Comunidade de Jiboia, em São Francisco (Norte de Minas), é uma das sedes do curso do Cidadania Ribeirinha, que está usando técnicas do Teatro do Oprimido nas aulas
Jaqueline Silva disse que um panorama geral do local onde vai atuar foi passado na capacitação para se tornar instrutora
Débora Takaki levantou demandas e potencialidades de localidades sedes do Cidadania Ribeirinha para passar aos instrutores do curso
Transporte dificulta logística do projeto; instrutora Paula Vanucci ganha carona de aluno após aula

Instrutores do Cidadania Ribeirinha usam técnicas teatrais

Capacitação de professores para curso envolve método do Teatro do Oprimido e palestras sobre comunidades do Norte de MG.

28/08/2015 - 10:00 - Atualizado em 31/08/2015 - 11:05

As técnicas do Teatro do Oprimido, do dramaturgo e diretor de teatro Augusto Boal, usadas nas aulas do Curso de Formação de Agentes Populares de Educação Ambiental na Agricultura Familiar, integraram o processo de capacitação dos instrutores da segunda edição do Cidadania Ribeirinha, projeto da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) financiado pelo Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA).

O curso, que tem o objetivo de sistematizar conhecimentos, valorizar saberes tradicionais e formar multiplicadores na forma de lideranças comunitárias, é a primeira grande ação do projeto nas comunidades rurais ribeirinhas do Norte de Minas selecionadas para esta nova edição: Bom Jardim da Prata, Retiro e Jiboia, em São Francisco; e Várzea Bonita, São Joaquim e Riacho da Cruz, em Januária.

Um exemplo da aplicação dessas técnicas, passadas aos instrutores em oficinas conduzidas pelo educador Dimir Viana, ocorreu na comunidade de São Joaquim, em Januária, na terça-feira (25/8/15). "O método foi repassado a alunos do curso, que movimentaram a comunidade em torno dos problemas locais. Durante a esquete teatral, estimularam a população a identificar problemas e soluções. Posteriormente, esses alunos vão elaborar um documento com as questões levantadas e entregá-lo ao Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco e a autoridades locais e estaduais”, explica o coordenador do Cidadania Ribeirinha, Márcio Santos.

Além do Teatro do Oprimido, o processo de capacitação dos 21 instrutores inclui várias atividades e palestras, bem como um estágio preparatório nas próprias comunidades atendidas. Durante boa parte do curso, eles se integram a essas comunidades, dormem nas casas dos ribeirinhos, comem os mesmos alimentos e percorrem as mesmas estradas. "Isso vai resultar em ideias e ações que possam transformar essas localidades e trazer esperança de novas soluções para problemas, muitas das vezes, já antigos", conta Márcio Santos. O coordenador diz, ainda, que "a ideia do curso é formar multiplicadores, e não apenas repassar informações aos alunos".

A antropóloga Jaqueline Silva é uma das instrutoras que passou por capacitação. Ela, que assume as aulas do módulo Meio Ambiente, Cultura e Modos de Vida nas comunidades de Bom Jardim da Prata e Jiboia (ambas em São Francisco), conta sobre seu processo de capacitação, que durou quatro dias. "Entre outras atividades, tivemos palestras sobre a dinâmica do projeto; sobre recursos hídricos da região; conflitos socioambientais; mobilização social; e especificidades de comunidades envolvidas", explica. "A ideia é que tivéssemos um panorama geral do local onde vamos atuar", acrescenta.

Sobre a experiência, Jaqueline acredita que será muito boa. "Munir essas comunidades com certo aparato teórico-conceitual de forma lúdica será interessante. Creio que vá ajudar no processo de mobilização ribeirinha no enfrentamento dos problemas locais, além de contribuir para formação política e fortalecimento das identidades das comunidades quilombolas”, salienta.

