O controle exercido pela empresa na condução dos procedimentos posteriores ao desastre está entre as principais críticas apresentadas por moradores
Rosária Duarte disse que as comunidades desejam que as negociações continuem em Mariana
Rogério Correia criticou a ausência de representantes da Samarco na reunião

Atingidos pela tragédia em Mariana criticam ações da Samarco

Moradores relatam dificuldades e criticam controle da empresa para definir ações reparatórias.

25/01/2016 - 16:11 - Atualizado em 26/01/2016 - 10:30

“No dia dos fatos, foi como se a vida dos moradores de Paracatu de Baixo parasse e ela continua parada até agora”, disse Rosária Ferreira Duarte, moradora do distrito que pertence a Mariana (Região Central do Estado). Rosária é uma das pessoas atingidas pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco, em novembro de 2015, e que esteve presente nesta segunda-feira (25/1/15) em audiência promovida pela Comissão Extraordinária das Barragens da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

O controle exercido pela empresa na condução dos procedimentos subsequentes ao desastre, incluindo a definição de quem seria ou não considerado atingido pela tragédia e, portanto, detentor de direitos reparatórios por parte da empresa, está entre as principais críticas apresentadas por moradores das regiões afetadas.

Na avaliação de Rosária, as famílias, acostumadas a viver na roça, da lavoura, encontram-se agora em casas alugadas, perdendo a sua própria identidade. “Queremos que sejam resgatadas primeiro as comunidades perdidas no acidente, para que as pessoas não percam suas histórias no meio do caminho”, considerou.

Ela também destacou que, embora existam negociações com a Samarco, elas não estão ocorrendo de forma satisfatória. Segundo ela, a empresa entende que o processo social deveria ser tratado em esfera federal e, em virtude disso, não estaria facilitando as negociações. Entretanto, de acordo com Rosária, as comunidades atingidas desejam que as negociações continuem na comarca de Mariana, para que possam participar. “Paracatu de Baixo foi riscada do mapa e queremos que ela seja colocada no mapa de novo”, disse.

Representante de comunidades menores pertencentes a Mariana e que foram atingidas pelo rompimento da barragem, Mauro Lúcio Santos Paes Pinto, defendeu que o processo social da tragédia seja mantido em Mariana. Ele pediu o apoio da comissão para isso, questionando como seria possível que as comunidades acompanhassem o processo, caso ele fosse transferido para o âmbito federal.

Críticas ao controle da empresa na condução dos fatos

Na avaliação de Sérgio do Carmo, morador de Barra Longa, a Samarco não tem dado o devido valor às pessoas, que, segundo ele, estão sendo tratadas como números. Além disso, ele lembrou que a Samarco é que vem “dando as cartas”, na medida em que domina o andamento de todo o processo. Além disso, nas palavras de Sérgio do Carmo, os habitantes da cidade estão vivendo dentro de um canteiro de obras. Segundo ele, as pessoas estão convivendo com o barro e com caminhões e máquinas pesadas, além de ruas cheias de buracos e esgoto a céu aberto.

Para o dirigente Estadual do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) de Barra Longa, Thiago Alves da Silva, a Samarco tem feito um esforço para dominar todo o processo posterior à tragédia e afasta qualquer organização que tente dar informações aos atingidos. Na sua avaliação, o direito de autonomia das populações atingidas é um direito fundamental, que está sendo violado.

Agregado a esse controle exercido pela empresa, Silva questionou o fato de a própria empresa estabelecer parâmetros para determinar quem pode ou não ser considerado como atingido. Segundo ele, somente em Barra Longa existem 230 famílias cadastradas como atingidas pela empresa, das quais apenas 140 possuem o cartão de subsistência (que paga um salário-mínimo à família atingida e mais 20% por dependente). Além dessas, 50 outras famílias reclamariam que não foram cadastradas pela mineradora.

O dirigente ainda mencionou que, além do caos gerado pela situação no momento em que a cidade foi atingida pela lama, 12 horas após o rompimento da barragem, há também o que ele classificou como caos continuado, gerado pela tentativa de resolver a situação de forma desorganizada. Ele exemplificou isso através de imagens feitas na semana passada e apresentadas durante a reunião, que ainda mostram ruas tomadas pela lama.

Moradora de Paracatu de Cima, Maria do Carmo Silva D'Angelo ratificou que a Samarco tem criado critérios para definir quem tem ou não direito de receber a verba de subsistência mensal paga pela empresa. Segundo ela, a mineradora entende que as famílias que não aceitaram sair de suas casas e ir para hotéis não têm direito a esse recurso.

O controle da empresa sobre todos as ações que permeiam a tragédia de Mariana também foi criticado pelo representante da Coordenação Nacional do MAB, Joceli Andreoli. Na sua avaliação, uma das primeiras intervenções da comissão da ALMG deveria ser para que a empresa responsável pelo desastre não possa dominar todos os processos, como vem ocorrendo. Ele defendeu como urgente a instituição de uma lei que garanta um conceito adequado do que são os atingidos, bem como dos direitos dessas populações, e criticou o fato da empresa menosprezar os agricultores menores. 

