Os produtores rurais reivindicam a renegociação dos débitos atuais em termos compatíveis com a realidade
Deputados apontaram importância da agricultura e a necessidade de uma solução para o problema
Alysson Paolinelli criticou as políticas públicas para o setor agrícola presentes em todos os planos econômicos

Produtores rurais vão a Brasília pedir revisão de dívida

Eles querem debater um plano de securitização com a ministra da Agricultura, Kátia Abreu.

15/04/2015 - 21:06 - Atualizado em 16/04/2015 - 12:56

Uma marcha de produtores rurais a Brasília, com o objetivo de pressionar o governo visando a soluções para o endividamento no campo, foi um dos encaminhamentos propostos nesta quarta-feira (15/4/15), durante audiência pública da Comissão de Política Agropecuária e Agroindustrial da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), convocada para discutir a necessidade de securitização rural (plano de alongamento da dívida) em razão do endividamento do setor.

Outros encaminhamentos apresentados foram a solicitação de audiências com a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, com o governador Fernando Pimentel e o vice-governador Antônio Andrade, também produtor rural e ex-ministro da Agricultura, e com o secretário de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, João Cruz Reis Filho. Além da crise hídrica e outras variações climáticas, os participantes apontaram também a crise econômica por que passa o País e a falta de políticas públicas eficientes como motivos para o crescente endividamento rural.

Os produtores rurais reivindicam a renegociação dos débitos atuais em termos compatíveis com a realidade. Para isso, a Federação de Agricultura do Estado de Minas Gerais (Faemg) pede a revisão dos saldos devedores do crédito rural e o alongamento dos prazos de pagamento e juros subvencionados.

Segundo a entidade, com a seca, as perdas da produção de café chegaram a 30%. A estiagem também teve efeitos maléficos nas pastagens e na produção de leite em algumas regiões, alcançando uma média de 40%. O cenário desfavorável levou ao aumento dos custos de produção, o que se agravou com as medidas fiscais adotadas pelo Governo Federal, elevando os juros e impactando o crédito. Eles se queixam também do aumento dos impostos, da redução de subsídios e da logística incipiente e inadequada.

Perdas - A Faemg aponta dados do IBGE, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, segundo os quais a estimativa é de que sejam produzidas 11,39 milhões de toneladas na safra 2014/2015. “O montante é 2,68% menor do que a safra anterior, que também sofreu com a seca”, diz a entidade ruralista. A situação é difícil em todas as regiões do Estado. Para exemplificar, a Faemg alerta que a expectativa para este ano é de que as perdas cheguem a R$ 72 milhões nas lavouras de milho e café em Piumhi (Centro-Oeste de Minas). Curvelo (Região Central) perdeu toda a safra de sorgo forrageiro, enquanto em Martinho Campos (Região Central) houve quebra de 70% na produção de cana e grãos, bem como nas pastagens; em Januária (Norte de Minas), 70% das pastagens se perderam.

Inicialmente prevista para ser realizada no Auditório da ALMG, a reunião teve que ser transferida para o Plenário, dado o grande número de participantes. A Reunião Ordinária de Plenário foi então suspensa, atendendo à solicitação da comissão para que o espaço fosse cedido. Com camisetas, faixas e cartazes pedindo a renegociação da dívida e a securitização, os produtores rurais se manifestaram contra a difícil situação no campo.

Deputados manifestam apoio à luta dos produtores

O requerimento para realização da audiência é de autoria do presidente e do vice-presidente da comissão, respectivamente deputados Fabiano Tolentino (PPS) e Emidinho Madeira (PTdoB), e dos deputados Inácio Franco (PV), Nozinho (PDT) e Rogério Correia (PT).

Além de vários convidados, representantes de órgãos governamentais, entidades de classe e do setor financeiro, a reunião foi prestigiada por cerca de 20 parlamentares. Na abertura dos trabalhos, o presidente da comissão, deputado Fabiano Tolentino, referiu-se às dificuldades do setor, em razão da seca e da crise econômica nacional e internacional, afirmando que, apesar das adversidades, os produtores querem conseguir pagar as dívidas e voltar a plantar no ano que vem. “O PIB mineiro é mantido pela pecuária”, disse. Ele acrescentou que a reunião é o primeiro passo para alcançar o objetivo de começar por Minas Gerais uma marcha até o Governo Federal em busca de solução para o problema.

