Participantes consideraram que o sistema de financiamento não responde adequadamente à complexidade atual da cultura
Carlos Paiva apresentou o Procultura, que revoga a Lei Rouanet e estabelece um novo paradigma de fomento
Felipe Leite explicou que, em Minas, o fomento se dá prioritariamente por meio da Lei de Incentivo
Cesar Piva informou que o maior desafio do plano é se tornar uma ferramenta democrática de gestão

Mudanças no financiamento à cultura são defendidas em fórum

Na ALMG, palestrantes criticam lei de incentivo que concentra recursos em grandes centros.

08/06/2016 - 22:35 - Atualizado em 09/06/2016 - 15:37

A necessidade de aperfeiçoar os atuais mecanismos estaduais e federais de financiamento e fomento à cultura foi a tônica dos pronunciamentos realizados na tarde desta quarta-feira (8/6/16) no painel sobre o Sistema Estadual de Cultura, dentro da etapa final do Fórum Técnico Plano Estadual de Cultura, realizado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Tratando da temática fomento e financiamento, Carlos Paiva, ex-secretário de Fomento e Incentivo à Cultura do Ministério da Cultura (MinC), avaliou que o sistema de financiamento não responde adequadamente à complexidade atual da cultura. Segundo ele, a maior parte dessa política tem como pilar os meios a fundo perdido direto, na forma de editais, e indireto, por meio de incentivo fiscal.

Na avaliação de Paiva, os atuais mecanismos não estimulam o empreendedorismo, não possibilitam que haja um acompanhamento crítico dessas políticas, além de não permitirem a atuação direta do Estado. Especificamente em relação aos incentivos fiscais, o ex-dirigente considera que eles acabam ficando muito concentrados no Sudeste do Brasil e ainda, não estimulam o aporte de recursos da iniciativa privada. Para se ter uma ideia, em 2015, mais de 95% dos recursos do incentivo fiscal tiveram renúncia fiscal e 79% deles foram captados pelos estados do Sudeste.

Para corrigir essa rota, o ex-dirigente apresentou o projeto, já em tramitação no Senado, que cria o Procultura, o qual revoga a atual lei de incentivo, a Lei Rouanet, e estabelece um novo paradigma de fomento à cultura. O projeto aumenta a distribuição dos recursos de incentivo, fortalecendo as áreas do Norte e do Nordeste, e trabalha com premissas como a universalização do acesso, a descentralização no repasse de recursos e o fortalecimento da chamada economia da cultura, entre outras.

Em relação ao Sistema Nacional de Cultura, Carlos Paiva acredita que o novo ordenamento vai propiciar uma série de ganhos para a política cultural. Ele cita entre os benefícios: a melhoria do acompanhamento das ações; a redução da sobreposição de ações de diferentes entes federados privilegiando determinados atores ou áreas; a previsão de um calendário estável de ações culturais; a possibilidade de captação de recursos também por meio de pessoa física; e a mudança para um modelo totalmente reembolsável, oposto ao anterior, a fundo perdido.

Aplicação de recursos para cultura se concentra na RMBH

Em âmbito estadual, os mecanismos de financiamento cultural em Minas Gerais foram tratados pelo superintendente de Fomento e Incentivo à Cultura da Secretaria de Estado de Cultura, Felipe Rodrigues Leite. Também no Estado, o fomento se dá prioritariamente por meio da Lei de Incentivo, em primeiro lugar, e pelo Fundo Estadual de Cultura (FEC).

Como mostrou Leite, a diferença é gritante entre os dois mecanismos. Enquanto o FEC, desde que foi criado em 2006, financiou 1.074 projetos num valor total de R$ 55,5 milhões, a Lei Estadual de Incentivo a Cultura (Leic) incentivou mais de 6.400 projetos, aplicando recursos da ordem de R$ 737 milhões, desde 1998. Ele explicou que a Leic opera com recursos provenientes de Renúncia Fiscal sobre o ICMS, sendo disponibilizado 0,30% da receita líquida desse tributo. Em 2016, a estimativa é de R$ 83,5 milhões.

