Comissão de Política Agropecuária e Agroindustrial debateu os impactos da crise hídrica sobre os produtores rurais e suas cadeias produtivas
Segundo João Albanez, a crise hídrica em MG tem reflexos maiores no Noroeste do Estado e no Vale do Rio Doce
Participantes consideram fundamental encontrar meios para evitar que a atual crise hídrica se repita

Agricultura sustentável é desafio na atual crise hídrica

Comissão de Política Agropecuária debate dilema de conciliar aumento da produção com uso racional da água.

25/03/2015 - 19:47

Conciliar a demanda crescente da produção agropecuária com a preservação dos recursos hídricos. Esse é o desafio que se impõe nos próximos anos aos formuladores de políticas públicas para garantir o desenvolvimento sustentável em Minas Gerais e no restante do mundo, conforme conclusões da audiência pública realizada nesta quarta-feira (25/3/15) pela Comissão de Política Agropecuária e Agroindustrial da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). A reunião atendeu a requerimento dos deputados Fabiano Tolentino (PPS), presidente da comissão; Emidinho Madeira (PTdoB), vice-presidente; Nozinho (PDT) e Inácio Franco (PV).

A necessidade de criar reservas estratégicas de água em Minas, aliada à disseminação de novas técnicas de manejo que economizem esse recurso, foi um consenso entre os participantes, que defenderam ainda a ampliação desse debate pelo Parlamento mineiro, tendo em vista a proximidade do fim da temporada chuvosa.

Para o deputado Fabiano Tolentino, é urgente a formulação, em parceria com o setor produtivo, de um Plano Estadual de Segurança Hídrica, cuja discussão será possível no seminário legislativo sobre o assunto que deve ser realizado em breve pela ALMG. O evento será coordenado pela recém-instalada da Comissão Extraordinária das Águas. “É preciso esclarecer que, ao contrário do que muita gente pensa, quem mais gosta de água são os produtores rurais”, garantiu o deputado.

De acordo com o deputado Antônio Carlos Arantes (PSDB), as chuvas recentes passam a falta impressão de que o problema está sob controle. “O produtor que plantou na hora certa perdeu as plantas. Quem plantou mais tarde, sofreu um efeito menor. De um modo geral, a perda da produtividade pode não ter sido tão grande para o Estado, mas muitos produtores tiveram prejuízo. Como os preços subiram, isso aliviou a situação. Não sou especialista, mas como produtor rural vejo que a vazão nas nascentes está diminuindo, e por isso temo que o pior ainda virá. Os dados da ONU sobre o assunto são apavorantes”, alertou o parlamentar, que defendeu ainda mais recursos para pesquisa e menos concentração de recursos na União.

Valorização - Os deputados Nozinho e Emidinho Madeira cobraram uma maior valorização dos produtores rurais pelo poder público. O primeiro, ex-prefeito de São Gonçalo do Rio Abaixo (Região Central do Estado), lembrou programa implementado naquela cidade que remunerou os pequenos produtores pela preservação de aproximadamente 600 nascentes. “Precisamos fortalecer o meio rural. Afinal, é o campo que sustenta a cidade”, disse.

“Fui criado na roça e sei das dificuldades do homem do campo. Sou de uma região produtora de café e me sinto em casa nesta comissão. Às vezes, os políticos até querem ajudar, mas não conseguem. Temos que chamar a atenção para nossos problemas”, defendeu o deputado Emidinho Madeira.

Já o deputado Inácio Franco defendeu que a crise hídrica tenha sua discussão expandida pelas outras comissões da ALMG, como a de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, de modo a superar empecilhos na legislação contra uma maior reserva de água. “Nós aprovamos no ano passado o Código Florestal, mas foi negado, por exemplo, o barramento em veredas. Sei que se trata de um problema ambiental, mas temos que entender também as consequências econômicas e sociais. Temos que encontrar meios de preservar essa água para uso futuro”, advertiu.

Demanda cresce com o desenvolvimento da sociedade

O superintendente de Política e Economia Agrícola da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, João Ricardo Albanez, traçou um panorama da crescente demanda por água, um fenômeno mundial em virtude do crescimento da população e do desenvolvimento econômico e social das sociedades.

“O PIB per capita do mundo melhorou, assim como a longevidade da população, que vive mais e se concentra cada vez mais no meio urbano. Temos ainda a mudança nos hábitos alimentares, com uma maior demanda por proteína de origem animal. Por sua vez, para uma maior oferta de carne, é preciso aumentar a produção de grãos, e para isso precisamos de cada vez mais água”, avaliou.

Em sua apresentação, João Albanez lembrou ainda que a produção brasileira deve somar quase 200 milhões de toneladas de grãos em 2015 e que a Região Sudeste representa apenas uma pequena parcela disso. Em Minas, na avaliação dele, a crise hídrica tem reflexos maiores em regiões como o Noroeste do Estado e o Vale do Rio Doce, mas com efeitos ainda pequenos na produção total de culturas como cana-de-açúcar e café. Embora reconheça a necessidade de um maior planejamento para amparar os produtores, ele detalhou as características do ciclo da água para expressar sua visão otimista da questão.