O deputado Inácio Franco (PV) afirmou que o Estado e o País vivem “um período atípico com a falta de chuva, fazendo com que muitos produtores tenham perdido suas lavouras, com grandes prejuízos”. Ele acrescentou que é graças ao setor agrícola que o País consegue superávit na balança comercial, mas que as perspectivas não são boas para os produtores rurais e que só com pressão sobre o governo o segmento poderá ter sucesso. Também produtor rural, o deputado Nozinho (PDT) concordou com os colegas, afirmando que o setor agrícola é dos que mais contribuem para o desenvolvimento do Estado e do País.

O deputado Antônio Carlos Arantes (PSDB) admitiu que o momento é preocupante para os produtores rurais e afirmou que “muito pior do que a seca é a falha do poder público, que não vê que o produtor rural é que faz a diferença no País”. “O PIB brasileiro só não foi pior por causa da produção no campo”, disse, lembrando que o preço mínimo do café é de R$ 300,00 a saca, “o que não paga nem o custo de produção”, e que “para produzir um hectare de milho, hoje, o produtor gasta R$ 3 mil”.

O deputado Rogério Correia (PT) também se referiu aos problemas climáticos, de mercado e à crise econômica que, segundo ele, atinge não só o Brasil, mas o mundo. O parlamentar se comprometeu a procurar o vice-governador Antônio Andrade e agendar uma reunião para debater os encaminhamentos aprovados na audiência. Segundo ele, o caso de Minas Gerais é ainda pior que no restante do País, dado o déficit orçamentário de mais de R$ 7 bilhões deixados pelo governo anterior. Ele defendeu a ida a Brasília para audiência com a ministra Kátia Abreu e o pacto com os produtores rurais visando a retomar o desenvolvimento do Estado.

Na condição de membro da Mesa da Assembleia, o deputado Alencar da Silveira Jr. (PDT) incentivou os produtores a continuarem na luta, destacando o tamanho da reunião e a força do movimento. E colocou a Presidência da Casa e a comissão à disposição do setor.

Em nome do bloco Verdade e Coerência, de oposição, o deputado Bonifácio Mourão (PSDB) lamentou as condições econômicas do País e a queda do PIB nacional. Ele criticou o Governo Federal e defendeu uma auditoria no Banco do Brasil, responsável por 80% dos financiamentos, para reexaminar as dívidas agrícolas e a inadimplência. E lembrou que essa auditoria já foi requerida pelo Tribunal de Contas da União. “Os pequenos produtores é que sustentam o País nas costas e nas mãos calejadas, e são tratados de acordo com a dureza da lei; já os grandes produtores renegociam suas dívidas”, disse.

O deputado Arlen Santiago (PTB) também fez críticas contundentes ao Governo Federal, que segundo ele perdoa as dívidas de outros países. Ele defendeu a marcha a Brasília, o perdão das dívidas e a securitização.

O deputado Carlos Pimenta (PDT) também manifestou apoio e solidariedade à luta dos produtores rurais. “É importante que essa luta que começa aqui em Minas chegue ao Governo Federal”, disse, lamentando a ausência de deputados federais na audiência. Assim como o deputado Arlen Santiago, ele mencionou que “o governo perdoa a dívida de clubes de futebol e de outros países e diz que não tem dinheiro para perdoar a dívida dos produtores”. Referiu-se também à questão ambiental, que pressiona os produtores rurais a arcar com uma série de compromissos extras.

Ex-ministro acha que securitização é enganação

Ministro da Agricultura durante o governo do general Ernesto Geisel e secretário de Estado de Agricultura em Minas Gerais por três vezes, Alysson Paolinelli admitiu que o crédito rural hoje é insuficiente e disse que desde o primeiro plano econômico editado no País “praticamente faliram as linhas de crédito do Banco do Brasil” e, por isso, acredita que a ideia de securitização é “uma enganação”. “Alerto para os riscos que estamos fazendo com o crédito rural no Brasil, pois o governo não cumpre a Constituição, já que não existe recurso rural no Brasil. Isso se chama tapeação, enganação”, disse.

