O Ciclo de Debates Muda Futebol Brasileiro, realizado no Plenário da ALMG, foi solicitado pelo deputado João Leite
Para Ruy Cabeção, o futebol brasileiro atual gera um grande problema social
Fernando Ferreira acredita que a principal prioridade do futebol nacional deveria ser
Paulo Bracks discorda da decisão da PM de parar de fazer a revista na porta dos estádios
João Paulo Medina apontou os principais desafios que o futebol brasileiro terá que enfrentar nos próximos anos

Maioria dos jogadores de futebol é boia-fria, diz atleta

Ruy Cabeção, que atuou em grandes clubes e hoje joga na 4ª divisão do Campeonato Brasileiro, expõe mazelas do futebol.

24/11/2014 - 19:35 - Atualizado em 25/11/2014 - 12:24

"Eu represento este triste momento do futebol brasileiro”. Assim o jogador Ruy Bueno, conhecido como Ruy Cabeção, definiu o estágio de desorganização, descrédito e gestão ineficiente do esporte favorito dos brasileiros. Ele participou do painel "Gestão e Governança", dentro do Ciclo de Debates Muda Futebol Brasileiro - Desafios de uma Renovação, na tarde desta segunda-feira (24/11/14). O evento, realizado desde a manhã no Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), foi solicitado pelo deputado João Leite (PSDB), também ex-goleiro do Clube Atlético Mineiro. O painel "Gestão e Governança" foi coordenado pelo deputado Mário Henrique Caixa (PCdoB).

Ruy Bueno atualmente joga no Operário Futebol Clube, equipe da segunda divisão do campeonato do Mato Grosso e da Série D do Campeonato Brasileiro. Ele já atuou em grandes equipes do futebol nacional, como América, Cruzeiro, Botafogo e Fluminense, e é membro do Bom Senso Futebol Clube, movimento de jogadores profissionais que busca melhorias na gestão desse esporte.

O jogador revelou que não imaginava que o futebol chegaria a esse momento crítico, e a experiência que teve nos últimos dois anos no Operário fez aumentar sua descrença. “O produto que é vendido para a população brasileira é mentiroso. Poucas pessoas sabem que a maior parte do que é tratado com os jogadores, principalmente das divisões inferiores, não é cumprido”, desabafou.

Segundo ele, de janeiro a maio de cada ano, cerca de 640 clubes disputam competições no País, principalmente os campeonatos estaduais. “Após esse período, apenas 186 clubes ficam em atividade, o que provoca o desemprego de 16 mil atletas”, afirmou.

Ele destacou que apenas 13% dos jogadores de futebol conseguem receber bons salários - os 87% restantes seriam “boias-frias”. Cabeção reclamou também que, nos últimos 24 meses trabalhados, só conseguiu receber nove, e para isso teve que recorrer à Justiça. “Hoje me considero um jogador amador. Só consigo me manter porque tenho minhas reservas. Se fosse só com futebol, não conseguiria manter meu padrão de vida”, lamentou.

Problema social - Esse quadro particular mostra, na avaliação de Ruy Cabeção, que o futebol brasileiro gera um grande problema social. “Diariamente recebo ligações de colegas pedindo emprego”, contou. Por outro lado, continuou o jogador, dirigentes do esporte continuam há 20 anos no poder. Outro sério problema, na sua avaliação, é a falta de investimento nas categorias de base. “Em Minas Gerais, com exceção de América, Atlético e Cruzeiro, a categoria de base está parada”, criticou.

A saída para essa situação, na opinião do atleta, é a união dos jogadores para lutar por suas reivindicações, o que tem se materializado nas ações do Bom Senso Futebol Clube. "Para o futebol brasileiro, foi bom não termos sido campeões da Copa do Mundo, porque iriam mais uma vez varrer a sujeira para debaixo do tapete”, avaliou.

