Durante encontro em Varginha, foi destacado que, apesar de serem a maioria do eleitorado, as mulheres ainda ocupam pequena parcela dos espaços de poder
Deputadas chamaram mulheres para participação efetiva na política
Ana Carolina Guerra defendeu a construção de políticas públicas transversais
A superintendente de Ensino Rosimar do Prado elogiou a iniciativa

Problemas culturais impedem mulher de participar da política

Para participantes de ciclo de debates em Varginha, responsabilidade das mulheres em família dificulta engajamento.

12/06/2015 - 19:06

Além de dificuldades impostas pelo próprio sistema eleitoral, um dos impedimentos para ampliar a participação das mulheres na vida política é de cunho cultural. Em função das responsabilidades que assumem com a família, muitas, mesmo desejando, não têm disponibilidade de tempo para participar. Essa foi uma das conclusões a que se chegou no encontro regional do Ciclo de Debates Reforma Política, Igualdade de Gênero e Participação: O que querem as mulheres de Minas, que a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizou nesta sexta-feira (12/6/15), em Varginha (Sul de Minas).

As participantes do painel “Reforma Política e a representação das mulheres no Brasil”, realizado na parte da manhã, foram unânimes em reconhecer que as tarefas domésticas são, em sua maioria, desempenhadas apenas pelas mulheres, que, por isso, não conseguem participar dos compromissos impostos pela participação política. A presidente da Comissão Extraordinária das Mulheres da ALMG, deputada Rosângela Reis (Pros), explicou que mandatos parlamentares exigem reuniões noturnas ou em outras cidades, além de uma grande dedicação.

De acordo com Larissa Peixoto Vale Gomes, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), isso se confirma pelo fato de a maioria das mulheres políticas serem solteiras ou divorciadas. A diretora do Sindicato dos Bancários de Divinópolis e Região, Synara Aparecida, afirmou que para mudar essa realidade é preciso contar com a colaboração dos homens com os quais as mulheres convivem – parceiros, irmãos, pais, amigos, etc. “Não estamos aqui para brigar com os homens nem para tirar o lugar deles; estamos aqui para dividir as responsabilidades com os homens. Não queremos deixar de ser mulher para ocupar nosso espaço”, disse ela.

A professora do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal de Alfenas, Fernanda Mitsue Soares Onuma, fez um relato sobre a evolução histórica das relações de gênero. Segundo ela, desde a criação da agricultura, a mulher foi sendo relegada a um espaço privado do lar, por uma questão de luta pela garantia da propriedade privada das famílias. A partir de então, os papeis femininos foram sendo traçados, dificultando a presença da mulher na vida política.

A deputada Geisa Teixeira (PT) acredita que outro fator desestimulante à participação das mulheres na política é a “masculinidade” dos espaços de poder. “Sabemos da importância do homem nos espaços de poder, mas queremos igualdade”, defendeu. A deputada Celise Laviola (PMDB) afirmou que é preciso incentivar as mulheres a disputar os cargos eletivos. “Queremos mais mulheres na política”, disse.

Participantes defendem cotas para mulheres

Ao questionarem a diferença entre o número de mulheres na sociedade e em cargos políticos, as participantes do evento defenderam o estabelecimento de cotas que assegurem vagas femininas nas casas legislativas. Segundo a deputada Rosângela Reis, existe uma proposta no Congresso Nacional para que haja 30% de vagas para mulheres nas cadeiras do Poder Legislativo, e não somente para candidaturas nas eleições. “Isso vai garantir espaços maiores de poder”, defendeu. A atual legislação brasileira exige que 30% das candidaturas apresentadas pelos partidos sejam de mulheres.

Em Minas Gerais, as parlamentares defenderam a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 16/15 - encabeçada pela bancada de mulheres da ALMG -, que assegura a presença de pelo menos uma mulher na composição da Mesa da Assembleia Legislativa.

