Professor da Unifesp afirmou que a medicina de evidências é a ponte entre a melhor ciência disponível e a melhor prática clínica possível
Álvaro Atallah deu alguns exemplos para comprovar a importância da medicina baseada em evidências
Eliete Simabuku explicou o trabalho desenvolvido pela Conitec, que assessora o Ministério da Saúde

Especialistas criticam lobby de fabricantes de medicamentos

Críticas foram feitas durante Ciclo de Debates Judicialização da Saúde nesta segunda-feira (14).

14/09/2015 - 20:32 - Atualizado em 21/09/2015 - 11:27

Nem sempre o uso de um medicamento mais caro ou a escolha por um procedimento médico de custo mais alto é garantia de mais eficácia e eficiência no tratamento de uma doença. Ao contrário, estudos da medicina baseada em evidências têm demonstrado que, muitas vezes, essas escolhas, pautadas por influências econômicas e de mercado, revelam-se completamente equivocadas.

As conclusões são do professor do curso de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Álvaro Atallah. Ele foi o primeiro palestrante do painel "Apoio Técnico ao Sistema de Justiça" e discorreu sobre direito à saúde e medicina baseada em evidências, durante o Ciclo de Debates Judicialização da Saúde, promovido pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta segunda-feira (14/9/15).

Para reforçar seu argumento, o professor forneceu alguns exemplos. Um deles diz respeito ao uso de stents cardíacos, uma prótese minúscula em formato de tubo utilizada para prevenir obstrução de artérias em caso de doença arterial coronariana. Um estudo comparativo realizado por sua equipe concluiu que a tecnologia de valor mais alto (R$ 15 mil) não agregava nenhum benefício à tecnologia mais barata (R$ 2 mil). Como, no Brasil, são usados por ano no mínimo 100 mil stents, a economia obtida foi de pelo menos R$ 1 bilhão, segundo ele.

Outro exemplo citado refere-se ao uso de cálcio na gravidez. Segundo o professor, a administração desse medicamento em mulheres grávidas reduz em 30% o risco de pré-eclâmpsia. Contudo, no Brasil, apenas 6% das mulheres recebem recomendação médica para tal. Isso ocorre, segundo ele, porque os grandes laboratórios, que dominam o mercado de remédios, não têm interesse em vender um medicamento de baixo custo, embora extremamente eficaz.

Um terceiro exemplo apontado por ele compara dois medicamentos oftalmológicos usados para tratamento de mácula na cegueira de idoso - o Ranibizumab e o Bevacizumab. O primeiro é muito mais caro que o segundo. A revisão feita pela medicina de evidências, contudo, provou que ambos curavam da mesma forma. Além disso, num teste comparativo, verificou-se que o risco de infecção devido ao uso do medicamento era maior com o mais caro.

“A medicina de evidências é o elo entre a melhor ciência disponível e a melhor prática clínica possível. Ela integra as melhores evidências de pesquisas científicas existentes com a habilidade clínica e a preferência do pacientes. Em países onde impera o interesse econômico, isso é embotado”, concluiu Atallah.

Condutas inadequadas - Na mesma linha, o médico César Vieira, consultor técnico do Instituto Brasileiro para Estudo e Desenvolvimento do Setor de Saúde (Ibedess), condenou o lobby dos grandes laboratórios e fabricantes de medicamentos. Segundo ele, “condutas inadequadas de prestadores de serviços de saúde” influenciam as decisões de médicos e geram “equívocos na judicialização da saúde, tanto no Sistema Único de Saúde (SUS) como na saúde suplementar”.

“Os sistemas de saúde e de Justiça precisam do apoio de evidências que resultem em prescrições e sentenças mais qualificadas. A medicina baseada em evidências é a salvação no mundo todo”, disse ele.

Ele elogiou o trabalho desenvolvido por algumas entidades técnicas em Minas Gerais, como o Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde (Nats), do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), bem como o Centro Colaborador do SUS para Avaliação de Tecnologias e Excelência em Saúde (CCATES), vinculado à Faculdade de Farmárcia da UFMG, que orientam o Poder Judiciário nas ações que envolvem a saúde.

Comissão avalia novos medicamentos e tratamentos

Encerrando o painel, a advogada e especialista em Direito Médico e da Saúde, Eliete Maia Gonçalves Simabuku, consultora técnica da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), falou sobre o trabalho desenvolvido pelo órgão dentro do marco legal disponível.

O plenário da Conitec é composto de 13 membros, representantes dos seguintes órgãos e entidades: sete secretarias que compõem o Ministério da Saúde e por outros órgãos e instituições, como Conselho Federal de Medicina (CFM), Conselho Nacional de Saúde (CNS), Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A CONITEC tem o papel de assessorar o Ministério da Saúde nas atribuições relativas à incorporação, exclusão ou alteração pelo SUS de tecnologias em saúde, bem como na constituição ou alteração de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas.

Segundo Eliete Simabuku, o novo marco regulatório, que inclui a Lei Federal 12.401 e o Decreto 7.646, introduziu importantes modificações para a incorporação de tecnologias no SUS, exigindo que sejam analisadas com base em evidências de eficácia e segurança e em estudos de avaliação econômica (custo-efetividade).

Ela explicou ainda que todos os procedimentos avaliados pela Conitec obedecem a um prazo de avaliação de 180 dias prorrogáveis por mais 90, e que todas as avaliações são disponibilizados para consulta pública antes da recomendação final. Entre outras mudanças, a nova legislação vedou o uso de tecnologias sem registro na Anvisa e de procedimentos experimentais. De acordo com o Decreto 7.646, de 2011, a partir da publicação da decisão de incorporar uma tecnologia em saúde, há um prazo máximo de 180 dias para que seja efetivada a sua oferta aos pacientes do SUS.

Programação - As atividades do Ciclo de Debates Judicialização da Saúde prosseguem nesta terça-feira (15) ao longo de todo o dia, com os painéis “Impactos da judicialização na gestão e no orçamento” e “Perspectivas e possíveis soluções para o excesso de demandas judiciais na área da saúde”.