Representantes da comunidade de Bento Rodrigues explicaram como foi o acidente ocorrido no local, no último 5 de novembro
Parlamentares e outras autoridades falaram sobre as próximas ações que serão realizadas em prol das vítimas e para evitar outras tragédias

Em dez minutos, lama atingiu Bento Rodrigues, diz moradora

Participantes de audiência da Comissão das Barragens criticaram ausências de plano de segurança e de alerta sonoro.

17/11/2015 - 16:30 - Atualizado em 17/11/2015 - 17:01

Relatos de representantes da comunidade de Bento Rodrigues, em Mariana (Região Central do Estado), marcaram a primeira audiência pública, nesta terça-feira (17/11/15), da Comissão Extraordinária das Barragens da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Eles explicaram como foi o acidente ocorrido no local, no último 5 de novembro, com o rompimento da barragem de rejeitos minerários da empresa Samarco, e de como os atingidos por esse acidente estão vivendo atualmente.

Entre as denúncias apresentadas por eles e por representante do Ministério Público está a de que não havia um plano de segurança previsto pela empresa, com aviso sonoro e participação dos moradores. A reunião contou ainda com a presença de deputados estaduais e federais e representantes dos Governos do Estado e Federal.

Moradora de Bento Rodrigues, Rosilene Gonçalves da Silva disse que ninguém na comunidade foi avisado pela Samarco sobre o acidente e foram os próprios moradores que alertaram uns aos outros. A partir do primeiro alerta, ela informou que foram apenas dez minutos até que a lama atingisse o povoado. “Se tivesse ocorrido à noite, todos teriam morrido”, constatou. “A barragem não destruiu só a comunidade, mas a cabeça e o coração de cada pessoa”, completou. Ela ainda cobrou uma resposta para resolver a situação da população atingida.

Coordenador regional de Meio Ambiente do Ministério Público, o promotor de Justiça Felipe Faria de Oliveira disse que o principal foco neste momento é apurar as causas do acidente e averiguar a necessidade de intervenções para evitar o rompimento das barragens remanescentes. Ele confirmou a inexistência de alerta para a comunidade, assim como planos emergenciais com o envolvimento das comunidades impactadas.

Felipe Faria de Oliveira também reforçou a necessidade de estruturação de órgãos ambientais para evitar danos como o ocorrido em Mariana. Informou ainda que o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado entre os Ministérios Públicos estadual e federal e a Samarco, no valor de R$ 1 bilhão, é um “acautelamento provisório, preliminar, para ações emergenciais”.

A representante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Soniamara Maranho, ressaltou que as multas são simbólicas, já que envolve as maiores mineradoras do mundo em um dos piores casos de tragédias ambientais do planeta. Ela afirmou que o movimento não ficará em silêncio e lutará por todos aqueles que morreram na tragédia em Mariana. “Essas pessoas foram atingidas na construção da obra, durante e agora, com a destruição”, disse Soniamara.

Participantes defendem negociação coletiva

Soniamara Maranho entregou aos parlamentares estaduais e federais presentes na reunião uma pauta emergencial, já entregue à presidente Dilma Rousseff e ao governador Fernando Pimentel. Ela pede que toda negociação seja feita de forma coletiva, que não sejam isolados os casos para não desmobilizar os direitos das famílias atingidas. Entre as reivindicações, está a construção de uma nova Bento Rodrigues e demais comunidades afetadas. “Estamos cobrando do governo uma postura política do lado dos atingidos; que não foi o que pareceu no primeiro momento”, cobrou Soniamara.

O padre Geraldo Martins Dias, representando a Arquidiocese de Mariana, também pediu a reconstrução da vila, considerando a importância das relações humanas e familiares. Ainda reforçou que as negociações não sejam fragmentadas porque enfraquece as vítimas e pode favorecer os responsáveis pela tragédia. “Peço que nossos debates não se tornem retóricos, mas que venham ações concretas para ajudar essas pessoas. Que possamos fazer um pacto pela vida”, disse. “Os protagonistas nessa história são os atingidos e eles devem ser ouvidos”, completou padre Geraldo.

