Comissão de Direitos Humanos debateu perseguições sindicais no período da ditadura, considerando-se como desdobramento de ciclo de debates realizado na ALMG
Segundo Joaquim, os sindicalistas eram sempre procurados e ameaçados
Parlamentares relembraram que o encontro foi um desdobramento de ciclo de debates realizado pela ALMG

Ex-sindicalistas relatam perseguição na ditadura

Lideranças dos movimentos camponês e operário foram vítimas de torturas e prisões arbitrárias no regime militar.

27/08/2014 - 13:25 - Atualizado em 27/08/2014 - 14:35

Na reunião da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada nesta quarta-feira (27/8/14), sindicalistas relembraram a repressão do período ditatorial e falaram de perseguições, intervenções nas entidades representativas, prisões e torturas. Alguns afirmaram ainda que, sob alguns aspectos, a repressão persiste ainda hoje.

O diretor regional da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetaemg) no Vale do Mucuri, Joaquim Pereira da Silva, contou que ajudou na criação do primeiro sindicato rural do País, ainda na década de 1950, em Poté. Depois, outros sindicatos foram criados na região e o movimento estava em crescimento quando veio o golpe militar em 1964. “Achamos que avançaríamos com os trabalhadores, que conquistaríamos direitos, mas nossa alegria durou pouco”, lembrou.

De acordo com ele, pouco depois do golpe ele foi preso com dois outros representantes da diretoria do sindicato. Levados a Teófilo Otoni, foram deixados por mais de um dia sem comida e dormiram com mais de 40 pessoas em uma sala. Silva contou ter sido solto ao fim do segundo dia na prisão, depois da intervenção de um padre e um bispo que apoiavam as lutas dos camponeses.

“Felizmente não fomos torturados fisicamente, mas passamos os anos sendo torturados psicologicamente. Éramos sempre procurados e ameaçados. Queriam que denunciássemos o padre e o bispo que nos ajudava”, continuou. Outros militantes tiveram menos sorte e foram torturados fisicamente e assassinados. Silva afirmou que 47 sindicatos rurais de Minas Gerais foram fechados nessa época. “O movimento camponês perdeu seu caráter reivindicatório e hoje os sindicatos funcionam quase como posto previdenciário”, lamentou.

Também representante dos trabalhadores rurais, Maria Aparecida Rodrigues de Miranda, de Unaí (Noroeste de Minas), confirmou que certas lutas foram perdidas e, na tentativa de recuperá-las, muitas pessoas morreram, já na década de 1980. “Grandes projetos de reflorestamento e o aprofundamento do capitalismo tinham expulsado, com muita violência, os camponeses”, disse. O pai de Miranda foi um dos mortos nesse período. “Em muitos casos, nem chegaram a ser abertos os inquéritos. Em outros, jagunços e fazendeiros foram inocentados sempre com o argumento de que a propriedade da terra é sagrada”, afirmou.

O ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bocaiuva (Norte de Minas), Juarez Teixeira Santana, afirmou que não apenas os efeitos do período militar são sentidos até hoje, mas também as práticas. Apesar de acreditar que alguns avanços foram alcançados, ele salientou que ainda há interferência na vida dos trabalhadores rurais e perseguição àqueles que confrontam o modelo de desenvolvimento desejado pelos latifundiários.

No mesmo tom, o ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte, Contagem e Região, Ênio Seabra, disse que os sindicatos continuam sendo perseguidos até hoje. Ele reclamou, principalmente, das restrições feitas pelas empresas para que representantes dos sindicatos trabalhem em suas dependências.

Intervenção em sindicatos foi constante na ditadura

O ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de João Monlevade (Região Central do Estado), João Paulo Pires Vasconcellos, destacou a força que as indústrias ganharam durante a ditadura. Ele fez um relato dos momentos imediatamente posteriores ao golpe militar e lembrou que foram nomeados como interventores no sindicato funcionários da então Belgo Mineira. Mesmo esses interventores teriam se negado a homologar demissões de trabalhadores que já tinham o direito à estabilidade. Por isso, a diretoria da empresa teria procurado um juiz da comarca que acabava assinando as rescisões contratuais. Mais de 400 operários teriam sido demitidos dessa forma.

Ele lembrou ainda da reivindicação, feita a partir de 1972, para que fossem revistos os turnos de trabalho, que na época não ofereciam nem um dia de descanso semanal. A empresa teria desobedecido inclusive ordem do Ministério do Trabalho para essa alteração. Foi necessário paralisar a Belgo Mineira por muitas semanas para ter a reivindicação atendida.

Resgate da memória dos operários

De acordo com o deputado federal Nilmário Miranda (PT-MG), foram 1.300 intervenções em sindicatos no Brasil durante o período militar. O doutor em Ciência Política e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Michel Marie Le Ven, salientou a importância da luta operária na resistência à ditadura e destacou a necessidade de se resgatar a memória do sindicalismo. “A vida tem sequência e o passado é rico para nos ajudar a viver hoje. É preciso colocar no lugar certo a história da classe operária”, disse.

A coordenadora da Comissão da Verdade em Minas Gerais, Celina Albano, incentivou os presentes a contarem suas histórias para o grupo coordenado por ela. “Precisamos fazer um levantamento para que vocês façam das suas memórias uma arma forte”, disse. Outro representante da comissão, Jurandir Persichini, afirmou que estão sendo feitos levantamentos dos sindicatos que sofreram intervenção nesse período, dos assassinatos e da repressão no campo.

Dívida histórica - O deputado Durval Ângelo (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos, lembrou que o encontro foi uma das reuniões que a comissão está realizando desde o Ciclo de Debates Resistir Sempre: Ditadura Nunca Mais - 50 anos do Golpe 64, realizado nos dias 31 de março e 1º de abril. Ele afirmou que a ALMG tem uma dívida histórica por ter apoiado a ditadura em muitos momentos e que as reuniões são uma forma de ajudar a preservar a memória histórica.

O deputado Rogério Correia (PT) disse que a luta dos operários precisa continuar para que novos direitos sejam conquistados.

Consulte o resultado da reunião.