Comissão debateu o impacto das propagandas de cervejas e outras bebidas alcoólicas para crianças e adolescentes, e a proposta de alteração de norma federal sobre o tema
Segundo Frederico Duarte, indicadores apontam que adolescentes têm bebido quase como os adultos
Deputados acreditam que restringir o acesso a drogas e revisar a propaganda podem diminuir o consumo

Lideranças pedem revisão de lei sobre propaganda de bebidas

Comissão de Prevenção e Combate ao Uso de Crack e Outras Drogas adere à campanha Cerveja Também é Álcool.

17/11/2015 - 20:00

A necessidade de alterar a Lei Federal 9.294, de 1996, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de bebidas alcoólicas, entre outros, foi defendida em audiência pública da Comissão de Prevenção e Combate ao Uso de Crack e Outras Drogas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Realizada nesta terça-feira (17/11/15), a requerimento do deputado Antônio Jorge (PPS), que preside a comissão, a reunião também teve como objetivo discutir o impacto de comerciais sobre cerveja e outras bebidas alcoólicas entre as crianças e adolescentes.

O parágrafo único do artigo 1º da Lei 9.294 diz que: “consideram-se bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas potáveis com teor alcoólico superior a treze graus Gay Lussac”. Por causa da graduação alcoólica inferior, a lei acabou desconsiderando a cerveja e as ices. Dessa forma, essas bebidas não são afetadas pelas restrições de propaganda como as outras.

De acordo com o coordenador do Centro Regional de Referência em Drogas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Frederico Duarte Garcia, estudos nacionais apontam o aumento do consumo de bebidas alcoólicas entre adolescentes de 15 a 18 anos. Ele citou que, em 2003, os números apontavam que 48,3% dos jovens pesquisados já tinham experimentado a droga; em 2005, o número passou para 54,3%; e, em 2009, para 71,4%. “Qualquer droga no cérebro de um adolescente vai fazer estrago, pois a pessoa está em formação, várias conexões estão sendo formadas”, enfatizou.

Frederico Duarte destacou que os indicadores mostram que adolescentes têm bebido quase na mesma proporção do que os adultos, o que ocorre, em sua opinião, pela permissividade das famílias. Ele também ressaltou que o consumo de álcool decorre de uma demanda forçada e não espontânea. “Para arroz e feijão não é preciso fazer tanta propaganda. As pessoas consomem e sabem que eles fazem bem”, enfatizou. Segundo o coordenador, os efeitos disso são nefastos para a saúde desses jovens.

Já o promotor de justiça da 9ª Promotoria de Justiça de São Bernardo do Campo (SP), Jairo Edward de Luca, enfatizou que restringir propaganda de bebida alcoólica é um mandamento constitucional. De acordo com ele, a Lei 9.294, de 1996, teve o objetivo de regulamentar a questão, mas, antes de ser aprovada, foi feita pressão para que bebidas como a cerveja fossem excluídas da determinação.

Jairo Edward destacou a campanha Cerveja Também é Álcool, uma iniciativa do Ministério Público de São Paulo, que pretende que a cerveja seja tratada como bebida alcoólica pela lei e esteja sujeita a restrições. Para isso, segundo ele, foi criado em 2013 um abaixo-assinado para reunir assinaturas que viabilizem a apresentação de um projeto de lei de iniciativa popular. O abaixo-assinado precisa reunir 1,5 milhão de assinaturas. A campanha, segundo o promotor, pretende que haja a mudança na legislação citada da expressão “superior a treze graus Gay Lussac” para “superior a 0,5 grau”.

Durante a reunião, foi aprovado requerimento do deputado Antônio Jorge para a adesão da Comissão de Prevenção e Combate ao Uso de Crack e Outras Drogas à campanha Cerveja Também é Álcool.

Convidados apoiam campanha Cerveja Também é Álcool

De acordo com o presidente da Associação Médica de Minas Gerais, Lincoln Lopes Ferreira, a campanha pela alteração da legislação é relevante. Cirurgião, ele salientou que, em 17 anos de trabalho no Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, na Capital, pôde verificar a grande influência do álcool nas ocorrências de trauma.