A exemplo do deputado Bonifácio Mourão, ele também defendeu uma auditoria no Banco do Brasil. “Era bom passar pelo crivo de uma auditoria para ver onde estão os recursos. O seguro rural é um saco sem fundo que é capaz de levar todo o dinheiro da nação e não chegar ao produtor”, disse. Segundo ele, o governo chama os produtores para discutir securitização e assinar acordos que não são viáveis. “Ora, quem não produziu, não pode pagar”, disse.

O ex-ministro denunciou que recursos estão sendo usados para acertar votos no Congresso Nacional e atender interesses na hora que o governo quer aprovar seus projetos. “Isso é corrupção da mais vergonhosa; esse é o risco que vejo nessas discussões de negociação da dívida”, observou.

Paolinelli criticou as políticas públicas direcionadas ao setor agrícola, afirmando que os sucessivos planos econômicos no País sempre repercutiram negativamente no campo. Ele comparou a situação do Brasil com outros países emergentes, como a China, que cresce mais de 7% ao ano, e a Índia, com mais de 6%, segundo ele. “Países africanos com reservas naturais também exuberantes estão crescendo 8% ao ano”, disse.

Ele lamentou a situação, considerando que o Brasil investiu em sua competência e, num lapso de tempo de 40 anos, se transformou numa das maiores nações produtoras do mundo, produzindo alimentos de qualidade a preços competitivos. “Mas de uma hora pra outra, inexplicavelmente, o País se encontra em uma encruzilhada”, disse. “Com uma mobilização como essa, é hora de se chamar a atenção para retomar uma política pública séria, capaz de dar garantias ao produtor”, finalizou.

Dificuldades orçamentárias - O superintendente federal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais, Marcílio de Sousa Magalhães, falou sobre as dificuldades orçamentárias do Governo do Estado, mas admitiu a necessidade de dar apoio aos produtores. Ele defendeu o Ministério da Agricultura afirmando que nos últimos 14 anos o órgão ampliou muito o crédito para o médio e o pequeno produtor. “Não podemos negar que esses governos investiram muito no desenvolvimento da agricultura, pecuária e agroindústria. Vamos continuar elevando o valor desses investimentos”, disse.

Segundo ele, o ministério convocou as representações do setor para discutir o Plano Agrícola e Pecuário 2015/2016, que será anunciado no próximo mês. E acrescentou que é compromisso da ministra Kátia Abreu a elevação de renda do produtor rural. “Estamos trabalhando na perspectiva de fortalecimento da agricultura e da pecuária”, disse.

Breno Pereira Mesquita, diretor financeiro da Faemg, disse que a prorrogação da dívida é um paliativo que já não cabe mais e que a solução tem que ser definitiva. “Não queremos perdão de dívida, mas condições satisfatórias e justas para honrarmos nossos compromissos. É uma questão de justiça”, afirmou.

Safra anual sofreu grandes perdas
Na fase de debates, o presidente do Sindicato Rural de Janaúba (Norte de Minas), José Aparecido Mendes, disse que a região, que normalmente já sofre com a seca, vem sendo castigada ainda mais desde 2010. “Ficamos 65 dias sem chuva no Norte de Minas e no Vale do Jequitinhonha”, disse.

Segundo ele, de setembro de 2014 a abril deste ano, os índices pluviométricos registrados caíram a menos da metade do ano anterior. “Se não tivermos ajuda, 83 mil produtores rurais de 88 municípios vão à falência. As perdas são de 200%", informou. O produtor conta ainda que 70% dos pastos no Norte de Minas e no Jequitinhonha foram destruídos. De 3,8 milhões de cabeças de gado, a região conta hoje, no máximo, com 1,5 milhão de cabeças, o que representa uma perda de mais de 50% do rebanho. "Mesmo assim, o produtor não desiste, continua lutando", afirmou ele, pedindo, contudo, providências urgentes por parte do poder público.

Procedente do outro extremo do Estado, Três Pontas (Sul de Minas), Gilvan Mendonça Mesquita, presidente do Sindicato Rural local, também relatou situações muito difíceis para os produtores da região. Ele entregou ao presidente da comissão um relatório da Emater e da Epamig que constata perdas de até 40% na safra de café no ano passado.

Consulte o resultado da reunião.