, disse ele, acrescentando que já dispõe de uma minuta de emenda, ainda não protocolada, a ser avaliada conjuntamente por todos os interessados. Durante 60 dias a comissão estará aberta para receber sugestões.

Coordenadores apontam preconceito

Durante a reunião, vários representantes de CTs queixaram-se de que essas entidades, por adotarem práticas religiosas e espirituais, estariam sendo vítimas de preconceito ideológico por parte de profissionais de órgãos governamentais como os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas, os Caps AD.

Um dos queixosos foi Jean Carlo de Sousa, da comunidade terapêutica Viva Livre, do Vale do Jequitinhonha. Segundo ele, os Caps AD fazem "exigências absurdas" com relação à capacitação dos profissionais e ao atendimento.

Para o vice-presidente do Conselho Municipal de Políticas Sobre Drogas de Belo Horizonte, João Francisco de Souza Duarte, negar o valor da religião e da espiritualidade nos tratamentos é um tipo de miopia. “Não estamos aqui para disputar nossas vaidades, mas para atender as pessoas que precisam”, disse, defendendo a união de esforços entre todos.

O consultor técnico da Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas (Febract-MG), Ronaldo Viana, lamentou a obscuridade em que são postas as comunidades terapêuticas e defendeu a incorporação à lei do histórico, da experiência e da expertise das CTs.

Representante da Superintendência de Políticas sobre Drogas de Betim, o pastor Epifânio também se queixou dos questionamentos feitos às práticas religiosas por parte de profissionais de saúde mental. “Se não houver diálogo e apoio, estaremos fadados ao caos porque até as crianças estão vulneráveis às drogas e as famílias estão perdendo o controle de seus filhos", disse.

Secretaria de Saúde vê ambiguidade na lei

Para Marta Elizabete de Souza, coordenadora de Saúde Mental da Secretaria de Estado de Saúde, o artigo 1º da lei, segundo o qual as comunidades terapêuticas configuram-se como um serviço de caráter residencial transitório destinado a oferecer cuidados contínuos de saúde, é "um ponto ambiguo". Segundo ela, a porta de entrada é a Secretaria de Saúde, tanto para regular como para estabelecer critérios.

Ela disse reconhecer a importância da lei, acha que o novo dispositivo traz a possibilidade de integração, mas admitiu que pontos como esses podem gerar conflitos entre os profissionais de saúde e as CTs. "A orientação parte do Ministério e da Secretaria de Saúde e dos profissionais", disse.

Quanto ao cartão Aliança pela Vida (que financia as comunidades terapêuticas), reconheceu que há um atraso no repasse dos recursos, mas ressaltou que esse atraso não diz respeito às CTs apenas, mas à saúde como um todo.

"Não posso esconder a realidade do que está acontecendo na saúde de Minas Gerais, devido ao que estamos vivendo. É um fato. Acho que o governo tem que pagar em dia, mas, neste momento, estamos vivendo uma dificuldade que todo mundo sabe", admitiu, comprometendo-se a levar todas as demandas para o gabinete do secretário.

Parlamentares cobram priorização

Os deputados enfatizaram que a política antidrogas deveria ser prioridade do Estado. “O governo não financia nem 20% do orçamento das comunidades terapêuticas”, lamentou Dilzon Melo (PTB).

Ele também elogiou a iniciativa de se aprimorar a Lei 22.460 a partir da visão de quem realmente vive a realidade nessas comunidades. “Ela vai valorizar quem trabalha e penalizar os que ganham e não prestam serviço”, acrescentou.

O deputado João Leite (PSDB) enfatizou que mais de 70% da população carcerária do Estado tem envolvimento com drogas e que o custo mensal de um preso é muito maior do que o de um usuário em tratamento. Ele lembrou a alta demanda pelas drogas e a insuficiência das unidades do governo para o atendimento.

As dificuldades da política antidrogas no atual governo, como a redução do orçamento, foram citadas também pelo deputado Léo Portela (PRB), que avaliou o cenário das comunidades terapêuticas como de “terra arrasada”. “Esse governo não quer essa política. Se quisesse, já teria resolvido os problemas. O que foi feito até agora foi por meio da ALMG”, afirmou.

"A defesa das comunidades passa pela separação do joio e do trigo. E isso requer um marco regulatório, inclusive para o gestor da saúde respeitar essas comunidades”, disse o deputado Antônio Jorge.

O parlamentar defendeu uma visão plural no tratamento da dependência. “Vários fatores contribuem para o sucesso, e a espiritualidade também é importante. É preciso humildade para abandonar a bandeira ideológica”, opinou.

Consulte o resultado da reunião.