As mulheres formam 52% da população brasileira, mas compõem apenas 13% das cadeiras do Senado, 9% da Câmara dos Deputados e menos de 10% da ALMG. O diretor do campus de Varginha da Universidade Federal de Alfenas, Paulo Roberto Rodrigues de Souza, mostrou dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que apontam para um crescimento no número de candidatas. Nas eleições de 2014, dos 25 mil candidatos, 7.407 foram do sexo feminimo, o que corresponde a 29,73%; em 2010, o número de candidatas era 5.056, ou 22,43% do total. “Apesar desse aumento, o Brasil ocupa a 156ª posição no mundo no ranking de representação da mulher no parlamento", informou.

A deputada Rosângela Reis denunciou que para preencher a exigência de 30%, muitos partidos cooptam mulheres para se apresentarem como candidatas, mas sem, de fato, concorrerem - são as "candidaturas laranjas". “Conclamo as mulheres que não aceitem essa prática, que sejam candidatas de fato”, defendeu. Para a deputada Geisa Teixeira, a participação efetiva das mulheres dá maior credibilidade e legitimidade às campanhas eleitorais. “Competência, garra e responsabilidade nós temos”, disse.

As participantes também criticaram a reforma política em curso no Congresso Nacional, que não atende a essas demandas. Contrárias ao financiamento empresarial de campanhas, elas lembraram que as empresas não se interessam em patrocinar mulheres porque geralmente a campanha feminina, para ser vitoriosa, exige mais recursos que a de homens. As deputadas reclamaram que os próprios partidos não apoiam as mulheres candidatas e oferecem até mais recursos para as candidaturas masculinas.

A deputada Rosângela Reis lembrou que a mulher tem avançado em vários setores, como no mercado de trabalho, na educação e na segurança pública. “Temos cada vez mais mulheres engenheiras, médicas, policiais, advogadas. Somos a maioria do eleitorado, mas esses fatores nos impedem de engajar no movimento politico”, lamentou.

A única vereadora de Varginha, Racibe de Fátima Faria, contou sua experiência para estimular a participação de outras mulheres. Para se eleger, ela gastou apenas R$ 3,5 mil na campanha eleitoral, com recursos próprios “e muita sola de sapato”, como disse. Ela disse esperar contar com mais mulheres na próxima eleição. “Se acreditarem que são capazes, não há quem vai fazer o contrário”, incentivou.

A cientista política Larissa Peixoto Vale Gomes defendeu uma reforma política que altere de fato o sistema eleitoral, garantindo o financiamento público para campanha, a continuidade do voto proporcional e o sistema de lista fechada, que poderia garantir a proporcionalidade de representação de gênero. Na opinião da deputada Celise Laviola, é preciso continuar lutando por uma reforma política real. “Se foi só um papo (a reforma), não vamos desistir de lutar", disse.

Políticas públicas mais amplas podem facilitar o acesso feminino ao poder

Na parte da tarde, foi realizado o painel “Desafios das políticas públicas para as mulheres”. A professora do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal de Alfenas, Ana Carolina Guerra, defendeu a construção de políticas públicas transversais, que contemplem outras demandas das mulheres, como acesso a financiamento público, moradia, saúde fora do foco restritamente reprodutivo, redes de economias solidárias, entre outras questões.

Ela lembrou que as mulheres têm assumido, cada vez mais, a manutenção dos lares e precisam de políticas que lhes garantam mais autonomia e emancipação. Citou o exemplo de um bairro em Varginha onde 86% dos contratos firmados pelo programa Minha Casa, Minha Vida na faixa 1 (com renda de até R$ 1,6 mil mensais) foram firmados por mulheres. Para ela, é preciso lutar contra o estereótipo de que mulher é mais frágil e sensível, pois esse discurso reafirma a estratégia de subordinação imposta pelos homens. “A ideia de pai, mãe e filho é muito forte no imaginário das pessoas e referenda práticas terríveis, como violência, o pensamento de posse do homem sobre a mulher e a subordinação das mulheres”, afirmou.

A superintendente de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres da Subsecretaria de Estado de Políticas para Mulheres, Isabel Cristina de Lima Lisboa, afirmou que 40% das famílias brasileiras são chefiadas por mulheres, mas os salários ainda são muito desiguais.

