Na reunião, foi destacado que muitos casos de violência doméstica contra mulheres ainda prescrevem e ficam impunes
A desembargadora Kárin Emmerich acredita que o balanço é positivo após dez anos da lei
Parlamentares falaram sobre a importância da tipificação da violência, feita pela lei

Prescrição de crimes contra mulheres é desafio a ser vencido

Problema foi destacado em reunião, nesta quarta (24), que discutiu avanços e desafios nos 10 anos da Lei Maria da Penha.

24/08/2016 - 16:01

Em dez anos de vigência da Lei Federal 11.340, de 2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, muitos casos de violência doméstica contra mulheres ainda prescrevem e ficam sem punição. Foi o que destacou a desembargadora superintendente da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Kárin Liliane de Lima Emmerich e Mendonça, nesta quarta-feira (24/8/16), em audiência pública da Comissão Extraordinária das Mulheres da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

O objetivo da reunião foi avaliar os avanços e desafios dessa legislação nesses dez anos. A conclusão principal, segundo a desembargadora, é a necessidade de acelerar o julgamento dos processos. Para ela, não dá para entender uma demora de três a cinco anos para que esse procedimentos sejam concluídos. “A Organização das Nações Unidas (ONU) considera a Lei Maria da Penha a terceira melhor do mundo no combate à violência doméstica. Como então ainda podem ocorrer tantas prescrições de crimes?”, questionou.

Em entrevista, Kárin Emmerich relatou que mais de 50% dos processos dessa natureza que verificou, na última semana, prescreveram. Segundo ela, alguns tipos de crime têm prescrição em três anos, como a ameaça. E, por questões estruturais que acarretam na demora dos julgamentos, isso acaba ocorrendo.

Apesar desses dados, a desembargadora enfatizou ainda que, nos dez anos da lei, o balanço é positivo. “O encorajamento das vítimas por meio da divulgação da lei tem sido um grande avanço ao longo dos anos. A violência é um problema social. Não é algo distante, acontece no meio de todo mundo”, disse. Ela destacou ainda que o grande desafio é mudar a mentalidade machista tão comum no País e que só com a mudança cultural haverá avanços mais significativos.

Condenações - De acordo com a coordenadora da Rede Estadual de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, Ermelinda Ireno, ainda são muitos os gargalos da Lei Maria da Penha. Apesar de Minas Gerais ter sido pioneira em serviços para a mulher vítima de violência, ela acrescentou que a aplicação da lei ainda é insuficiente. “Violência contra a mulher é crime e, se é crime, tem que ter condenação e não apenas medidas protetivas”, enfatizou.

Ermelinda salientou ainda as condenações em primeira instância no Estado. Em 2014, por exemplo, foram 4.150, enquanto que, apenas em Belo Horizonte, no primeiro semestre do mesmo ano, foram 7.351 registros de violência. “Nesta terça (23) mesmo, houve o assassinato, pelo ex-companheiro, de uma mulher que trabalhava em um órgão de implementação da Lei Maria da Penha na Capital ”, lamentou. E acrescentou que, nos dez anos da norma, não é possível deixar de falar dos problemas que ainda persistem.

Participantes destacam benefícios obtidos com a lei

Para a superintendente de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania (Sedpac), Isabel Cristina de Lima Lisboa, as mulheres conquistaram muitos direitos nesses dez anos e o saldo é positivo nesse período. “A garantia do acesso de mulheres à Justiça é a grande conquista obtida pela legislação”, colocou. Ela destacou pesquisa que mostra que 98% das mulheres entrevistadas conhecem a Lei Maria da Penha.

Já a defensora pública do Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher em Situação de Violência (Nudem), Samantha Vilarinho Mello Alves, falou que a tipificação da violência contida na Lei Maria da Penha foi muito importante porque muitas mulheres não sabiam o que configurava essa violência. “Achavam que era apenas violência física e, sobretudo, aquela que deixa marcas”, contou. Ela também destacou as medidas protetivas como avanços. Outra conquista ressaltada é o trabalho em rede nessa área.

Por outro lado, tanto a superintendente quanto a defensora listaram aspectos que precisam ser melhorados. Para a primeira, é preciso avançar ainda em mecanismos de segurança às mulheres. A defensora pública acrescentou que uma das dificuldades é a capacitação das pessoas que trabalham com o atendimento a essas mulheres. Outra necessidade é a implementação de juizados de competência híbrida para atendimento das diversas demandas de uma mulher que sofreu violência doméstica.

Violência contra negras é salientada

A coordenadora do Nizinga - Coletivo de Mulheres Negras, Benilda Penna Brito, enfatizou que a sociedade brasileira não só é patriarcal, mas também racista. Ela salientou dados, da década de 1990, que mostravam que as mulheres negras eram as que mais sofriam com a violência. “Essa situação não mudou ao longo do tempo. A violência com relação às mulheres negras é histórica”, lamentou. Benilda acrescentou que os casos têm aumentado e que o Estado deve dar uma resposta a isso.

Segundo a delegada-chefe da Divisão Especializada de Atendimento à Mulher da Polícia Civil de Minas Gerais, Danúbia Helena Soares Quadros, de janeiro a julho deste ano foram feitos 3.904 requerimentos de medidas protetivas em Belo Horizonte. “Não percebemos a diminuição da violência contra a mulher. Cada vez mais, as vítimas têm nos procurado”, disse. Ela contou que sua maior preocupação é com o atendimento e o acolhimento a essas mulheres. “A delegacia é a porta de entrada. É o primeiro lugar que a vítima procura”, refletiu.

Deputados elogiam lei e destacam desafios

A reunião foi solicitada pela deputada Rosângela Reis (Pros), que preside a comissão, e pelo deputado Inácio Franco (PV). Para a deputada, a Lei Maria da Penha tem extrema importância para o País. “Houve uma luta de movimentos feministas e da sociedade civil para que a lei fosse criada. Veio dar amparo legal às mulheres vítimas de violência”, salientou.

Rosângela Reis também destacou que a lei tipificou a violência, o que foi um avanço, porque muitas vezes a sociedade não identificava, por exemplo, a violência psicológica. Para a deputada, varas especializadas são ainda necessárias para identificação da violência e defesa.

Segundo o deputado Inácio Franco, é importante discutir os desafios futuros para a legislação. “A lei vem salvando vidas, denunciando e punindo agressores. Mas fazer com que a norma funcione em todos os municípios ainda é desafiador”, enfatizou.

A deputada Celise Laviola (PMDB) ressaltou que é preciso repensar o funcionamento da lei em alguns aspectos e que a educação é a chave para mudar a cultura machista do País. Também abordou o machismo que caracteriza a sociedade brasileira o deputado Rogério Correia (PT), para quem os direitos conquistados devem ser garantidos em lei.

Requerimentos - Foram aprovados na mesma reunião dois requerimentos de autoria das deputadas Rosângela Reis e Celise Laviola e do deputado Rogério Correia, um deles para a realização de audiência e outro para visitas técnicas.

A audiência pública pretende abordar o cumprimento da lei em questão no âmbito do sistema de Justiça, bem como a produção de dados e informações previstas na norma, a capacitação de magistrados e operadores do direito e a busca da efetividade das decisões judiciais. As visitas serão feitas às Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher da Capital e de Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, para conhecer e discutir as condições estruturais, de recursos humanos e do atendimento das unidades.

Consulte o resultado da reunião.