Segundo Leite, o governo quer alterar o funcionamento desses dois mecanismos por meio de projetos que serão enviados à ALMG. Em relação ao fundo, pretende-se permitir que pessoas físicas possam apresentar projetos. Isso difere do que ocorre hoje, em que isso só pode ser feito por pessoas jurídicas de direito público e sem fins lucrativos, que são basicamente prefeituras e entidades públicas.

Outra alteração buscada para o FEC e a Leic é tornar mais justa a divisão dos recursos pelos 17 territórios de desenvolvimento do Estado. Isso reduziria a concentração na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Os dados históricos de aplicação desses recursos mostram essa disparidade, apesar dela estar se reduzindo um pouco nos últimos anos no caso do fundo.

Em 2010, por exemplo, o território Metropolitano (que engloba a RMBH e alguns outros municípios) recebeu 37,28% dos recursos; em 2012, 33,29%; em 2013, 30,75%; e em 205, 28,93%. A mesma concentração é evidenciada na aplicação da Leic: o mesmo território Metropolitano, de 2011 a 2015, abocanhou em média, mais de 70% dos recursos da lei.

Plano deve pensar cultura como vetor de desenvolvimento 

Na avaliação do diretor da Agência de Desenvolvimento do Polo Audiovisual da Zona da Mata, Cesar Piva, o maior desafio do plano é se tornar uma ferramenta democrática de gestão, configurando-se como uma política de Estado, e não de um governo.

Ele também postula que a cultura deve ser vista como um vetor do desenvolvimento. “Minas tem que sair do século 18 e parar com essa dependência da mineração. A cultura pode contribuir para mudar o modelo de desenvolvimento estadual”, considerou. A mudança passa, como afirma Cesar Piva, pela necessidade de discutir a economia criativa e planos regionais para ela, associada ao turismo cultural e educativo. Nessa perspectiva, ele defendeu a criação de consórcios intermunicipais de cultura.

Com relação aos atuais mecanismos de fomento, Piva critica o acesso das prefeituras aos recursos do Fundo Estadual de Cultura. Ele acredita que muitos prefeitos recebem dinheiro para a cultura e acabam não aplicando nesse setor. Além disso, advogou a criação de novas fontes de financiamento cultural, que viriam principalmente de estatais e outras instituições mineiras, como a Loteria do Estado, o BDMG, a Cemig, a Codemig, entre outras.

Estado articulador - O professor de Gestão Cultural da Uemg e do Centro Universitário UNA, José Oliveira Júnior, procurou analisar o projeto do Plano Estadual de Cultura, delineando o que ele chamou de uma proposta de política cultural de interesse público. Na visão dele, tal política deve ter entre seus parâmetros a mudança conceitual, de modo a se livrar do paradigma de estado provedor, substituindo-o pelo conceito de estado articulador. Essa nova ótica facilitaria a ação do poder público no sentido de articular as diversas dimensões da cultura e garantir suas conexões com a saúde, a tecnologia e várias outras interfaces.

Outro aspecto considerado por José Oliveira com relação ao plano estadual foi a diretriz de regionalização das ações culturais. “Será que o Estado tem condição de fazer essa ação regional com estradas tão precárias? Como fazer a disseminação da cultura com 270 municípios do Estado recebendo internet por meio de sinal de rádio?”, questionou. Lembrando que 671 municípios mineiros têm menos de 20 mil habitantes, Oliveira mostrou-se cético quanto a formulação de planos que atendam adequadamente a esse segmento e reforçou a necessidade de mudar a lógica de desenvolver a política cultural baseada somente em projetos e fundamentada em necessidades imediatas.

Como contraponto, o professor José Oliveira defendeu: o fortalecimento da função deliberativa do Conselho Estadual de Cultura (Consec); a articulação entre o Consec e os conselhos municipais de cultura e destes, com seus planos para o setor; o incremento da estrutura e de pessoal da SEC (“não adianta fazer um plano lindo se não houver pessoal qualificado e em quantidade suficiente para executar”); e a necessidade do estado assumir o papel de articulador das políticas públicas da cultura.

Interiorização - Ao fim do evento, o deputado Bosco, presidente da Comissão de Cultura da ALMG, disse que a sociedade tem que apresentar os projetos, para que os deputados cobrem do governo. Mostrando-se entusiasmado com a realização do fórum, ele disse esperar que o Plano Estadual de Cultura atenda sobretudo aos cidadãos que estão no interior, longe da Capital.