O desembargador José Afrânio Vilela, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, afirmou que o sistema de conciliação do Poder Judiciário está à disposição para promover a negociação prévia, de forma coletiva e equilibrada. Em sua opinião, dessa forma, a sociedade atingida pode mostrar as perdas e as necessidades em sua recuperação.

A defensora pública da Coordenadoria de Direitos Humanos, Cleide Aparecida Nepomuceno, também reforçou que a Samarco deve indicar áreas para reconstruir as comunidades de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Paracatu de Cima, atingidas pelo desastre ambiental. Ainda disse que a reparação civil que cada família tem direito não deve ser feita de forma fragmentada, mas de maneira coletiva.

Revisão da legislação

O presidente e relator da Comissão Externa do Rompimento da Barragem de Mariana na Câmara dos Deputados, deputado Sarney Filho (PV-MA), disse que os parlamentares federais estiveram na última segunda (16) e nesta terça (17) em Mariana para colher elementos para o trabalho. Segundo ele, a comissão vai se debruçar sobre duas vertentes. A primeira é a emergencial, em função da reparação material, dos danos causados às famílias; e a segunda vertente é da responsabilização dos culpados. No entanto, afirmou que foi preciso uma tragédia dessa dimensão para alertar que a legislação precisa ser revista.

O subsecretário de Estado de Gestão e Regularização Ambiente Integrada, Geraldo Vitor de Abreu, também acredita que essa catástrofe vai fazer rever as normas no sentido de ter instrumentos mais rígidos para a atividade minerária em Minas Gerais. Disse que, logo após a tragédia, o Estado estava na cidade criando condições para reduzir os impactos dos atingidos. “O Estado esteve presente e estará, e não deixará a população atingida refém do tempo”, garantiu.

O coordenador da bancada mineira em Brasília, deputado federal Fábio Ramalho (PV-MG), ressaltou que os 53 deputados federais e três senadores mineiros estão unidos em função da tragédia ocorrida em Mariana. Disse ainda a importância de recuperar o Rio Doce e seus afluentes.

Para o deputado Leonardo Monteiro (PT-MG), o Rio Doce está em uma situação crítica e difícil. “A água, que já estava baixa, agora é um amontoado de pedras e lamas”, disse. Já o deputado Mário Heringer (PDT-MG) disse que recuperar a dignidade das pessoas envolvidas se tornou urgente.

O deputado federal Laudívio Carvalho (PMDB-MG) lembrou que o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) tem apenas 12 técnicos para fiscalizar as barragens e por isso o ocorrido em Mariana não foi um desastre, mas uma tragédia anunciada.

Deputados estaduais se solidarizam com atingidos

O presidente da Comissão Extraordinária das Barragens da ALMG, deputado Agostinho Patrus Filho (PV), reforçou a necessidade de se pensar primeiro nas pessoas, no aspecto humano em torno dessa tragédia. Ele acredita que o trabalho da comissão, em conjunto com o da Câmara dos Deputados, mostrará o caos gerado e um novo caminho para a mineração do Brasil.

O deputado Rogério Correia (PT) lembrou que o problema da mineração em Minas é antigo. Lembrou de proposições de lei que tramitaram na ALMG e não chegaram a ser aprovadas como uma tentativa de estabelecer mais segurança na mineração, por exemplo. “Pela pressão das mineradoras e sob a chantagem de que a mineração é o braço econômico do Estado, os problemas foram ficando”, criticou.

Já o deputado Noraldino Júnior (PSC) ressaltou que participa de uma equipe de voluntários na cidade de Mariana que prioriza a busca de animais. “São centenas de animais morrendo por falta de resgate”, disse o parlamentar, que já resgatou cerca de 300 animais.

