Apesar da predominância feminina no âmbito social, no meio político as mulheres ainda são minoria
Para Cristina Buarque, a atual conjuntura do Parlamento é mais conservadora do que no início da ditadura militar
A delegada Luciana Libório (à esquerda) disse que os dados apontam para um aumento da violência doméstica

Mulheres não conseguem se consolidar nos espaços de poder

Debate promovido pela Unale, em parceria com a ALMG, abordou também violência doméstica contra a mulher.

27/11/2015 - 14:24

As mulheres representam 52% da população e do eleitorado brasileiro. Ocupam 41% dos postos de trabalho e são responsáveis pela manutenção de 38% dos lares. Apesar dessa predominância feminina no âmbito social, no meio político as mulheres ainda são minoria: ocupam 14,8% e 9% das vagas do Senado e da Câmara Federal, respectivamente, 11,4% dos cargos de deputadas estaduais e apenas uma é governadora.

Essa realidade foi classificada como uma aberração pela cientista política Cristina Buarque, que apresentou os dados durante o Seminário da Secretaria de Mulheres da União Nacional dos Legisladores e Legislativos Estaduais (Unale), realizado nesta sexta-feira (27/11/15) na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Para Cristina, os dados mostram que a mulher não chegou a um nível de participação política capaz de influenciar um espaço de poder. “Com menos de 15%, é difícil um grupo influenciar um espaço”, afirmou. De acordo com ela, a atual conjuntura do Parlamento mostra-se mais conservadora do que em 1964, início da ditadura militar.

Para a cientista política, essa baixa inserção feminina no espaço político enfrenta entraves de ordem social e política. A naturalização de que o espaço público é predominantemente masculino, restringindo a mulher ao espaço privado, seria um desses dificultadores. Segundo a cientista política, há uma ideia de que, ao se inserir no meio político, a mulher está invadindo o espaço do homem.

Além disso, de acordo com Cristina, a mulher é sempre relacionada a uma perspectiva doméstica e materna, não sendo vista como uma referência de força e inteligência. Um indicativo disso seria o fato de que, ao ocupar um espaço no Parlamento, a mulher é geralmente inserida em comissões ligadas à área social e não a áreas tradicionalmente masculinas, como por exemplo a econômica e financeira.

A ausência da política feminista no apoio às candidaturas femininas, bem como a falta de garantia de recursos e de espaço televisivo para as mulheres por parte dos partidos, também foram apontados como entraves.

A cientista política ainda considerou como um problema a junção que se faz dos conceitos de religião e política. De acordo com ela, perpetua-se uma ideia de que as religiões podem ser melhores do que a política para conduzir o bem publico. “Não podemos nos enganar com isso. Religiões têm um espaço na vida e elas não podem ocupar o espaço da política. Ela já ocupou e não deu certo”, disse.

Para a Cristina Buarque, os reflexos do desempoderamento feminino não se restringem apenas ao meio político, mas também a questões sociais, como a violência doméstica. “O agressor agride porque tem poder social para isso e não porque é louco. Isso é uma questão de poder”, disse. Ainda na avaliação de Cristina, a coletividade dos homens ainda não se interessa em desconstruir essa relação de poder.

Delegada apresenta dados sobre violência doméstica 

Dados do mapa da violência nacional de 2015 mostram que 50,3% dos homicídios praticados contra as mulheres são cometidos por familiares. Desse total, 33,2% são cometidos por maridos ou ex companheiros. Roraima e Espírito Santo são os dois Estados que lideram esse ranking, no qual Minas Gerais ocupa a 22ª posição. Os dados foram apresentados pela delegada Luciana Libório, da Delegacia Especializada do Combate à Violência Sexual.

Ainda de acordo com a delegada, dados da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) mostram que somente em Minas Gerais, a cada mês, são assassinadas 47 mulheres em atos de violência doméstica, prática que vitima especialmente mulheres de cor parda e negra, com baixa escolaridade.

Na avaliação da delegada, a medida em que se aborda o assunto com a sociedade, os dados apontam para um aumento da incidência do crime da violência doméstica. Apesar disso, ela acredita que esse aumento estatístico não advém do real crescimento da violência doméstica, mas sim do aumento da procura aos órgãos que acolhem esse tipo de denúncia. “Quando trazemos à tona a discussão da violência doméstica, percebemos que essas mulheres se sentem investidas de uma legitimidade e de poder para fazer valer os seus direitos. Por isso é importante que esse assunto seja debatido”, disse.

Para romper esse ciclo de violência à qual as vítimas de violência doméstica estão submetidas, a delegada defendeu a necessidade de uma equipe especializada para fazer o acolhimento adequado a essa pessoa.

Nesse sentido, um avanço apontado por Luciana foi a promulgação, em 2015, da lei do feminicídio, homicídio praticado contra a mulher no contexto da violência doméstica familiar ou advindo de um preconceito sofrido pela própria condição de ser mulher. A norma, classificada por ela como mais rígida e efetiva, tipifica o crime como hediondo, ao qual não caberia o pagamento de fiança ou a aplicação de outros benefícios.

O debate foi comandado pela deputada Celise Laviola (PMDB), presidente da Secretaria de Mulheres da Unale, que disse que a discussão foi rica e trouxe o entendimento de que a mulher precisa conquistar o seu espaço através da coragem. O seminário contou com a presença de parlamentares do Pará, Sergipe, Espírito Santo e Paraíba.

A presidente da Comissão Extraordinária das Mulheres, Rosângela Reis (Pros), falou sobre a importância de um momento de integração entre os legislativos do País, discutindo a temática da violência contra a mulher e a participação feminina na política. Ela lembrou que, neste ano, a ALMG realizou um seminário sobre a participação das mulheres na política e percorreu o interior do Estado, num intuito de mobilizar a discussão sobre os problemas encontrados para a inserção política das mulheres. A deputada pontuou que o que se observa é uma estagnação, senão uma redução em determinadas épocas da participação feminina na política.

O deputado do Espírito Santo, Sandro Locutor, atual presidente da Unale, se disse honrado de presidir a entidade, que, segundo ele, se esforça em encampar as políticas públicas para as mulheres, incluindo o público feminino em uma participação política mais efetiva. "Precisamos não só discutir. O Estado, os entes federativos, têm que ter seu aparelhamento melhorado, para dar atenção à mulher, na forma que isso se faz necessário”, disse.