Uma das reivindicações desse movimento é a intervenção do governo nos clubes, obrigando os dirigentes a cumprirem seu papel. Ruy Cabeção acredita que falta fiscalização sobre o futebol brasileiro, o que permite que os cartolas façam o que bem entendem. “Os dirigentes pouco se importam se atletas e funcionários estão com salários em dia ou não. Por isso, é preciso aprovar a Lei de Responsabilidade do Esporte; sem ela, vai ser difícil o futebol dar uma guinada”, concluiu.

Agentes - Outro jogador que participa do Bom Senso Futebol Clube, Paulo César Tinga, do Cruzeiro, afirmou que quem dá as cartas nos clubes brasileiros são “pessoas de fora” - os agentes de jogadores ou empresários do futebol. “Há uma grande interferência de fora para dentro do campo. Vejo pessoas com boas condições financeiras que acabam investindo em futebol, que deveria ser uma coisa do povo”, afirmou. Tinga avalia que as mudanças de que o esporte necessita só virão com maior envolvimento dos atletas. Entre as reivindicações do Bom Senso Futebol Clube, ele destacou a revisão do calendário do futebol, com redução do número de jogos; e investimento nas categorias de base.

Clubes endividados e estádios vazios são outros problemas

Fernando Ferreira, sócio-diretor da Pluri Consultoria, resumiu os principais problemas do futebol brasileiro: calendário ruim, baixa qualidade, violência, clubes insolventes, estádios vazios e queda na formação de talentos. Ele apresentou dados dos 29 maiores clubes brasileiros, revelando que as finanças estão descontroladas. Juntos, eles têm R$ 3,4 bilhões em receitas, com um endividamento de R$ 6,1 bilhões. Em 2014, o prejuízo está sendo recorde, de R$ 447 milhões, o que provocou um acúmulo de R$ 2 bilhões em dívidas em sete anos.

Ainda segundo Ferreira, nesse mesmo período, a receita dos clubes cresceu 341%, enquanto a dívida cresceu 353% e as despesas com futebol, 356%. Para completar, a queda das receitas foi de 7%. Para tornar os times viáveis, o dirigente propõe um corte de despesas de 18%. “Hoje essas equipes gastam em média 22% além da sua capacidade de pagamento", disse.

Essas dificuldades provocam a perda de interesse dos torcedores, na avaliação de Ferreira. A média de público por jogo no futebol brasileiro em todas as suas divisões é de 4.721 pessoas, o que representa apenas 26% de ocupação dos estádios. O Campeonato Brasileiro da Série A é o 15º do mundo em média de público, cerca de 15 mil pessoas, o que seria a média do campeonato inglês de 1904.

Na opinião de Fernando Ferreira, a prioridade do futebol nacional deveria ser “encher os estádios”. “Não importa só a receita de bilheterias. Há um efeito multiplicador: melhora o espetáculo, os patrocinadores ficam satisfeitos, clubes ganham poder de barganha para contratar publicidade e os jogadores ficam mais motivados”, afirmou.

Finalizando, o executivo destacou outras medidas que considera importantes para reverter o atual quadro: adotar um modelo de gestão empresarial; estabelecer formas de controlar os prejuízos dos clubes, com punição e responsabilização de dirigentes; forçar a profissionalização total; reformar o calendário de jogos; implantar modelo transparente de distribuição de cotas de TV; e criar um ambiente favorável a investimentos no esporte.

Nova direção da FMF tenta “apagar incêndios”

Paulo Bracks, diretor-executivo da Federação Mineira de Futebol (FMF), comparou a entidade que assumiu em junho deste ano a um prédio em chamas, onde se tem que escolher o foco a apagar primeiro. “Temos dívidas que datam de 1963; e outras, com o Governo Federal, por exemplo, que somam R$ 36 milhões”, informou. Ele destacou que o esforço para reduzir gastos resultou numa economia de R$ 64 mil por mês só com notas, recibos, fotocópias e estacionamento.

Ele citou medidas que a FMF tem adotado que vão ao encontro de anseios do Bom Senso Futebol Clube, como a redução do calendário do Campeonato Mineiro da 1ª divisão.

