Participantes defenderam cobrança das menores tarifas possíveis e mecanismos que garantam à sociedade participação na formulação de políticas da área
Raphael Brandão (à esquerda) e Edson Monteiro explicaram os fatores que levaram ao aumento

Inflação seria principal causa de aumento na conta de água

Órgãos de defesa do consumidor consideram aumento de 13,9% abusivo e dizem que assunto não foi discutido com sociedade.

05/05/2016 - 16:50 - Atualizado em 05/05/2016 - 19:09

A inflação, alavancada pelo aumento no valor da energia, e a retração do mercado, com a queda na arrecadação da Copasa, foram algumas das causas apresentadas pela Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário do Estado de Minas Gerais (Arsae) para justificar o aumento de 13,9% no valor da conta de água, a ser incorporado já a partir deste mês de maio. O reajuste, acima dos índices inflacionários, é considerado excessivo por órgãos de defesa do consumidor, que criticam a falta de discussão prévia com a população. O assunto foi debatido nesta quinta-feira (5/5/16), em audiência realizada pela Comissão de Defesa do Consumidor e do Contribuinte da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

A aplicação dos princípios da modicidade tarifária e do controle social da tarifa foram defendidos pelos representantes dos órgãos de defesa do consumidor presentes na audiência, que repudiaram o índice de reajuste na conta de água. Esses conceitos estariam relacionados, respectivamente, à cobrança das menores tarifas possíveis, ou da acessibilidade ao valor da tarifa, bem como aos mecanismos que garantam à sociedade informações e participação nos processos de formulação de políticas, planejamento e avaliações relativas aos serviços de saneamento.

A assessora jurídica do Procon Estadual, Christiane Pedersoli, citou a Lei Federal 11.445, de 2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico e prevê que a regulação do serviço deve ter como um de seus objetivos a definição de tarifas que assegurem o equilíbrio econômico e financeiro dos contratos, bem como a modicidade tarifária. Ela considerou que o aumento proposto parece mesmo abusivo, por ser bastante acima dos índices inflacionários, e que o consumidor não pode ser penalizado, principalmente por ter economizado água em virtude da crise hídrica. Ainda segundo a assessora jurídica, são frequentes as reclamações ao Procon Estadual quanto a práticas abusivas na prestação dos chamados serviços essenciais.

Da mesma forma, o coordenador do Procon Assembleia, Marcelo Barbosa, defendeu que a composição do preço seja conhecida pelo consumidor. De acordo com Barbosa, um dos critérios que justificariam um aumento assim seria a geração de recursos para a realização de investimentos. “Não tenho ideia dos investimentos da Copasa. Tem que haver uma justificação legal e econômica”, disse. Também considerou que deveria haver uma convocação prévia da população, por parte da Arsae e da Copasa, para que os aumentos fossem discutidos.

O defensor público Lucas Diz Simões considerou que a elevação tarifária da energia, uma das supostas razões para o aumento na conta de água, decorre da escassez dos recursos hídricos, por sua vez gerada pela má gestão dos atores responsáveis pelo fornecimento de água. Ele também ponderou que, considerando-se o princípio da modicidade, uma eventual redução nos lucros da empresa não pode ser repassada para o consumidor.

Empresa lista fatores que explicam aumento

O coordenador técnico de Regulação e Fiscalização Econômico-Financeira da Arsae, Raphael Castanheira Brandão, explicou que 8,5% da composição do aumento de 13,9% no valor da conta de água advêm da inflação. O restante ficaria por conta dos cálculos de revisão tarifária feitos de cinco em cinco anos, nos quais entrariam outras questões como os chamados custos operacionais eficientes (que utilizam como parâmetro uma hipotética empresa-modelo) e variações de mercado, de forma a preservar o equilíbrio econômico-financeiro da concessão.

No que se refere à recomposição da perda de mercado, ele explicou que, como os usuários reduziram seu consumo em 2015, em função da crise hídrica, a receita da empresa também diminuiu. “Por conta dessa perda de mercado, compartilhamos o risco entre o usuário e a Copasa”, explicou, prática que estaria dentro da legalidade.

Associado a isso, outro fator que teria relação com o aumento da conta de água, segundo ele, seria o novo regime tarifário, por meio do qual o valor da conta é reduzido de acordo com o consumo consciente. Raphael Brandão explicou que, antes, as pessoas que consumiam entre zero e seis mil litros de água pagavam a mesma fatura. “Daí, eliminamos essa questão do consumo mínimo e instituímos a tarifação em tarifa fixa e variável. Nessa nova forma de fazer a cobrança, toda redução de consumo vai ser revertida em redução de fatura, coisa que não acontecia antes”, disse.

