A importância do debate a respeito da legislação urbanística brasileira foi um dos assuntos discutidos pelos participantes
Fred Costa (centro) acredita que todos os projetos em tramitação na ALMG sobre o setor devem ser discutidos
Haroldo Pinheiro defendeu que a licitação das obras públicas seja realizada com projetos completos

Cidades devem ser inclusivas, sustentáveis e acessíveis

Participantes de debate público na ALMG defendem iniciativas que garantam cidades com mais qualidade de vida para todos.

23/08/2016 - 14:00 - Atualizado em 23/08/2016 - 16:44

Cidades mais inclusivas, sustentáveis e acessíveis para todos foram ideias defendidas, na manhã desta terça-feira (23/8/16), na abertura do Debate Público Arquitetura, Urbanismo e Legislação. O evento, que prossegue ao longo do dia, é promovido pela Comissão de Assuntos Municipais e Regionalização da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em parceria com o Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Minas Gerais (CAU-MG).

Participante da mesa de abertura, o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU-BR), Haroldo Pinheiro, destacou a importância da discussão sobre as questões de legislação e da maneira como as normas são feitas.

Também ponderou que é preciso ouvir as pessoas que desempenham a profissão sobre a qualidade do resultado das leis. Em sua opinião, é fundamental que possam ser estabelecidas bases mínimas de Estado para construção de cidades mais inclusivas, sustentáveis e agradáveis de conviver.

Seguindo esse pensamento, o coordenador da Comissão Especial de Política Urbana e Ambiental Sustentável (Cepuas, do CAU-MG), Sérgio Myssior, ressaltou a impossibilidade de continuarmos reproduzindo um tipo de cidade que não é sustentável. “Precisamos repensar nossas cidades e regiões, com inclusão e espaço para as pessoas, com melhoria na qualidade de vida”, disse.

Sérgio Myssior afirmou ainda que o debate público é necessário para conhecer os projetos de lei tramitando no Parlamento, como também para pautar a política urbana e ambiental.

O secretário municipal adjunto de Planejamento Urbano da Prefeitura de BH, Leonardo Castro, também defendeu a construção de cidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis. “As cidades ganham, a cada dia, o holofote da sustentabilidade do planeta. Elas são responsáveis por emissão de 75% dos gases do efeito estufa”, ponderou, ao lembrar que as cidades estão crescendo, mas de modo errado, e que cabe ao profissional da área ordenar, de certa forma, esse crescimento.

Cidades inclusivas - A diretora-geral da Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de BH, Flávia Mourão Parreira do Amaral, pontuou que o debate assume caráter importante e demonstra que a categoria está interessada em construir instrumentos legais que permitam desenvolver parâmetros para esse desenvolvimento. “Assim teremos cidades inclusivas, sustentáveis e acessíveis para todos”, apontou.

Ainda de acordo com Flávia Mourão, não basta apenas a boa vontade dos arquitetos para conseguir essa cidade ideal. Muitas vezes, segundo ela, estão em jogo muitos interesses e, para isso, é preciso ter regras, que estão nas leis e normas. “O objeto dessa legislação deve ser realmente promover um desenvolvimento inclusivo, ambientalmente sustentável e que todos possam participar”, afirmou.

Importância do debate é defendida

Presente na abertura do debate público, o vereador Tarcísio Caixeta, representando a Câmara de Belo Horizonte, ressaltou a importância do evento para conhecer os problemas e contribuir numa legislação contemporânea, que caminhe lado a lado com o dinamismo da sociedade.

O autor do requerimento para o debate e presidente da Comissão de Assuntos Municipais e Regionalização da ALMG, deputado Fred Costa (PEN), também destacou a importância de se discutir cada um dos projetos de lei em tramitação na Casa que dizem respeito ao setor. Além disso, Fred Costa ressaltou o esforço do Conselho de Arquitetura de provocar o encontro, que ele considerou de alta relevância para o Estado.

A presidente do Departamento de Minas Gerais do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-MG), Rosilene Guedes Souza, concordou com o deputado e elogiou a discussão. A presidente do CAU-MG, Vera Carneiro de Araújo, por sua vez, explicou que o debate é fruto de um esforço coletivo da Comissão Especial de Política Urbana e Ambiental Sustentável e de toda equipe do conselho.

Vera Carneiro destacou ainda a consulta pública, que será aberta e lançada nesta tarde, e anunciou o lançamento de edital, no 25 de agosto próximo, para fomento de projetos que valorizem a arquitetura e urbanismo.

Planejamento e projetos completos para as obras públicas

Na primeira mesa de debates, intitulada “Projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional relacionados ao trabalho dos arquitetos e urbanistas”, o presidente do CAU-BR, Haroldo Pinheiro, defendeu que a licitação das obras públicas, decorrente de um projeto escolhido por qualidade (via concurso), seja realizada com projetos completos.

