Qualidade e diversidade devem pautar Base Curricular Comum
Base nacional não pode dispensar conteúdos de cidadania, na opinião de participantes de debate público na ALMG.
30/05/2016 - 14:45Respeito à diversidade e recursos para investimento em qualidade foram defendidos nesta segunda-feira (30/5/16), durante a abertura do Debate Público Base Nacional Comum Curricular: Em Busca da Qualidade e da Equidade na Educação, que acontece na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Deputados estaduais de vários Estados, gestores, educadores e entidades manifestaram preocupação com possíveis retrocessos nas discussões sobre a educação diante do cenário político atual e advertiram para a necessidade de se investir em qualidade do ensino, tendo em vista que a universalização já foi alcançada nas etapas iniciais da educação.
“Talvez o ensino superior seja uma exceção, porque nos demais níveis o que vemos hoje é o fracasso da educação", afirmou o deputado estadual Wilson Pereira dos Santos (PSDB-MT). Segundo ele, a universalização do ensino fundamental, apesar de propagada, ainda estaria longe do preconizado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) quanto à formação de indivíduos críticos e protagonistas, o que, na sua avaliação, deve ser considerado nas discussões em torno da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Tomando como base a situação da educação em seu Estado, o parlamentar afirmou que o ciclo de formação humana implantado há 16 anos no ensino público do Mato Grosso teria enfrentado problemas como a falta de material didático e de apoio dos próprios professores. “Assim, estamos formando alunos candidatos ao desemprego e no máximo ao subemprego. Isso não deve ser muito diferente da realidade nacional, o que mostra que na discussão de uma base curricular mínima e comum a qualidade deve ser a grande preocupação”, insistiu ele.
Endossando a preocupação, o educador e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Miguel Gonzáles Arroyo, advertiu, contudo, para qual seria o conceito ideal de qualidade, que no seu entendimento não passaria apenas pela variável escolar, devendo ser ampliado para a noção de qualidade social. “E não haverá qualidade social na escola enquanto não houver qualidade social do viver para nossas infâncias e adolescências e na vida de adultos populares”, afirmou Arroyo.
O educador reivindicou que o corpo docente seja ouvido atentamente sobre os documentos propostos na BNCC – cuja segunda versão foi divulgada recentemente pelo Ministério da Educação (MEC) – sob pena de não se avançar para um conceito mais amplo de qualidade. Destacou, ainda, a importância da participação dos movimentos sociais nessa construção. “Não é possível construir uma outra educação sem que se tenha outro projeto de sociedade, que é o que está em disputa hoje”, frisou Arroyo.
Cenário atual – O momento atual também foi mencionado pelas deputadas estaduais Luciane Maria Carminatt (PT-SC) e Ana Lúcia Vieira Menezes (PT-SE). “Nessa discussão da base curricular queremos lamentar a ruptura democrática no País e mostrar preocupação com quem ficará e como ficará tudo aquilo que foi construído até agora”, afirmou a representante de Santa Catarina após fazer um histórico dos debates e marcos legais construídos para a área de educação nos últimos anos, como a própria LDB e o Sistema Nacional de Educação (SNE).
Por sua vez, a representante da Assembleia de Sergipe acrescentou que a discussão em torno de uma base curricular não deve servir para reforçar a competência ou a incompetência de alunos e docentes, mas sim para que se ouça a sociedade e se contribua com a construção do conhecimento dos atores como sujeitos do processo.
Também referindo-se ao cenário atual, mas na perspectiva dos recentes cortes em investimentos anunciados pelo governo federal, a diretora estadual do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-Ute), Mônica Maria de Souza, disse que “o maior golpe que se deu no País foi na educação, porque sem financiamento não se tem educação”.
Em sua fala, Mônica manifestou, ainda, o apoio da entidade à professora que teria sido insultada recentemente por pai de aluno em Belo Horizonte e a alunos secundaristas de São Paulo por seu movimento em defesa da educação. “O pai do aluno pediu que a professora voltasse para a senzala. Secundaristas estão sendo presos em São Paulo, onde uma aluna foi brutalmente assassinada na semana passada. E no meio, temos uma mídia que dá voz a fascistas e uma Justiça que não funciona”, protestou a diretora do Sind-UTE.
