Moradores das ocupações de Isidoro, região Norte de Belo Horizonte, lotaram o Plenário da Assembleia Legislativa
Cerca de 8 mil famílias instaladas há um ano e meio estão ameaçadas de despejo

Famílias reafirmam disposição de permanecer em ocupações

Moradores das ocupações Rosa Leão, Vitória e Esperança, em BH, prometem resistir a despejos.

28/11/2014 - 19:20 - Atualizado em 01/12/2014 - 19:02

Reunidas no Debate Público Direitos Humanos, Dignidade e Moradia, realizado no Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) na tarde desta sexta-feira (28/11/14), centenas de moradores das ocupações Vitória, Esperança e Rosa Leão, localizadas na região conhecida como Isidoro ou Isidora, no vetor Norte de Belo Horizonte, reafirmaram sua disposição de permanecer nos terrenos ocupados e resistir a tentativas de despejo. No local, cerca de 8 mil famílias instaladas há um ano e meio estão ameaçadas de despejo por empresas que reivindicam a posse dos terrenos.

Promovido pela Comissão de Participação Popular, o debate foi realizado a requerimento do presidente da comissão, deputado André Quintão (PT), atendendo a solicitação de diversas entidades, instituições e grupos da sociedade civil que apoiam a causa dos sem-teto e a luta pela moradia popular. Entre essas instituições estão a PUC Minas e a Arquidiocese de Belo Horizonte, por meio das Comissões Pastorais da Terra e dos Sem-Casa. Além desses e das lideranças comunitárias, também estiveram presentes representantes do Ministério Público e da Defensoria Pública, entre outros apoiadores.

A situação dessas ocupações já foi tema de audiência pública da Comissão de Direitos Humanos no dia 17 de novembro. Na ocasião, moradores e representantes de movimentos sociais denunciaram o alto déficit habitacional da Capital e reivindicaram o direito à moradia digna. As famílias cobram a urbanização da região ocupada e soluções que assegurem infraestrutura básica, com garantia de saneamento e pavimentação, entre outras melhorias. Os moradores dessas ocupações também manifestaram sua preocupação com a possibilidade de ações violentas por parte do poder público por meio da atuação repressora da Polícia Militar, lembrando recentes despejos à base da força, como o ocorrido recentemente em Vespasiano (RMBH) durante ação de reintegração de posse.

O deputado André Quintão, que coordenou o debate, ressaltou o compromisso com a causa das ocupações, não só por parte da comissão, mas de todas as entidades participantes do encontro. “Podem contar com o nosso apoio. Não vamos permitir que se resolva essa situação com violência; queremos alternativa com dignidade. Estamos aqui para celebrar a união desse movimento, que é exemplo para Belo Horizonte e Minas Gerais. Este debate é mais um espaço de fortalecimento da luta de vocês ”, disse.

Conclamando os presentes a entoar cantos e palavras de ordem em defesa da causa, Frei Gilvander Luís Moreira, da Comissão Pastoral da Terra, disse que há 30 anos vem dedicando o seu ministério como frade à luta pela reforma agrária, acrescentando que nos últimos 15 anos, “indignado com tanta injustiça”, também abraçou a luta pela reforma urbana, entendendo que ambas estão interligadas. Ele criticou a grande imprensa, que “cria uma cortina de fumaça em torno desses temas”, e afirmou que “há milhares de famílias crucificadas pela pesadíssima cruz do aluguel ou vivendo de favor com parentes que também pagam aluguel”.

Déficit habitacional chega a 750 mil moradias em MG

Citando pesquisa da Fundação João Pinheiro, Frei Gilvander disse que o déficit habitacional na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) é estimado em 150 mil moradias. Em todo o Estado, os números se elevam a 750 mil, disse. Ele condenou “a especulação imobiliária e o conluio do setor com o Estado, políticos, governos omissos e Poder Judiciário, que estão impondo uma cruz pesadíssima ao povo”.

