De acordo com o secretário de Estado de Cultura, a intenção é corrigir distorções da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, que concentrou recursos no setor
Angelo Oswaldo avalia que o acesso de grupos culturais do interior de Minas ao fundo é mais fácil

Agentes culturais estão receosos com contexto político

Participantes de fórum sobre o Plano Estadual de Cultura, em Uberlândia, mostraram-se preocupados com impactos no setor.

26/04/2016 - 15:47 - Atualizado em 26/04/2016 - 18:07

As consequências de um possível impeachment da presidente da República, Dilma Rousseff, começam a preocupar autoridades e representantes do setor cultural em Minas. Durante o encontro do Fórum Técnico Plano Estadual de Cultura, realizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta terça-feira (26/4/16), em Uberlândia (Triângulo Mineiro), o vice-presidente do Conselho Estadual de Cultura, Rubem dos Reis, se disse preocupado com a possibilidade de extinção do Ministério da Cultura (MinC) em um eventual governo chefiado pelo atual vice-presidente da República, Michel Temer. O secretário municipal de Cultura de Uberlândia, Gilberto Neves, também mostrou preocupação com uma mudança de rumos.

De acordo com Rubem dos Reis, já se fala, no meio cultural, de que uma mudança no governo pode levar à substituição do MinC e também de outras pastas, como o Esporte, por um grande ministério de captação de recursos, via leis de incentivo. Essa ideia vai na contramão do que está proposto no Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura (ProCultura), projeto que tramita no Senado para substituir a Lei Rouanet (Lei Federal 8.313, de 1991, lei nacional de incentivo à cultura), assim como na proposta do Plano Estadual de Cultura, contido no Projeto de Lei (PL) 2.805/15, que tramita na ALMG.

De acordo com o secretário de Cultura de Uberlândia, Gilberto Neves, o vice-presidente Michel Temer tem sinalizado ser favorável a uma redução da atuação pública em diversos setores. Isso, em sua avaliação, poderá prejudicar a aprovação do ProCultura no Senado. “O projeto pode até ser aprovado, mas com um viés mais de mercado”, afirmou Neves. Ele defende, em vez disso, um fortalecimento dos fundos públicos de cultura, que hoje estão descapitalizados.

Em seu pronunciamento no fórum técnico, o secretário de Estado da Cultura, Angelo Oswaldo, afirmou que a intenção de Fernando Pimentel, em Minas, é justamente corrigir distorções da Lei Estadual de Incentivo à Cultura (Lei 12.733, de 1997, depois substituída pela Lei 17.615, de 2008), que provocou uma concentração de recursos que prejudica o setor cultural. Segundo ele, 80% dos recursos de impostos que o governo deixou de arrecadar para destinar à cultura, via lei de incentivo, em 2014 e 2015, foram destinados a projetos da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Além disso, apenas 20 grandes empresas foram responsáveis por quatro quintos do recurso aplicado por meio da lei de incentivo, nesse período.

Fortalecimento do fundo estadual

Angelo Oswaldo afirmou que o governo pretende fortalecer o Fundo Estadual de Cultura, por meio do plano. O acesso de grupos culturais do interior de Minas ao Fundo, na avaliação do secretário, é muito mais fácil do que a captação de recursos via lei de incentivo. “As grandes empresas têm interesse em eventos em que sua marca vai aparecer mais”, afirmou.

O secretário de Estado condenou exemplos como o de cervejarias que usam recursos da lei de incentivo para patrocinar festas carnavalescas, ou de grandes empresas que patrocinam edições de luxo de livros de imagens, que se tornam “peça de decoração para mesas de centro”. “Para esse tipo de coisa, as empresas deveriam usar sua verba de publicidade, não retirar recursos da cultura”, criticou. Segundo ele, o Executivo pretende combater essas práticas criando mecanismos que obriguem as empresas a contribuir para o Fundo de Cultura, que é aplicado de acordo com editais e critérios públicos.

Os três deputados que participaram do fórum em Uberlândia também defenderam uma regionalização dos recursos culturais. O presidente da Comissão de Cultura da ALMG, deputado Bosco (PTdoB), disse que a intenção do plano estadual é melhorar o quadro atual. “O que vemos hoje é que a maioria dos grupos culturais, principalmente no interior, vive com o pires na mão”, afirmou.

O deputado Professor Neivaldo (PT), que tem base eleitoral na cidade, citou inúmeras manifestações culturais do município que enfrentam dificuldades para se manter, tais como grupos de teatro, congado, folia de reis, catira e bandas musicais, entre outras. Já o deputado Wander Borges (PSB) defendeu a vinculação de receitas dos orçamentos públicos à cultura. “As pessoas precisam pensar mais no coletivo”, afirmou o parlamentar.

Secretário presta homenagem a Lina Bo Bardi

Durante a abertura do fórum, o secretário de Estado Angelo Oswaldo prestou uma homenagem ao município e à arquiteta modernista ítalo-brasileira Lina Bo Bardi. Ele doou um crucifixo para a Igreja do Espírito Santo do Cerrado, projetado em 1975 pela arquiteta e o único imóvel tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) em Uberlândia. O crucifixo foi recebido pelo artista plástico Edmar Almeida, que também prepara um projeto de ornamentação da igreja com obras em tecido.

O investimento na conservação do patrimônio cultural foi uma das prioridades defendidas pelo secretário municipal Gilberto Neves. Ele citou imóveis históricos da cidade que precisam ser recuperados, tais como a Estação Ferroviária Sobradinho, de 1896, e a Escola Estadual Enéas Guimarães, situada em um casarão de 1897. Outra prioridade do município, segundo Neves, é a recuperação do Teatro Grande Otelo, de 300 lugares, que está fechado há dez anos. Além disso, o secretário afirmou que é fundamental, não só para Uberlândia, mas para outros municípios do interior, o investimento na formação de agentes culturais e o fortalecimento do Fundo Estadual de Cultura, a fim de facilitar o acesso aos recursos.

Essas e outras propostas foram discutidas, à tarde, em três grupos de trabalho organizados para avaliar a proposta do Plano Estadual de Cultura. Os cerca de cem participantes analisaram os temas: Garantia de direitos culturais, Sistema Estadual de Cultura e Sistema de financiamento à cultura. Os inscritos puderam sugerir alterações nas propostas do Executivo e também apresentaram novas sugestões. Eles elegeram, ainda, 12 delegados para representar a região na etapa final do fórum, marcada para 8, 9 e 10 de junho, na ALMG. A Assembleia também organiza uma consulta pública, pela internet, sobre o Plano Estadual de Cultura.

No total, foram aprovadas em Uberlândia 16 propostas novas para o Plano Estadual de Cultura. Uma delas é a inclusão do município de Estrela do Sul (Triângulo Mineiro) na lista de cidades históricas de Minas. Fundada em 1854, a cidade é onde Dona Beja viveu seus últimos anos. Outra proposta é buscar o apoio dos deputados mineiros à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 150/03, que tramita na Câmara dos Deputados e estabelece a vinculação de receitas orçamentárias para a cultura. Uma outra sugestão nova é a criação de uma comissão para acompanhar a implantação do ensino de artes visuais, dança, música e teatro nas escolas estaduais, com contratação de professores com formação nessas áreas, atendendo 100% das unidades até o quinto ano de vigência do plano.