Ele também discordou da postura da Polícia Militar, que segundo ele parou de fazer revistas na porta dos estádios. “A PM está saindo dos estádios e os clubes têm que se adaptar a essa realidade. Estamos vendo o cancelamento de jogos devido à ausência da PM”, reclamou. Segundo ele, nesses casos a FMF está contratando segurança privada para os jogos. Nesse sentido, ele apresentou um contraponto à tese de que é importante lotar os estádios. “Encher estádio não é simples; precisamos ter condições para isso”, defendeu.

Ocimar Bolicenho, presidente da Associação Brasileira de Executivos de Futebol, lembrou que essa função só apareceu há três anos no futebol brasileiro. Por isso, na sua avaliação, esse profissional ainda tem pouca autonomia nos clubes. “Temos também resistência muito grande por parte dos agentes de jogadores. Se o executivo vê que o clube não pode pagar por um jogador, chega e diz 'não'; o dirigente estatutário vai e diz 'sim'”, criticou.

Rótulos - Por último, o comentarista de futebol da rádio CBN, Mário Marra, constatou que a imprensa tem sua parcela de culpa nos problemas que o futebol brasileiro enfrenta hoje. “A imprensa quer acelerar a notícia, o que muitas vezes pode levar a distorções", lamentou. Ele citou o caso do atleta do Corinthians Luciano, 21 anos, que um narrador insistia em taxar de “jogador de segundo tempo”. Marra disse que, por respeito, não comprou esse rótulo. “Às vezes, a imprensa constrói essas imagens distorcidas. Como posso rotular um rapaz de 21 anos, no início da carreira profissional, como jogador de segundo tempo?”, questionou.

“Se um técnico perde quatro vezes, tem que ser demitido. Calma!”, reforçou Marra. "O jornalista tem que jogar luz em uma informação e depois tentar entender a notícia”, continuou. A atuação profissional calcada nesse modelo, a seu ver, produz boas matérias investigativas, como a que revelou a máfia da Loteria Esportiva e a corrupção na Fifa.

Futebol nacional precisa de um diagnóstico claro

Apesar do crescente interesse pelo esporte, ainda não existe um diagnóstico da situação do futebol brasileiro. Foi o que afirmou o diretor e fundador da Universidade do Futebol, João Paulo Medina, em sua palestra, que iniciou os trabalhos na parte da tarde. Ele apresentou uma visão sistêmica do futebol no País e apontou os principais desafios que precisam ser enfrentados nos próximos anos.

Segundo Medina, o problema começa na própria análise da estrutura do futebol no Brasil, uma vez que o esporte é estudado por poucos profissionais - em sua maioria, autodidatas ou pessoas que tiveram que buscar formação teórica no exterior. Essa deficiência se reflete na estrutura dos clubes, que, na opinião do professor, são “a célula-mater” do futebol e encontram-se em uma situação caótica.

Isso porque, além de integrarem uma estrutura que não favorece a profissionalização, com dirigentes estatutários não-remunerados e pertencentes a um sistema político que não pretende rever sua estrutura, os clubes enfrentam dois grandes problemas para se atualizarem. Primeiro, sanar anos de irresponsabilidades financeiras cometidas para arcar com os custos de especialistas em todas as áreas; depois, gerir toda essa equipe, formada por profissionais heterogêneos e com diferentes formas de enxergar o futebol. Sem contar a presença dos empresários, que muitas vezes influenciam diretamente na tomada de decisão das agremiações, segundo Medina.

Outras questões a serem reparadas, de acordo com Medina, são o calendário, que obriga grandes clubes a jogarem quase 80 vezes por ano; a falta de conhecimento sobre a legislação esportiva; e o desamparo aos clubes pequenos, que empregam ao menos 80% dos jogadores profissionais.

Como exemplo para o futuro, Medina citou a Alemanha, que após diagnosticar uma grave crise no futebol no país, estabeleceu políticas adequadas e alcançou resultados na massificação e na prática do esporte, assim como nas categorias de base dos clubes. “A Copa do Mundo foi um legado. A Europa fez in vitro o que fazíamos in natura. Precisamos repensar o futebol em todas as suas dimensões”, concluiu.