Cultura do estupro estaria inserida na sociedade brasileira
Termo é usado para culpabilizar as vítimas de violência sexual. Caso de estupro coletivo deu visibilidade ao tema.
07/07/2016 - 19:59 - Atualizado em 08/07/2016 - 12:35A Comissão de Participação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) debateu, em audiência pública nesta quinta-feira (7/7/16), a "cultura do estupro", expressão cunhada nos Estados Unidos, por movimentos feministas da década de 1970. O termo é usado para abordar as formas utilizadas pela sociedade para culpar as vítimas de assédio sexual e normalizar o comportamento sexual violento dos homens.
O assunto teve grande repercussão na mídia a partir da denúncia de estupro coletivo de uma jovem de 16 anos no Rio de Janeiro, em maio. O crime foi divulgado, pelos próprios autores, por meio de vídeo em redes sociais. Policiais envolvidos na investigação teriam tentando culpabilizar a vítima, divulgando informações à imprensa que prejudicaram sua imagem.
A cultura do estupro começa na infância, quando a sociedade atribui papéis específicos a cada um de acordo com seu gênero, segundo a participante do Movimento Marcha das Vadias, Letícia Gonçalves. Ela acredita que o gênero é usado como estratégia de dominação social, uma vez que o homem tem suas experiências ligadas a questões que envolvem virilidade e violência.
“Sob o estereótipo 'Bela, recatada e do lar', todas as mulheres são organizadas e muitas se enganam ao achar que, comportando-se assim, terão mais respeito ou valor. Numa sociedade machista, nenhuma mulher tem valor", destacou Letícia.
A chefe da Divisão Especializada no Atendimento à Mulher, ao Idoso e à Pessoa com Deficiência (Demid) da Polícia Civil de Minas, delegada Danúbia Quadros, disse que, frequentemente, a mídia trata do assunto com foco nas alternativas que as mullheres teriam para evitar o crime. "As vítimas não têm que fazer nada para evitar estupro porque os homens é que têm que respeitar as mulheres. Os criminosos são eles e devem ser punidos!", cobrou.
"Se a pessoa é assaltada, ninguém pergunta com que roupa ela estava. Em 100% dos casos de estupro, a culpa é do homem. Precisamos entender que 'mexer' com a mulher na rua, dar 'aquela encostadinha no metrô', tudo isso faz parte da cultura do estupro", completou a superintendente do Enfrentamento da Violência Contra as Mulheres da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania, Isabel Cristina de Lima Lisboa.
Nada justifica a agressão e o estuprador tem que ser punido, na opinião da coordenadora da Defensoria Especializada de Defesa da Mulher Vítima de Violência, a defensora pública Renata Salazar Botelho Guarani. Para ela, na maioria das vezes, as pessoas agem como se coubesse a elas evitar o crime de outrem, o estupro, e não deveria ser assim.
Miscigenação - A cultura do estupro remontaria às raízes brasileiras, tendo em vista que a miscigenação da população teria originado do estupro de mulheres negras e indígenas pelos portugueses, conforme explicou a integrante do Fórum das Juventudes da Grande Belo Horizonte, Áurea Carolina de Freitas e Silva.
"O racismo e as questões de classe estão no cerne de tudo. A violência é naturalizada nos meios de comunicação e as propagandas são extremamente machistas", completou Áurea.
Parlamentares ressaltam importância do combate à violência
A autora do requerimento e presidente da comissão, deputada Marília Campos (PT), frisou que a cultura do estupro inclui a violência psicológica com a qual todas as mulheres têm que lidar no dia a dia.
Ela também destacou que muitas medidas progressistas estão previstas na proposta do Plano Estadual de Educação, que tramita na ALMG, incluindo a discussão de gênero nas escolas, mas convidou todas a não baixar a militância e lutar para que o plano seja aprovado como está.
Já o deputado Doutor Jean Freire (PT) destacou o despreparo de médicos para fazer exames e atendimentos de mulheres vítimas de violência. Além disso, ele ressaltou que existem poucas delegacias da mulher, que seriam, segundo ele, concentradas em grandes centros urbanos.
"Nosso papel, como médico, é também denunciar quando vemos uma vítima agredida que não quer fazê-lo. Muitos médicos não acham que isso não é responsabilidade deles, e isso também é cultura do estupro", acrescentou o deputado.
A deputada Celise Laviola (PMDB), por sua vez, falou da necessidade de debater os motivos da discriminação e do tratamento diferenciado sofridos pelas mulheres. "Essa é uma questão social, essencial para mulheres e homens".
Requerimentos – Antes da audiência, foram aprovados dois requerimentos. O primeiro é de visita ao gabinete do promotor de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde (CAO Saúde), Gilmar de Assis, para debater a situação do Hospital Metropolitano Dr. Célio de Castro, o Hospital do Barreiro, em BH. O pedido é da deputada Marília Campos e dos deputados Fred Costa (PEN) e Wander Borges (PSB).
O segundo requerimento, também de autoria de Marília Campos, refere-se à audiência pública sobre a saúde nutricional da população e da prevenção ao tratamento, conforme solicitado pelo presidente do Conselho Regional de Nutricionistas - 9ª Região Minas Gerais.