O presidente da Associação Mineira de Psiquiatria, Maurício Leão, enfatizou que o consumo de bebidas alcoólicas é induzido por propagandas. “A maior parte das mazelas decorrentes do álcool recai na área da psiquiatria. Então, é importante uma movimentação no sentido de inibir o uso precoce desse tipo de bebida”.

Segundo o presidente do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de Minas Gerais, José Maurício Lima Rezende, a lei em vigor não considera o que é bom para a população. “É importante evitar as propagandas em horários nobres para que o número de jovens que consomem bebidas alcoólicas se reduza”, afirmou. Ele destacou a necessidade de campanhas educativas para orientar sobre o assunto.

A secretária de Políticas Sociais de Belo Horizonte, Luzia Ferreira, disse que é gritante a constatação de que os jovens começam a fazer uso do álcool cada vez mais cedo. Para ela, a redução da publicidade do tabaco contribuiu muito para a diminuição do seu uso. Segundo a secretária, esse é um exemplo de que a restrição das propagandas de bebidas alcoólicas também pode trazer o mesmo resultado.

O coordenador de Combate e Repressão ao Tráfico Ilícito de Entorpecentes do Ministério Público de Minas Gerais, promotor Jorge Tobias de Souza, disse que vincular bebida ao divertimento é perigoso. Ele salientou que é preciso que as famílias fiquem atentas a isso e passem outros valores a seus filhos.

Já a presidente do Conselho Municipal de Políticas Sobre Drogas de Belo Horizonte, Soraya Romina Santos, disse que a lei em vigor prejudica crianças e adolescentes. “Os colegiados, associações de pais, escolas devem ser envolvidas na campanha”, acrescentou. Para o presidente do Conselho Estadual de Políticas Sobre Drogas, Aloísio Andrade, é preciso dar encaminhamento à campanha. Diversos outros convidados também manifestaram apoio à campanha “Cerveja também é álcool”.

Pano de fundo - A assessora técnica do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, Alessandra Schneider, destacou que o abuso do álcool traz muitas doenças, além de ser o pano de fundo de grande parte dos acidentes de trânsito e de casos da violência doméstica.

Para o vice-corregedor do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, Ricardo Hernane Lacerda Gonçalves de Oliveira, entre a população com menos de 30 anos, a violência é o que mais causa a morte. “O consumo de drogas está muio associado a isso”, disse. Hernane salientou também que um grande dificultador é o fato de o álcool estar enraizado na cultura do País.

Deputados destacam preocupação com uso de álcool por adolescentes

De acordo com o deputado Antônio Jorge, a comissão se preocupa com o uso de drogas lícitas como o álcool entre os adolescentes. “Existe o aumento expressivo do uso de álcool pelos jovens e isso ocorre cada vez mais cedo entre eles”, disse. Ele falou que a restrição do acesso a essas drogas e a revisão da propaganda sobre bebidas são pilares para a diminuição do consumo.

O parlamentar também defendeu a mudança na lei federal. De acordo com ele, a preocupação não é motivada somente pela possibilidade de as propagandas de cervejas serem exibidas em qualquer horário, mas sobretudo pela questão simbólica dos comerciais que atrelam o consumo a práticas esportivas e à sexualidade, o que é proibido em relação às demais bebidas.

Para o deputado Léo Portela (PR), o interesse econômico tem prevalecido nesse contexto. “Foi feito um lobby poderoso de empresas de bebidas alcoólicas, que fez com que a lei excluísse a cerveja”, falou. Ele disse que é preciso não só que essa lei seja alterada, mas também que as campanhas eleitorais não possam ser financiadas por empresas privadas.

Já a deputada Ione Pinheiro (DEM) ressaltou que se preocupa com o consumo de bebidas alcoólicas pelos jovens e enfatizou que deve haver uma campanha educativa nas escolas em relação a isso. Ela criticou a Lei 21.737, de 2015, que possibilita o consumo de álcool nos estádios do Estado até o fim do intervalo do jogo.

Consulte o resultado da reunião.