Ela explicou que, no caso de mulheres negras e com deficiência, as desigualdades se acentuam ainda mais. Por isso, defendeu políticas que sejam direcionadas para reduzir a diferença na distribuição de renda e ampliar a participação das mulheres nos núcleos de poder.

A coordenadora da Rede Estadual de Enfrentamento da Violência Contra a Mulher, Ermelinda de Fátima Ireno de Melo, listou três desafios: estrutura do Estado, estrutura da sociedade e pluralidade das mulheres. Em cada um, é preciso estabelecer estratégias diferentes para incluir as mulheres.

A especialista considera que o modelo federativo brasileiro é hierarquizado e possui uma estrutura muito pesada. A maior parte dos tributos arrecadados ficam com a União, cabendo uma parcela menor aos Estados e outra menor ainda aos municípios. Em função dessa divisão, as prefeituras têm dificuldades de implementar políticas públicas. “Ação de governo não se faz sem recurso”, advertiu. No caso de Minas Gerais, ela considera o cenário ainda mais desafiador. Segundo Ermelinda Melo, dos 853 municípios mineiros, 600 têm menos de 30 mil habitantes e uma arrecadação muito baixa. “Não desenvolvemos política pública para ninguém, muito menos para mulheres”, criticou.

Segundo Ermelinda Melo, a sociedade brasileira é formada num tripé perverso baseado numa cultura sexista, racista e colonialista. Em sua opinião, calcada nessa formação, a estrutura dos governos municipais é extremente masculina e com baixa adesão às agendas dos movimentos feministas.

Ela atentou para a pluralidade das demandas e agendas das mulheres, citando diferenças de questões entre mulheres negras, lésbicas, rurais, em prisão ou de diferentes regiões do Estado. “Somos plurais”, disse. Ela exemplificou que é diferente discutir política de emprego e renda para mulheres urbanas ou rurais; ou para as que moram na Região Central do Estado e no Vale do Jequitinhanha. Para reduzir as diferenças, sugeriu a associação de municípios em consórcios. “Dificilmente teremos um organismo de políticas públicas em cada município mineiro”, justificou.

Ampliar espaços de discussão é desafio

Uma das formas de estimular o interesse da mulher pela política e sua participação nas esferas de poder é ampliar os espaços de discussão sobre essas questões, segundo algumas participantes do ciclo de debates.

A superintendente regional de Ensino de Poços de Caldas, Rosimar do Prado Carvalho, elogiou a iniciativa da ALMG, considerando que é um caminho para se levantar o que as mulheres desejam das políticas públicas. “As políticas públicas só vão poder se efetivar de acordo com o que precisamos, a partir desses fóruns de discussão”, disse. Para ela, o desafio é fazer essas reflexões chegarem a locais de difícil acesso. Por isso, conclamou as participantes a levarem os debates para os espaços onde atuam.

A secretária municipal de Desenvolvimento Social e Defesa Civil de Carmo do Cajuru (Centro-Oeste de Minas), Sirléia Moreira Tavares, lembrou que neste momento, os partidos políticos já começam a se organizar para disputar as eleições de 2016. Por isso, sugeriu a articulação das mulheres para ocuparem esse espaço. Ela citou o exemplo de seu município, onde 12 mulheres comandam as políticas públicas da cidade, administrada por um homem. São secretárias municipais, procuradora do município, juízas e chefe de gabinete. Em sua secretaria, são 18 homens e 41 mulheres, servidores contratados por processo seletivo. “É preciso trabalhar em cada muncípio para fazer o 'empoderamento' das mulheres”, sugeriu.

O ciclo - Além de Varginha, o ciclo de debates já foi realizado em Ibirité (RMBH), Uberlândia (Triângulo Mineiro) e Mantena (Vale do Rio Doce). De acordo com a deputada Rosângela Reis, as sugestões colhidas durante os debates no interior serão inseridas na pauta de trabalho da Comissão Extraordinária das Mulheres e servirão de instrumento de articulação com a sociedade civil e com o poder público. “Sabemos que serão diferentes assuntos, porque Minas Gerais é muito grande e são regiões muito diferentes. Com isso, a comissão terá uma pauta bem variada para ser trabalhada até o próximo ano”, explicou.