Na opinião de Haroldo, o concurso público como modalidade de escolha de um projeto completo arquitetônico é fundamental para uma política de Estado voltada na construção de cidades sustentáveis. “O concurso como modalidade de contratação de obras públicas foi encampado pela Unesco e é a melhor maneira de escolher um projeto em benefício para a sociedade”, disse. Nesse sentido, a democratização de acesso ao trabalho é um subproduto desse política, conforme concluiu Haroldo.

Para o presidente do CAU-BR, obras públicas licitadas por projeto completo mostram planejamento de gasto e podem minimizar os imprevistos. Mas atualmente no País, segundo ele, as obras são contratadas por esboço de projeto, justificadas pela pressa. Como resultado desse pensamento estão obras de má qualidade e mau inseridas no contexto público, e citou como exemplo a queda de um viaduto em Belo Horizonte e da ciclovia no Rio de Janeiro.

Congresso - Também palestrante da primeira mesa, a coordenadora da Comissão de Política Urbana e Ambiental Sustentável (Cpua, do CAU-BR), Maria Eliana Jubé Ribeiro, abordou o tema “A Cpua do CAU-BR e os projetos em tramitação no Congresso Nacional”. Em sua fala, ela traçou um panorama das ações das Cpua e dos projetos em tramitação em Brasília.

A coordenadora lembrou que uma das funções da Cpua é acompanhar, avaliar e se manifestar sobre os projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional relativos à política urbana e ambiental.

Ela informou que o órgão já emitiu parecer técnico sobre 25 projetos de lei e a maioria não é benéfica para o setor. Como exemplo, citou 12 projetos que tramitaram sobre estatuto das cidades, propondo mudanças, sendo que a aplicação da lei ainda nem foi concretizada de forma adequada.

Segundo Maria Eliana, o objetivo da Cpua não é apenas oferecer pareceres ao Congresso, mas formular projetos necessários para os estados e federação, contribuindo de forma pró-ativa.

Ela citou ainda a recém-sancionada Lei Federal 13.303, de 2016, como exemplo de iniciativas legislativas que vão interferir negativamente no setor, já que a norma permite a licitação de obras públicas sem projeto completo, dá brecha para privatizar estatais e ainda permite a gestão das empresas públicas sem transparência e sem realização de concursos públicos.

Maioria das leis urbanísticas foi feita para não ser cumprida, diz arquiteto

O arquiteto e urbanista Flávio Villaça, mestre em Planejamento Urbano pelo Georgia Institute of Technology, Atlanta (Georgia, EUA), doutor em Geografia Urbana pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro Espaço intraurbano no Brasil, foi o último expositor da programação da manhã. Ele participou da mesa com o tema “Os arquitetos e urbanistas e o processo de formulação da legislação urbanística brasileira”.

Para Villaça, há leis que são cumpridas no Brasil e outras não e, na sua opinião, a maioria da legislação urbanística brasileira foi feita para ser respeitada. Ele exemplificou com os códigos referentes a obras e loteamentos. “Todo mundo sabe que o primeiro é uma lei municipal, feita para que arquitetos sigam quando projetam edifícios. O segundo, por sua vez, para ser usado nos projetos de loteamentos. No entanto, sabemos que a maioria da população urbana brasileira não mora em casas que seguem o código de obras e nem moram em loteamentos aprovados”, pontuou.

De acordo com Villaça, essas normas afetam apenas a minoria da sociedade. “Então, para que servem essas leis?”, questionou. 

Debates – Durante a fase de debates, o conselheiro do CAU-MG, José Lopes Esteves, afirmou que a legislação urbanística brasileira é “um grande balcão de negócios”. Sobre os planos diretores, ele disse que não funcionam, “pois cada semana há um vereador que propõe um projeto de lei complementar (PLC) para mudá-los, com objetivo de atender a demandas e interesses de bairros e ruas específicas, associados aos próprios políticos que os modificam”.

Já o presidente do CAU-BR, Haroldo Pinheiro, afirmou que os planos diretores se transformaram em “literatura de prateleira”. Segundo ele, é comum diferentes cidades usarem um mesmo plano. “Está-se discutindo agora a criação de um novo documento, que seria para cumprir exatamente o que o plano diretor deveria fazer”, criticou.

Perguntado sobre a Lei Geral de Licitações e Contratos, Haroldo Pinheiro citou a norma como exemplo de lei “extremamente complexa”, feita para dificultar sua aplicação e abrir caminho para interpretações descontextualizadas e diversas. “Temos que fazer leis simples, com poucos parágrafos, para tratar da contratação de obras. É preciso simplificar a discussão e colocar em termos claros apenas o que interessa”, pontuou.

Já o arquiteto e urbanista Flávio Villaça foi questionado sobre qual seria a solução para o planejamento das cidades. “O plano diretor é documento técnico ou político? Se é técnico, que sentido tem em ser aprovado por vereadores que não entendem do assunto? Portanto, é documento político. Tem que 'nascer' do debate democrático, do conflito de interesses, que não pode ser escondido”, argumentou.