A Comissão Extraordinária das Águas se reuniu para discutir os procedimentos de outorga para uso dos recursos hídricos do Estado

Controle do uso da água é desafio em Minas Gerais

Instrumentos de gestão precisam ser aprimorados, na avaliação de autoridades e representantes do setor produtivo.

20/11/2014 - 20:16 - Atualizado em 21/11/2014 - 11:58

Apesar de ser o instrumento da política ambiental do Estado que mais evoluiu, a outorga de água ainda precisa ser aprimorada. A opinião é de Leonardo Vieira de Faria, gestor ambiental da Subsecretaria de Estado de Gestão e Regularização Ambiental Integrada. Ele participou nesta quinta-feira (20/11/14) de audiência pública da Comissão Extraordinária das Águas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

A outorga é um dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos e tem como objetivo, em linhas gerais, assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos a seu acesso.

De acordo com Leonardo Faria, até hoje o Governo do Estado não tem um banco de dados que mostre como a água está sendo consumida em cada bacia hidrográfica, o que dificulta o controle. Ele avalia que, para que os outros instrumentos de gestão possam evoluir, é necessário promover a integração das políticas de meio ambiente e de recursos hídricos.

O técnico da Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário do Estado (Arsae-MG), Elber Figueira Araújo Santos, reforçou essa tese. Ele afirmou que a Arsae tem grande preocupação com a fiscalização da outorga e do efetivo cumprimento do uso do volume de água autorizado.

Elber Santos também concordou com a necessidade de maior integração das políticas ambiental e hídrica. Segundo ele, a desarticulação ocorre também em nível local. Na sua opinião, a política para a água não pode ser pensada de forma segmentada, como vem ocorrendo na maioria das cidades. “Os planos municipais de saneamento muitas vezes não chegam à realidade. Várias cidades têm esses planos, mas a população local não se apropriou deles”, afirmou.

Fetaemg cobra democratização do acesso à água

Com uma visão mais crítica em relação à atuação governamental, o assessor de Meio Ambiente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetaemg), Eduardo Nascimento, defendeu a democratização do acesso à água. Na sua opinião, isso só começará a ocorrer com a reestruturação dos órgãos do Sistema Estadual de Meio Ambiente, que segundo ele foi muito penalizado no atual governo.

Para Nascimento, essa democratização não ocorrerá enquanto o acesso à água for facilitado para grandes grupos econômicos em detrimento do interesse dos cidadãos, especialmente os agricultores familiares. “Licenciar uma estação de tratamento de água ou de esgoto tem alto grau de dificuldade. Mas esse processo é muito fácil para mineradoras, por exemplo. A orientação dos governos Federal e Estadual é neodesenvolvimentista: eles não se preocupam com a devastação ambiental”, criticou.

Ele informou que em Minas Gerais existem 550 mil propriedades rurais - 470 mil pequenas e 80 mil grandes e médias. Para Nascimento, o foco da fiscalização ambiental deve ser nas grandes propriedades, que fazem uso intensivo de água, enquanto as pequenas fazem o chamado uso irrelevante desse recurso natural, segundo ele.

Educação ambiental - Já Carlos Alberto Oliveira, assessor de Meio Ambiente da Federação da Agricultura do Estado de Minas Gerais (Faemg), lembrou que a legislação estadual sobre outorga de água é de 2003. “A lei não é das melhores, mas traz regras claras quanto à outorga. Na Faemg, orientamos os produtores a cumpri-las”, declarou.

Sobre a política estadual de meio ambiente, ele ressaltou que o corpo de fiscalização é muito bem aparelhado, mas não há qualquer preocupação com a educação ambiental. “Muitos problemas seriam evitados com educação ambiental”, afirmou. Ele denunciou a troca de 60% do corpo funcional da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e a falta de preparo dos novos servidores da pasta.

Por último, Carlos Alberto Oliveira defendeu o fortalecimento dos comitês de bacias hidrográficas. Ele disse que a Faemg vinha incentivando os produtores rurais a participarem dos comitês por acreditar na importância desses órgãos para o gerenciamento de recursos hídricos. Mas hoje, na avaliação da entidade, poucos funcionam a contento. “Vemos um esforço grande dos comitês, mas o poder de realização tem sido pequeno. Acho que a comissão deveria ocupar mais seu tempo com o fortalecimento dessas instâncias”, defendeu.

Cobrança pelo uso da água - Complementando o assunto, o gestor ambiental Leonardo Faria disse que os comitês que mais evoluíram foram os que conseguiram efetivar a cobrança pelo uso da água. “Minas Gerais é um Estado muito heterogêneo e a política pública realmente não trata os diferentes de forma diferente”, disse, referindo-se às regiões mais pobres do Estado. No entanto, ele acredita que a situação vem melhorando, “mas não na velocidade que a sociedade espera”.

Várias regiões já vivem conflitos pelo uso da água

O presidente da comissão, deputado Almir Paraca (PT), lamentou que várias regiões do Estado já vivenciam conflitos abertos envolvendo o uso da água. Ele contou que, em reunião relizada em Buritis (Noroeste de Minas), uma ONG de defesa do Rio Urucuia pediu ajuda porque pequenos produtores rurais estavam com dificuldade de acesso à agua devido à construção de barragens irregulares.

Sobre a agricultura familiar, o deputado disse que esse segmento enfrenta dificuldades diversas, sendo a principal a econômica, evidenciada pela incapacidade de adquirir equipamentos e contratar técnicos, por exemplo.

“Se a política para os recursos hídricos não for repensada, a guerra pela água vai se agravar ainda mais”, afirmou o deputado Antônio Carlos Arantes (PSDB). Ele ainda criticou a burocracia estatal, principalmente na área ambiental. “Tenho visto muito papel e pouco resultado prático. Vai muito dinheiro pelo ralo em vez de chegar ao meio ambiente”, continuou.

Comitês de bacias sofrem com falta de estrutura

O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Piracicaba, Iusifith Chafith Felipe, reclamou que essas entidades estão sofrendo um enfraquecimento: muitas não têm sede nem estrutura. “Na minha região, acionamos a polícia ambiental e ela diz que não tem gasolina nem dinheiro para fiscalizar”, criticou.

Tratando especificamente do seu comitê, ele disse que as deliberações do órgão precisam ser respeitadas. “O uso da água deve observar critérios técnicos", defendeu. Sobre o apoio do governo aos comitês de bacia, Chafith disse que eles não querem a tutela do Estado, mas sua parceria. “Já fizemos plano diretor e cadastro de usuários; estimulamos as prefeituras a fazerem seus planos municipais de saneamento, mas tem faltado a retaguarda do Governo do Estado”, lamentou.

Pessimismo - Por fim, o superintendente de Meio Ambiente e Recursos Naturais da Copasa, Tales Heliodoro Viana, foi pessimista em relação ao cenário atual. “A pressão sobre os recursos hídricos é absurda. Passamos por um momento crítico em Minas, pois não há controle do uso da água e não existe estrutura de abastecimento que possa controlar o problema que temos hoje", afirmou. Para conter o avanço da degradação, ele defendeu a educação ambiental como forma de conscientizar as pessoas.

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