Contraponto - José do Nascimento Jesus, do distrito de Bento Rodrigues, considerou que as famílias atingidas já se encontram em casas alugadas, tiveram um adiantamento da indenização, além de já estarem recebendo um salário-mínimo como auxílio. Ele acredita que, apesar de considerar que a empresa está cumprindo com o que foi assumido, há uma ansiedade de reconstruir um novo distrito de Bento Rodrigues, com as mesmas características, mas em outra localidade.

Poder público - A presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Beatriz Cerqueira, avaliou que o que aconteceu em Mariana não foi um acidente, mas um crime, uma vez que não se tomaram as medidas necessárias para evitar o rompimento da barragem. Ela também criticou a violação dos direitos dos atingidos, bem como a falta de respostas efetivas por parte do Estado e da mineradora. Para ela, a Samarco impõe as suas condições em virtude do poder econômico que exerce, bem como pela fragilidade das pessoas envolvidas e pela omissão do Estado.

O defensor público Vladmir de Souza Rodrigues parabenizou os atingidos pela tragédia pelo seu protagonismo na condução dos fatos, mas falou sobre sua preocupação com relação ao acordo nacional que está sendo proposto. Segundo ele, se o acordo for mal feito e excluir algum direito relevante, será difícil cobrar responsabilidades da empresa, porque ela já vai ter garantida a autorização e a licença para as suas atividades. O defensor lamentou a ausência de um representante da mineradora.

Produtores de leite e pescadores relatam prejuízos

Morador de Paracatu de Cima, Marino D'Angelo disse que a atividade leiteira, que é a principal atividade econômica da região, foi afetada pelo rompimento da barragem da Samarco, já que a lama atingiu 42 famílias das 92 pertencentes a uma Associação de Produtores de Leite, da qual D'Angelo é representante. Segundo ele, embora a Samarco tenha se comprometido a repassar uma verba para pagamento dos produtores associados, até hoje os valores não foram repassados. O valor que deveria ser pago em dezembro seria referente ao mês de novembro.

Ele também questionou o movimento existente em Mariana, em prol da Samarco, sob a justificativa de que se a empresa encerrasse a atividade, a cidade acabaria. “Mas a Samarco fechou a minha porta e a de muitas famílias e isso tem que ser levado em consideração”, disse.

O promotor de justiça de Mariana, Guilherme de Sá Meneghin, cobrou providências com relação à situação dos produtores de leite. “Temos vários produtores de leite sem renda e sem sequer o pagamento de uma verba mensal como esta acontecendo com os ouros atingidos”, disse. Ele também considerou que o rompimento da barragem representa uma tragédia no âmbito da exclusão e da desinformação, como também na violação de direitos humanos.

A situação dos pescadores atingidos pela tragédia também foi abordada na reunião. O presidente da Associação dos pescadores de Conselheiro Pena e região, Lélis Barreiros, reclamou do atraso na entrega dos cartões de subsistência, e denunciou que, em janeiro, a quantia recebida pelos pescadores foi menor do que aquela prometida. O presidente da entidade, que conta com 110 associados, ainda disse que 39 pescadores não estão recebendo o auxílio do cartão. Ele também mencionou a sua preocupação com o futuro da categoria depois que o recurso de um salário-mínimo não for mais disponibilizado pela empresa, especialmente porque o rio está sem peixes.

A superintendente Federal de Pesca e Aquicultura em Minas Gerias, Vanessa de Oliveira Gaudereto, disse que um levantamento feito apontou que 740 pescadores ativos em 36 municípios de Minas Gerais foram afetados pelo desastre, além de mais de três mil no Espírito Santo. Ela mencionou que as maiores preocupações desses pescadores são com relação ao recebimento dos recursos repassados pelo cartão de subsistência e até quando eles vão ocorrer, bem como quanto ao prazo necessário para que existam novamente condições adequadas para a pesca.

Requerimentos - O deputado Rogério Correia (PT) também repudiou a ausência de representante da Samarco na reunião e destacou a força econômica e social das mineradoras no Estado.

O parlamentar ressaltou que serão apresentados diversos requerimentos pertinentes à audiência: para a realização de visita à Superintendência de Pesca e Aquicultura para debater ações destinadas ao setor por causa do rompimento da barragem da Samarco; para pedido de informações à empresa sobre os critérios para definição sobre quem são os atingidos e ao Ministério Público Estadual sobre avaliação do impacto socioeconômico do rompimento da barragem com objetivo de subsidiar relatório da comissão; para pedido de providências à Samarco sobre ações destinadas aos produtores de leite afetados e ao governo para a nomeação de novos defensores públicos para a comarca de Mariana.

Consulte o resultado da reunião.