O deputado Iran Barbosa (PMDB) disse que seria irresponsabilidade dizer que o acidente “pegou as pessoas de surpresa”. Segundo ele, somente na Comissão Extraordinária das Águas recebeu denúncias de quase 70 barragens instáveis em Minas Gerais. “Isso significa que há iminência de novos acidentes. Temos que requerer, na Secretaria de Meio Ambiente, a revisão de todas as barragens atualmente licenciadas”, ponderou.

Os deputados Bonifácio Mourão (PSDB) e Celise Laviola (PMDB) abordaram as consequências do acidente em Mariana ao longo da Bacia do Rio Doce. Bonifácio Mourão ponderou que o foco da audiência foi as origens do acidente, enquanto toda a área ao longo do Rio Doce tem sofrido com as consequências da lama. Cobrou ainda a votação em Brasília do novo Marco Regulatório da Mineração. Já Celise Laviola disse que a população está de luto pela morte do Rio Doce e criticou a ausência de representantes da empresa na audiência para dar explicações.

O deputado Gustavo Corrêa (DEM) disse ser inadmissível que existam apenas quatro fiscais para cuidar de todas as mais de 700 barragens do Estado. Para ele, o Estado não deve alocar recursos agora e, sim, a empresa responsável, e que o R$ 1 bilhão anunciado no TAC servirá apenas para investir emergencialmente na situação dos moradores e do meio ambiente.

Presente na reunião, o deputado Celinho do Sinttrocel (PCdoB) reforçou a necessidade de novos debates, em especial sobre a relação das comunidades com a empresa e sobre as demissões com a paralisação das atividades nas mineradoras.

O deputado Carlos Pimenta (PDT) criticou a continuidade da tramitação do Projeto de Lei (PL) 2.946/15, que trata do Sistema Estadual do Meio Ambiente (Sisema). Para ele, dizer que Minas Gerais tem uma das legislações ambientais mais rígidas do Brasil é um absurdo. Em sua opinião, a Assembleia deve debater a legislação, que é o seu papel.

Para o deputado Alencar da Silveira Jr. (PDT) não houve trabalho preventivo da empresa. Ele também disse que outros acidentes do tipo já aconteceram e nada foi feito para evitar novos. Questionou ainda o motivo pelo qual o DNPM confia nos laudos da Samarco.

O deputado Felipe Attiê (PP) afirmou que a Vale do Rio Doce é uma empresa da qual o Governo Federal é o proprietário. Afirmou que o Governo do Estado arrecadou, em um ano, R$ 260 milhões com a taxa de mineração e mesmo assim não foi feita a fiscalização das barragens. “Espero que essa comissão resolva. É muita conversa e pouca ação”, lamentou Felipe Attiê.

Para o deputado Dilzon Melo (PTB), todos nós somos devedores, inclusive os deputados, que não fiscalizaram. Ele acredita que a Samarco é responsável, mas o Estado também é, assim como a Assembleia, pois não cobraram medidas para que isso não ocorra. “Que todas essas pseudo-multas sejam revertidas para os atingidos”, pediu.

Requerimentos aprovados - Durante a reunião desta terça-feira (17), a comissão aprovou ainda os seguintes requerimentos:

  • Do deputado Thiago Cota (PPS), de audiência pública em Mariana sobre as causas e os impactos do rompimento das barragens nos distritos da cidade e as providências que podem ser tomadas para amenizar o sofrimento das pessoas diretamente atingidas.
  • Do deputado Rogério Correia (PT), para que seja realizada visita ao local do acidente do rompimento da barragem da Samarco, em Mariana.
  • Do deputado Durval Ângelo (PT), para visitar os principais municípios da Bacia do Rio Doce atingidos pelos rejeitos da barragem rompida, culminando em uma audiência pública em Linhares (ES). 

Consulte o resultado da reunião.