No debate público, os participantes reforçaram a importância de oferecer tratamento aos usuários de drogas, e não apenas puni-los
A psicóloga Raquel Pedroso salientou que, para prevenir, é indispensável analisar o contexto no qual a pessoa está inserida
Na opinião de Érica Toledo, o jornalismo é o espaço adequado para debater o abuso de bebidas alcoólicas
Ana Lúcia Godard apresentou pesquisa sobre relação entre propaganda de bebida alcoólica e redução do consumo de álcool

Debate destaca importância de prevenção do abuso de álcool

Monitoramento de programas preventivos com foco nos adolescentes é apontado como indispensável para diminuir o consumo.

24/06/2016 - 14:40 - Atualizado em 24/06/2016 - 17:00

A necessidade de se monitorar os programas de prevenção do consumo de bebidas alcoólicas entre adolescentes, para avaliar seus reais impactos, foi um dos destaques no Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) na manhã desta sexta-feira (24/6/16), durante o Debate Público Álcool não é Brincadeira. Os participantes também reforçaram a importância de oferecer tratamento, e não punição, aos usuários de drogas e falaram sobre o papel do jornalismo no âmbito das ações de prevenção.

No painel "Boas práticas em prevenção ao uso/abuso de drogas e desafios e perspectivas no contexto nacional", a professora do curso de Medicina das Faculdades Integradas da União Educacional do Planalto Central (Faciplac), psicóloga Raquel Turci Pedroso, ressaltou que é preciso avaliar os programas e ações. “Definimos nossas estratégias como preventivas porque olhamos para suas intenções, não temos de fato comprovações científicas de que elas funcionem como preventivas”, afirmou.

Ela citou o Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd), da Polícia Militar, cujo único estudo sobre o projeto, segundo a psicóloga, conclui que ele é ineficiente. Raquel afirmou, ainda, que ações que tenham como foco palestras de dependentes químicos em escolas têm, de acordo com a maioria das pesquisas, o resultado inverso ao pretendido: acabam induzindo ao consumo.

Para ela, é preciso, portanto, monitorar os programas durante todo o processo: antes, durante e após sua implantação. O deputado Antônio Jorge (PPS) concordou e afirmou que é necessário estar atento à efetividade dos programas. O parlamentar reforçou a importância de se criar uma cultura que valorize outros prazeres, além da bebida alcoólica. 

Prevenção - Raquel Pedroso destacou que prevenção é educação e isso envolve reconhecer a liberdade individual de pensamento, bem como o contexto. “Não adianta dizer que droga mata, e o adolescente descobrir, no primeiro trago ou no primeiro gole, que não é bem assim”, reforçou.

A psicóloga salientou que as ações não podem ser simplesmente transportadas de um contexto a outro ou tidas como soluções absolutas. “Nada é 'em si', o contexto é fundamental. Não podemos afirmar que o esporte é sempre promotor de saúde quando a cervejinha depois de cada campeonato é a regra”, analisou.

Ao discursar sobre a complexidade de se tratar do assunto com alguns adolescentes dependendo do contexto em que vivem, a coordenadora da Comunidade Terapêutica Terra da Sobriedade, Carolina Couto da Mata, apresentou exemplos ligados ao Meninos da Terra, um dos programas da comunidade que representa, localizada em Belo Horizonte.

Um dos casos é o de uma adolescente de 13 anos que queria ajuda para estudar. “A situação dela era a seguinte: o pai, dependente químico; a mãe, paciente em tratamento por sofrimento mental. Os irmãos são envolvidos com o tráfico e a família perdeu a casa por dívidas com o tráfico. Cada um foi morar em um lugar e ela está com a avó em um assentamento, seu quarto endereço em seis meses”, concluiu.

Punição - A tendência punitiva adotada com usuários de drogas ilícitas também foi avaliada negativamente pela psicóloga Raquel Pedroso. Ela lembrou que enquanto a legislação penal tenta aumentar as punições e acaba levando cada vez mais usuários para a prisão, por outro lado as políticas de saúde mental querem acabar com instituições como manicômios. 