Diagnóstico das comunidades ajuda na capacitação de instrutores

Uma das professoras de Jaqueline Silva, e também de outros instrutores, durante o processo de capacitação, foi a bióloga da Prefeitura de Januária, Débora Guimarães Takaki. Ela conta que apresentou aos instrutores uma descrição geral das comunidades de Januária. "Fiz um diagnóstico dessas localidades em termos de população e das bacias que perpassam o local. Achei interessante, também, abordar a relação das comunidades com o meio ambiente", destaca.

Débora Takaki diz que levantou demandas e potencialidades das três localidades sedes do Cidadania Ribeirinha em Januária. "Em Riacho da Cruz, por exemplo, há um povoado que é a porta de entrada do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, unidade de conservação ambiental criada pela União em 1999, mas que ainda não foi aberta à visitação. O turismo, portanto, é um forte da comunidade, tanto em termos de pesquisas quanto de futuras visitações”, explica.

Sobre Várzea Bonita, ela conta que a comunidade faz limite com o Rio Carinhanha, que nasce na divisa de Minas com Goiás e deságua no São Francisco. "Nele, estão previstas construções de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). Queremos tentar sensibilizar a comunidade para o ecossistema que poderá ser ameaçado por essas PCHs”, diz.

Já em São Joaquim, Débora conta que é alta a contaminação por esquistossomose na comunidade. "Não apenas em São Joaquim, mas as demandas das três comunidades são muito parecidas: saneamento básico, abastecimento de água e destinação adequada de resíduos", acrescenta. Na opinião da bióloga, o curso promovido pelo Cidadania Ribeirinha contribui para tentar modificar o olhar e a postura da comunidade em relação ao próprio ambiente onde vivem.

Logística é desafio para o Cidadania Ribeirinha

O coordenador do projeto, Márcio Santos, diz que um dos desafios é lidar com a questão da logística no Norte de Minas. "Muitas das comunidades são isoladas, não têm sinal de celular, por exemplo. O transporte entre as localidades também é um pouco complicado", afirma.

Márcio acredita que os parceiros do projeto têm papel importante nesses casos. "São fundamentais ao se colocarem como facilitadores no cotidiano do Cidadania Ribeirinha. O IEF (Instituto Estadual de Florestas), por exemplo, todas as quintas-feiras é responsável por fazer o transporte de instrutores entre comunidades afastadas umas das outras", destaca.

Ele diz que "o planejamento diário é testado todo o tempo" e conta que até o que aparentemente é simples pode se tornar um complicador. "Diferentemente da edição passada, decidimos contratar, desta vez, um fornecedor local para o lanche dos alunos. Com isso, resolvemos nós mesmos realizar o transporte desses produtos. Fazemos isso em carros próprios, e não fazíamos ideia do trabalho que, às vezes, demanda essa tarefa", salienta.

Ganho econômico – Ainda com relação ao lanche, que na primeira edição do projeto era provido por empresa contratada em Belo Horizonte pela ALMG, Márcio enumera uma série de vantagens com a contratação dos alimentos pela Assembleia em estabelecimento comercial de Januária. “Reduzimos o custo do lanche para 25% do valor cobrado anteriormente, passamos a movimentar ainda mais a economia local e também a trazer mais renda para a população dessas localidades”, pontua.

O coordenador diz que outras ações do projeto contribuem para o ganho econômico dos ribeirinhos. Ele lembra que, em alguns casos, o transporte dos instrutores é feito por taxistas locais, contribuindo ainda mais para favorecer financeiramente os lugares onde ocorrem o curso. “Sem falar que os instrutores dormem nas próprias comunidades, nas casas dos moradores, que recebem por isso, e lá também se alimentam. Para a população, tudo isso já garante uma melhoria de renda significativa durante o período das aulas”, acredita.

O Cidadania Ribeirinha é focado em municípios pertencentes à Bacia do São Francisco que apresentam baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH). O sucesso da primeira edição ajudou que o projeto fosse um dos 19 selecionados entre 240 inscritos em todo o País para receber recursos do FNMA, repassados por meio do Banco do Brasil.

Esta é a segunda reportagem de uma série especial sobre o início da segunda edição do Cidadania Ribeirinha. A última matéria será publicada na terça-feira (1º/9).