Diversidade - A representante da Secretaria de Estado da Educação (SEE), Gláucia Aparecida Vieira, destacou na abertura do evento a importância de que a BNCC venha contemplar a diversidade e pontuou que, também no seu entendimento, uma educação de qualidade não se resume a índices de avaliações sistêmicas. “Queremos uma educação que seja para todos e todas, que independentemente das diferenças valorize e respeite o outro”, pontuou.
Coordenadora de Política de Formação dos Profissionais em Educação da Secretaria, Gláucia anunciou que mais de 360 participantes, entre professores, pais, estudantes e movimentos sociais, são esperados no seminário estadual que será realizado nos dias 20 e 21 de junho sobre a segunda versão do BNCC divulgada pelo MEC. “Uma base não garante por si só a qualidade da educação, que depende de variáveis e envolve disputas de poderes, por isto o assunto é polêmico”, situou Gláucia, ao fazer um histórico da construção da BNCC em andamento no País.
Também para o presidente da Comissão de Educação da ALMG, deputado Paulo Lamac (Rede), a despeito de abordagens que divergem quanto à conveniência ou não de se ter no País uma base curricular mínima, essa é uma discussão já em andamento e deve ser pautada na escuta aos diversos segmentos sociais. Nesse sentido, ele ressaltou a preocupação da ALMG com uma BNCC que seja mínima, mas que contemple toda a sociedade em seus anseios. A presença de movimentos sociais no debate público, acrescentou ele, permitirá ter contribuições e análises também das escolas de campo, quilombolas e indígenas.
Durante a manhã, compuseram a mesa de abertura ainda os deputados Elmano de Freitas da Costa (PT-CE) e João Batista dos Santos (PT-MS) e o supervisor da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, Renato Barbosa; e, ainda, a diretora executiva da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Suely Duque Rodarte, e o comandante da Academia de Polícia Militar de Minas Gerais, coronel PM Eduardo César Reis.
Inclusão de disciplinas de formação da cidadania
Deputados de vários Estados destacaram a importância da inclusão, na base comum, de conteúdos transversais que tratem da formação dos alunos para temas ligados à cidadania. Neste sentido, o deputado Paulo Lamac compartilhou o resultado de um estudo, desenvolvido pela ALMG, que fez um levantamento das propostas de ação legislativa que pedem a inclusão de novas disciplinas no currículo escolar.
Os temas, segundo ele, são recorrentes em todo o País. Como exemplos, citou projetos sobre regras de trânsito; formação cidadã; ética, moral e cívica; noções de política; educação ambiental; direitos constitucional e do consumidor, entre outros. “Será que o Estado tem conseguido dar ao jovem a percepção da cidadania? A base trabalha com as disciplinas tradicionais, a formação do cidadão tem sido posta em segundo plano”, questionou.
O deputado Elmano de Freitas da Costa (PT-CE) defendeu que a educação está ligada à situação da sociedade. Em sua fala, afirmou que a base comum não terá unanimidade, tendo em vista a pluralidade do Brasil. O deputado João Batista dos Santos (PT-MS) questionou, também, como serão abordados os temas como igualdade racial e educação indígena e destacou a importância de a base comum levar em conta a questão da diversidade no Brasil.
Aprendizagem – O deputado Wilson Pereira dos Santos (PSDB-MT) ponderou que o debate sobre a base comum deve definir se o caminho é a socialização ou a escolarização. Em sua participação, chamou atenção para o fato de haver uma disputa de poder na definição da base nacional e defendeu a importância da aprendizagem no processo.
Sobre este tema, a deputada Luciane Carminatti (PT-SC) salientou que aprendizagem deve ser feita de forma completa e abrangente, sem fragmentação. Para ela, a escola tem que ensinar teoria e, principalmente, sua aplicação cotidiana. “Temos que juntar os saberes populares e tradicionais na sala de aula para gerar o real aprendizado”, concluiu.
O que é – A BNCC proposta pelo MEC aborda as áreas de Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas. Entre os principais eventos que já discutiram ou divulgaram a construção da BNCC no País estão seminários nacionais, reuniões regionais por áreas de conhecimento e o lançamento do Portal da Base Nacional Comum em 30 de julho de 2015.
A primeira versão da BNCC foi lançada em setembro do ano passado, com abertura de consulta pública à população, recebendo mais de 12 milhões de contribuições. A partir de 3 de maio último, o MEC entregou a segunda versão ao comitê gestor da proposta, que vai agora orientar seminários nos diversos estados para avaliação.