Segundo Frei Gilvander, 25 mil famílias vivem em ocupações na RMBH. “É inadmissível dormir em paz sabendo que só depois das eleições aconteceram oito despejos na RMBH”, disse, denunciando ações violentas da Polícia Militar. De acordo com ele, a PM chegou a prender cadeirantes,e agredir mulheres e mães com filhos de colo. “Um problema social gravíssimo como esse não se resolve com polícia e repressão”, disse.

O religioso ainda apelou aos desembargadores para que “recobrem a consciência e parem de tratar ocupações coletivas como se fosse um esbulho”. “Não! É luta por direito”, disse, acrescentando que a meta dessas famílias é “despejo zero em Minas Gerais”.

O procurador Afonso Henrique de Miranda Teixeira conclamou os ocupantes a não abrirem mão do que já conquistaram. “A ocupação é que dá o poder a vocês, que tiveram a iniciativa de lutar por direitos fundamentais", disse. "Não abram mão daquilo que vocês têm, que é a sua força, porque o Estado só atenderá vocês se vocês permanecerem lá, onde estão; se vocês estiverem debaixo do viaduto ninguém vai olhar por vocês”, continuou.

O representante do Ministério Público defendeu a necessidade do Poder Judiciário se adequar, porque “não existe Justiça sem justiça social”. “Não se pode conceder uma liminar sem conhecer a situação dos que vivem no local. Quem não usou o imóvel não pode pedir a reintegração do que nunca usou”, disse.

Função social – Para o promotor, uma medida como a de reintegração de posse não pode ser vista apenas pelo viés do Código Civil, pois a propriedade tem que cumprir a sua função social conforme previsto na Constituição da República.

A função social da terra também foi invocada por diversos outros participantes do Debate Público, entre eles o ex-prefeito de Belo Horizonte, ex-ministro e deputado federal eleito Patrus Ananias (PT-MG), a defensora pública Cleide Aparecida Nepomuceno e o o advogado Luís Fernandes Vasconcelos, das Brigadas Populares, que denunciou a submissão do Judiciário aos interesses “do capital imobiliário especulativo” e condenou a “criminalização dos movimentos sociais”.

Lideranças comunitárias defendem organização na luta

A líder comunitária Charlene Cristiane Egídio, coordenadora da ocupação Rosa Leão, disse que as famílias da região do Isidoro tomaram consciência dos seus direitos. “Hoje somos pessoas transformadas. Entramos na ocupação por não termos como pagar aluguel, mas não sabíamos dos nossos direitos nem dos interesses da especulação imobiliária. Somos pedreiros, diaristas, garis, pessoas que trabalham pela cidade, e não animais, e vamos fazer valer o nosso direito à moradia, que já é garantido pela Constituição Federal”, disse.

Ela relatou ter presenciado, com tristeza, o despejo das famílias de Vespasiano e garantiu que o mesmo não vai acontecer no Isidoro. “Temos uma grande rede de apoio e um povo aguerrido”, disse, lembrando o Papa Francisco, segundo o qual “toda família tem direito à moradia”. Ela fez um apelo ao governador para que “seja sensato e não trate problema social como policial”. “Se mexerem com despejo, vão mexer em um monte de formigas organizadas”, ressaltou.

A coordenadora da ocupação Esperança, Edna Gonçalves, apoiou a companheira da Rosa Leão. “E o povo humilde que constrói esta cidade e, por isso, também tem direito a ela”, disse. A líder comunitária criticou o prefeito Márcio Lacerda, afirmando que “os moradores das ocupações construíram mais casas do que a prefeitura”. “Não vamos sair; é lá que vamos passar o nosso Natal, feliz”, assegurou.

Elielma Carvalho do Nascimento, da ocupação Vitória, considerou “uma verdadeira barbárie” o despejo realizado em Vespasiano e disse que “o povo do Isidoro não vai aceitar o mesmo”. Para reforçar a luta, disse que é importante apelar a todos os órgãos de defesa dos direitos humanos e invocar tratados internacionais, destacando a importância dos apoios da sociedade civil. “Nós, das ocupações e movimentos sociais, já construímos mais casas do que o Governo do Estado e a prefeitura”, disse.