O presidente do Conselho Estadual de Política sobre Drogas, Aloísio Andrade, reforçou que é necessário tratar o abuso de qualquer droga como problema de saúde e que o encarceramento em massa, como estaria sendo feito no Brasil, não é a solução. Ele também julgou necessário revisar a legislação, que considerou permissiva, com propagandas de bebidas com teor alcoólico menor que 13 graus, o que abarca cervejas e vinhos.

Jornalismo tem papel fundamental

No painel "Papel da Mídia na Prevenção", a jornalista Érica Toledo lembrou que a maior parte da programação midiática é composta por entretenimento e, nesse conteúdo, não há espaço para discussões aprofundadas sobre o abuso de bebidas alcoólicas, por se tratar de um assunto que causa desconforto.

Para ela, o espaço de discussão do assunto é o jornalismo, mas ela acredita que há um descompasso entre o que a imprensa veicula e a realidade. “O maior problema do ponto de vista epidemiológico é o álcool, mas os jornais só falam do crack”, exemplifica. Para ela, é preciso que os envolvidos com trabalhos de prevenção invistam tempo no treinamento de jornalistas.

Já a jornalista Déborah Rajão citou o programa Minas Contra as Drogas, da Rádio Inconfidência, comandado por ela, que recebe especialistas semanalmente para discutir o assunto. Ela defendeu a importância de se criar mais espaços como esse nos veículos de comunicação.

Internet - O consultor em marketing digital Vitor Colares abordou a importância de considerar os adolescentes como sujeitos de suas decisões, que agem de acordo com os valores adquiridos ao longo da vida, e criticou a simples transposição da mídia tradicional para a internet. “Dizer 'álcool não é brincadeira' não vai atrair o jovem. É um discurso chato e descolado da realidade. A realidade é que o álcool faz parte da vida das pessoas”, disse, fazendo alusão ao nome do debate público.

Um dos caminhos apontados por ele foi o trabalho com os chamados “influenciadores digitais”, considerados celebridades das redes sociais. O consultor explicou que se tratam de pessoas que comunicam diretamente com os jovens e são geralmente desconhecidas pela geração acima de 30 anos de idade. “Alguém precisa conversar com essas pessoas sobre a responsabilidade que elas têm no tipo de cultura promovem”, sugeriu.

Europa – A professora, pesquisadora e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Genética da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Ana Lúcia Brunialti Godard, apresentou dados de levantamento realizado pelo programa que coordena na UFMG sobre a ligação da restrição da propaganda de bebida alcoólica à redução do consumo de álcool.

Diretora da Associação Nacional de Restrição da Propaganda de Bebida Alcóolica, Ana Lúcia informou que, de acordo com o estudo, a França, conhecida por sua grande produção e comercialização de vinhos, obteve resultados “extremamente importantes” na redução do consumo de álcool a partir de 1991, quando foi editada a lei do vinho, que praticamente proibiu a propaganda de bebida alcoólica no país.

Desde então, para se exibir propaganda de bebidas alcoólicas no país, o fabricante tem que pedir autorização ao Parlamento. Mesmo assim, a publicidade é proibida em canais abertos e cuja programação seja dedicada aos jovens, em outdoors próximo a escolas, estádios e pontos de grande concentração. Além disso, a lei não permite que a propaganda associe o consumo de álcool ao sucesso, ao bem-estar ou à qualidade de vida, disse.

A Escócia, famosa pela fabricação de uísque, também foi citada por Ana Lúcia. Segundo ela, desde 2009, quando passou a ter maior restrição à propaganda, com a proibição de promoções do tipo “compre dois e leve três” ou “na terça-feira o segundo copo é de graça”, o consumo de bebida caiu 3,2%.

Na contramão dos exemplos citados estaria o Reino Unido, onde não há nenhuma lei restritiva e a curva de consumo é ascendente, observou a pesquisadora.