“A sociedade fala que é um absurdo, dentro da chamada pegada hídrica (indicador do uso da água que analisa seu uso de forma direta e indireta, tanto do consumidor quanto do produtor), que a produção de um quilo de carne gaste 17 mil litros de água. Mas, tomando o consumo padrão de 200 litros de água por dia para um ser humano adulto, em 55 anos de vida chego a conclusão de que já consumi 4 milhões de litros de água. Isso é aceitável? Temos que analisar a questão com equilíbrio, dentro da perspectiva da segurança alimentar”, completou João Albanez.

Agroecologia - Já para o superintendente de Agricultura Familiar da Secretaria de Estado de Agricultura, José Antônio Ribeiro, o manejo da água é uma questão muito mais ampla que o aspecto econômico. E o seminário legislativo que a ALMG promoverá poderá, segundo ele, enriquecer a discussão.

“Historicamente, de 1900 para cá a quantidade de chuva variou pouco. O que está acontecendo é que ela se concentrou em um período menor do ano e, por outro lado, a permeabilidade dos solos diminuiu com a evolução da sociedade. A água que cai não é armazenada. No Jequitinhonha, por exemplo, se conseguíssemos guardar 20% dela, resolveríamos todos os problemas. Temos que repensar o modelo de desenvolvimento, priorizando a agroecologia”, defendeu.

Participantes cobram mais monitoramento e planejamento

Uma gestão mais eficiente dos recursos hídricos é, na opinião do analista ambiental da Federação da Agricultura do Estado de Minas Gerais (Faemg), Guilherme da Silva Oliveira, a alternativa para se combater a atual crise hídrica e evitar que ela se repita no futuro. “Falam em 70% do consumo da água na produção rural, mas os reservatórios estão baixos e não tem nenhuma bomba de irrigação lá dentro”, apontou.

O técnico da Faemg cobrou maior apoio aos comitês de bacias hidrográficas e um planejamento de ações mais eficiente diante dos alarmes dados pelo monitoramento dos índices pluviométricos. “Medidas de gestão têm que ser tomadas a tempo, ao invés de medidas de punição quando o problema está aí. De nada adianta uma economia geral de 30% se a Copasa desperdiça 40% do que é captado”, ilustrou.

“Há várias maneiras de se reservar essa água, mas o produtor precisa ser assessorado no manejo do solo. Não basta apenas cuidar das nascentes. No Noroeste de Minas, os sistemas de irrigação, como o pivô central, exigem mais água, por isso a situação é mais grave”, exemplificou. Ele alertou ainda que a própria legislação ambiental cria problemas para programas de recuperação de nascentes.

O presidente da Epamig, Rui da Silva Verneque, disse ser injusto concentrar no produtor rural a tarefa de preservar a água, quando as cidades só a degradam. Segundo ele, a Epamig tem produzido com seus parceiros novas tecnologias de preservação e uma publicação especial da entidade, prevista para agosto, deve ser dedicada a métodos mais eficientes de irrigação que, na maioria das vezes, não são usados porque não são conhecidos.

Na mesma linha, o coordenador técnico estadual de Culturas da Emater-MG, Wilson Rosa, defendeu um amplo realinhamento nas formas de manejo no campo que permitam um uso mais racional da água. “Afinal, os problemas climáticos não afetam só agricultores, mas toda a sociedade”, alertou.

Produtores rurais enfrentam dificuldades

O vice-presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Unaí (Noroeste de Minas), Ricardo Rodrigues de Almeida, lamentou a situação calamitosa em sua região. Desde o final de dezembro até o início de fevereiro, algumas localidades sofreram com um veranico de 45 dias sem chuva. “Em outras áreas do País tem gente morrendo arrastada pela enxurrada. Esse excesso de chuva, quando vier, precisa ser guardado para a hora em que ela faltar. Os grandes açudes do Nordeste precisam ser copiados em Minas”, defendeu.

“Hoje quem faz a diferença na balança comercial brasileira é o agronegócio. Não queremos destruir o meio ambiente, esse é um pensamento equivocado. Se tivéssemos uma maior reserva de água, poderíamos até quadruplicar a produção no mesmo espaço, sem um impacto maior no meio ambiente”, avaliou.

Por fim, Irson Ribeiro de Oliveira, produtor de café de Nova Resende (Sul de Minas), citou dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) ao atribuir à falta de chuvas uma queda de 22% na produção brasileira de café em 2014, situação que deve se repetir em 2015 e 2016. No Sul de Minas, região economicamente dependente do café, essa queda teria sido de 60% no primeiro trimestre de 2015 com relação à média dos dos últimos 16 anos, segundo ele. “O triste é que mesmo se quisermos agir dentro da lei, teremos muitas dificuldades, sobretudo quando o assunto são as barragens”, lamentou.