O coordenador nacional do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), Leonardo Péricles Vieira Roque, criticou o que chamou de “irresponsabilidade dos governantes”, afirmando que a atual gestão de Belo Horizonte só construiu 1.470 apartamentos, em uma cidade cujo déficit habitacional é de mais de 100 mil unidades. “Não tem política habitacional, então temos que ocupar em massa os terrenos abandonados”, disse.

O líder comunitário fez críticas à prefeitura, ao Estado e ao Judiciário. “Juiz tem que pisar no barro antes de julgar. Eles não sabem o que é viver com dois salários mínimos, porque vivem com salários altíssimos e ainda têm auxílio moradia”, condenou.

Segregação - O advogado Thales Augusto Nascimento Viote, do Coletivo Margarida Alves, denunciou que nenhuma casa popular foi construída pelo poder público em Minas Gerais e Belo Horizonte.

O arquiteto Tiago Castelo Branco Lourenço, do escritório Integração, da PUC Minas, e do grupo Arquitetos sem Fronteiras, denunciou que a prefeitura desrespeita o Plano Diretor da Cidade e se esquiva do seu papel constitucional de defender o interesse da população.

O professor Lucas de Alvarenga Gontijo, da PUC Minas, criticou o Judiciário e a administação municipal, afirmando que a cidade construiu um processo de segregação.

Último a falar, o padre Pier Luigi Bernareggi, da Pastoral dos Sem-Casa da Arquidiocese de Belo Horizonte, entusiasmou os moradores das três ocupações ao informar que acabara de chegar de uma pesquisa em cartórios, onde concluiu que não há registro de titularidade nos terrenos em disputa. “As pretensas propriedades são grilagens de terras devolutas”, disse. Ele apelou para que o Ministério Público entre com uma ação de nulidade global contra os que se dizem titulares dos terrenos.

Direito à propriedade e direito de propriedade

O deputado federal eleito Patrus Ananias (PT-MG) louvou a iniciativa do debate, que considerou um “encontro histórico na Assembleia de Minas”. Ele disse que o Brasil vive um grande desafio, o de “colocar sob o comando do interesse público e do bem comum o interesse do grande capital, estabelecendo limites e normatizando, de forma a proteger cada vez mais o direito à vida”.

Ele fez uma distinção entre o direito à propriedade, garantido pela Constituição Federal, e o direito de propriedade. “Infelizmente, na prática o direito mais protegido é o de propriedade, de poucos, os detentores da especulação imobiliária", afirmou.

Outro grande desafio, na opinião do parlamentar eleito, é o direito à cidade. Ele lembrou que mais de 80% da população brasileira vive nas cidades e mais de 40%, nas grandes cidades e regiões metropolitanas. “Isso pressupõe direito à moradia, ao transporte coletivo, aos serviços básicos (educação, saúde, moradia)”, disse. Exaltando o princípio da função social da propriedade, ele afirmou que o direito à moradia é muito mais importante que o direito à especulação imobiliária.

O deputado Rogério Correia (PT) disse que moradia popular em Belo Horizonte é sinônimo de luta. Ele lembrou antigas ocupações, como a da Vila Columbiara, no Barreiro, nos anos 1990, e outras mais recentes, como a Dandara, que já completou cinco anos. Todas passaram por um grande processo de resistência, observou. Ele louvou o fim de “um ciclo de 12 anos de insensibilidade do governo do PSDB em Minas Gerais”, período em que, segundo ele, o déficit habitacional na Capital e no Estado só aumentou. Segundo o parlamentar, o governador eleito Fernando Pimentel assumiu o compromisso de garantir as moradias nos terrenos ocupados.

No encerramento do debate, o deputado André Quintão reafirmou também o seu compromisso pessoal no sentido de garantir uma solução capaz de preservar a moradia das famílias nas três ocupações.