Um outro fator apontado pelo representante da Arsae, mas que não teria influência no percentual de reajuste, é a questão da reestruturação da tarifa social, relacionada à capacidade de pagamento do usuário e que tem potencializado o número de consumidores beneficiados com o desconto. Raphael Brandão ressaltou que, em 2012, eram contabilizadas 300 mil famílias com acesso a essa tarifa, número que hoje chega a cerca de 600 mil. Ele ponderou que o reajuste total, de 13,9%, poderia até ser maior, se não tivesse sido introduzido o elemento de custo operacional eficiente, que procura avaliar as melhores práticas de mercado para diminuir a tarifa.

Como determina a legislação federal, a agência teria realizado um processo de consulta pública, para qual foram convocados atores ligados ao setor, bem como a população, abrindo espaço para contribuições de acordo com os princípios da transparência e do controle social, conforme explicou o coordenador.

Dívidas - O diretor Financeiro e de Relações com Investidores da Copasa, Edson Machado Monteiro, ponderou que a companhia estava endividada quando foi assumida pela atual gestão, em 2015, com inúmeros compromissos não cumpridos com os 634 municípios concessionários. Ele informou que a Copasa ainda tem elevado grau de endividamento e, dos recursos de caixa gerados, cerca de 80% a 90% ainda são direcionados para pagar serviços da dívida.

O representante da Copasa relatou que a receita da empresa cresceu 4% no ano passado, enquanto as despesas, mais de 10%. “Não há receita que suporte um crescimento desproporcional”, lamentou. Essas condições, de acordo com Edson Monteiro, foram apresentadas à Arsae e, a elas, acumulou-se a defasagem tarifária dos últimos anos, já que as contas teriam ficado abaixo da inflação, o que também teria contribuído para agravar a situação da companhia.

“De 2009 a 2014, a defasagem de preço entre a tarifa da Copasa e o índice de inflação se aproxima de 15%”, explicou. Ele também lembrou que a crise financeira internacional coincidiu com a hídrica. Apesar do impacto nas contas da empresa, segundo ele, a redução de consumo de água foi da ordem de 8% em 2015, o que permitiu com que o período de estiagem fosse superado.

Deputados divergem quanto à necessidade do reajuste

O deputado Sargento Rodrigues (PDT), autor do requerimento para a audiência, fez críticas ao aumento nas contas da Copasa. “Não sabemos de onde vêm tantos reajustes, tantos impostos do Estado”, criticou. O parlamentou contou que, em 23 de março último, o jornal O Tempo publicou reportagem sobre esse reajuste, que seria de 10,18%. Curiosamente, em nova matéria, no dia 14 de abril, o mesmo veículo teria anunciado que o aumento seria, na realidade, de 13,9%.

Para Sargento Rodrigues, a justificatva apresentada então pela empresa seria baseada no aumento verificado nos custos operacionais, em especial na energia elétrica. “O consumidor fica entregue à própria sorte se não cobrarmos do governo. Estamos vendo algo absurdo, um aumento de quase 14% numa conta de água, quando imaginávamos que teríamos uma redução”, disse.

O deputado Elismar Prado (sem partido), presidente da comissão, lembrou que sempre denunciou a falta de estrutura da Arsae para acompanhar todos os processos do setor. “Estamos vivendo um momento de crise e os serviços essenciais comprometem muito o orçamento doméstico. Não podemos mais sacrificar a população”, considerou. Na mesma linha, Antônio Carlos Arantes (PSDB) também lamentou o aumento e disse que acompanha de perto a atuação da Arsae.

Já o deputado Durval Ângelo (PT) reforçou que, do total de 13,9% do reajuste proposto, 5,4% constituem a chamada revisão tarifária, de caráter excepcional, porque acontece a cada cinco anos, conforme números informados pelo representante da Copasa presente à audiência. O parlamentar relatou que a Copasa teria pedido à Arsae um reajuste ainda maior, que não foi acolhido pela agência. Durval Ângelo disse que o aumento médio deste ano nas tarifas de água no Brasil é de 19%, segundo informações do Conselho Monetário Nacional, o que significaria que a revisão de 13,9% ainda está abaixo da média nacional.

Por fim, Durval Ângelo criticou o processo de convocação da população para discutir o tema por meio da internet, por não considerá-lo um dos mais democráticos. Seu colega de partido, Cristiano Silveira, reconheceu que o percentual de aumento é elevado, mas necessário, na sua opinião, já que representa uma contingência pela qual a empresa passa atualmente.

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