Comissão de Participação Popular debateu a promoção da cidadania para a população em situação de rua
Luiz Kohara falou como o preconceito exclui a população de rua das políticas habitacionais

Autoridades cobram políticas eficazes para quem vive na rua

Entidades e parlamentares dizem que acolhimento provisório reflete preconceito e não resolve carências da população.

29/11/2016 - 18:04

“A moradia tem que ser o primeiro atendimento. Senão, você pode fazer muitas coisas, mas (tudo) vai ser sempre paliativo”. Com essas palavras, o membro da Secretaria Executiva do Centro Gaspar de Direitos Humanos, Luiz Tokuzi Kohara, resumiu a mudança de mentalidade e de estratégia assistencial que entidades vinculadas à população em situação de rua cobram do poder público. O tema foi discutido, nesta terça-feira (29/11/16), em audiência pública da Comissão de Participação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

A reunião foi requerida pela presidente da comissão, deputada Marília Campos (PT), para quem as redes de atendimento e de acolhimento temporário têm se mostrado insuficientes. Tanto ela quanto o deputado Wander Borges (PSB) cobraram uma política estadual mais eficaz para atender a população que vive na rua. Wander Borges ressaltou a importância de uma implantação mais efetiva da Lei 20.846, de 2013, que instituiu a Política Estadual para a População em Situação de Rua.

Wander Borges também citou alguns dados de uma pesquisa que, segundo ele, foi realizada em 2010 pela Pastoral Nacional do Povo de Rua. De acordo com o parlamentar, a pesquisa indicou que 86% dessa população não é beneficiária de qualquer política pública e 82% não têm conhecimento da existência dessas políticas que poderiam beneficiá-la. A grande maioria são homens e 81% são dependentes químicos.

Luiz Kohara chamou atenção para outros dados, que vão na contramão dos estereótipos relacionados à população em situação de rua. Ele explicou que pesquisa realizada pelo Ministério de Desenvolvimento Social em 2008 indicou que mais de 72% dessa população já trabalhou regularmente e mais de 70% continua trabalhando de alguma forma, ainda que informal e eventual.

Kohara citou um caso de São Paulo para exemplificar como o preconceito exclui a população de rua das políticas habitacionais. Um senhor, que sofreu um despejo decorrente das obras de expansão do metrô, deixou de ser considerado um potencial beneficiário da política habitacional do município após se tornar um morador de rua. A partir daí, considerou-se que ele estaria “a cargo” das políticas assistenciais do município.

Preconceito estaria impregnado nas políticas públicas

Para Kohara, mesmo entre agentes públicos, há um estranhamento com relação à ideia de o poder público disponibilizar moradias para essa população, ainda que o direito à moradia seja garantido pela Constituição. Há um receio de que as casas poderiam ser vendidas ou transformadas em locais para uso de drogas, argumentando-se que primeiro deveria ser corrigida essa dependência.

Essa visão, na sua opinião, decorre de uma mentalidade meritocrática, segundo a qual o direito depende do que cada um é capaz de produzir. “O direito tem que ser universal, não depende de nada”, ressaltou Kohara.

Ele complementou que, em São Paulo, onde está sediado o Centro Gaspar de Direitos Humanos, cada pessoa abrigada em uma casa de acolhimento provisório custa mais de R$ 1 mil mensais ao poder público. Em sua avaliação, se esse dinheiro fosse investido em moradias definitivas, poderia sair mais barato.

O deputado André Quintão (PT) concordou que há preconceito na aplicação de políticas públicas. “Por isso, a primeira atitude é romper com o preconceito, que leva ao higienismo. As pessoas culpam quem está na rua”, afirmou o parlamentar, atribuindo esse fenômeno a uma sociedade desigual e excludente.

Assim como Kohara e os parlamentares, outros convidados defenderam a necessidade de se priorizar políticas habitacionais para a população de rua. “Pensar habitação como ponto de partida e não como ponto de chegada”, afirmou o representante do Movimento Nacional da População de Rua, Samuel Rodrigues. “Essa é a nossa bandeira, que defendemos como estratégia para responder com mais efetividade às carências da população de rua”, complementou.

A defensora pública Júnia Carvalho defendeu uma atenção maior para as mulheres, transexuais e travestis em situação de rua. “Apesar de serem em menor número, sua situação é muito mais frágil, a vulnerabilidade é muito maior”, afirmou. Ela endossou as queixas de uma das participantes da audiência pública, Sissy Kelly, que cobrou moradias definitivas para os transexuais e travestis que hoje vivem em albergues provisórios ou na rua, em Minas Gerais.

Deputados aprovam audiências públicas

Um dos requerimentos aprovados, de autoria da deputada Marília Campos, propõe uma visita à Companhia de Habitação do Estado de Minas Gerais (Cohab) para conhecer e discutir a política específica para atendimento à população de rua.

Outros dois requerimentos de audiências públicas foram aprovados. Uma das audiências, solicitada pela deputada Marília Campos e pelo deputado André Quintão, é para debater o número crescente de jovens negros mortos pela Polícia Militar em Belo Horizonte e Região Metropolitana.

A outra audiência é para ouvir autoridades e cidadãos de Ribeirão das Neves (RMBH) sobre a destinação de resíduos sólidos do município. Esse requerimento foi apresentado pela deputada Marília Campos e pelo deputado Paulo Guedes (PT).

Consulte o resultado da reunião.