Comissão debateu o aumento expressivo das situações de violência contra a mulher em Nanuque, no Vale do Mucuri
O delegado João Marcos pediu o apoio da Assembleia
Segundo o major PM Luciano, muitas mulheres não denunciam seus agressores

Violência contra a mulher em Nanuque preocupa deputados

Audiência pública da Comissão de Assuntos Municipais aborda alternativas para conter aumento do número de casos.

22/08/2014 - 17:24

O número de ocorrências de violência contra mulher em Nanuque, no Vale do Mucuri, cresceu 140,8% de 2013 para 2014, no período de 1ª de janeiro a 20 de agosto, segundo dados da Polícia Civil. Já foram registradas 236 ocorrências desse tipo neste ano, contra 98 no mesmo período do ano passado. Foram 199 casos em todo o ano passado, o que projeta um crescimento vertiginoso do problema até o final do ano.

Esses números foram apresentados nesta sexta-feira (22/8/14), em audiência pública da Comissão de Assuntos Municipais e Regionalização da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). O debate aconteceu atendendo a requerimento da vice-presidente da comissão, deputada Luzia Ferreira (PPS).

Nas discussões, o consenso é de que o poder público precisa reforçar a estrutura de atendimento à violência contra a mulher, combatendo a sensação de impunidade. No caso de Nanuque, já há até uma delegacia da mulher, mas a unidade não dispõe de espaço físico específico e a cidade carece de efetivo policial para dar conta dos casos. Um exemplo disso é que em 2013 foram instaurados 165 procedimentos de medida protetiva, visando a dar segurança às mulheres ameaçadas. Esse número é de apenas 84 neste ano, mas segundo o titular da Delegacia Especializada em Crimes contra a Mulher, João Marcos de Almeida, a queda é reflexo da falta de policiais para dar andamento aos casos.

Nanuque tem cerca de 40 mil habitantes e a proximidade das divisas com a Bahia e o Espírito Santo tem trazido crescentes problemas de segurança pública, devido à circulação de muitos trabalhadores sem qualquer vínculo com o município, atraídos, por exemplo, pela produção de cana-de-açúcar. A cidade é referência para outras 16 cidades da região, situadas inclusive em outros Estados, com uma área de influência onde vivem cerca de 250 mil pessoas.

Falta de estrutura sobrecarrega a Polícia Civil

“A mulher que nos procura é prontamente atendida. Os outros casos não temos condição de ir atrás”, lamentou o delegado João Marcos de Almeida, que deu o depoimento mais contundente da audiência pública. Com a experiência de quem trabalhou cinco anos na Delegacia de Mulheres de Belo Horizonte, o delegado atualmente acumula a investigação de todos os outros tipos de crimes na cidade, mas dispõe de apenas cinco policiais para isso – os outros 16 investigadores e quatro escrivães dão conta de outras demandas, inclusive administrativas, como o trânsito, por exemplo.

Servidores emprestados pela prefeitura e pela Câmara Municipal reforçam o quadro de funcionários da Polícia Civil em Nanuque. “O número de policiais civis em Minas hoje é menor do que na década de 1980. No ano passado foram efetivados 420 delegados em concurso público, mas mais de 100 já saíram”, denunciou o policial.

Ainda de acordo com o delegado, na origem do problema estão sobretudo a baixa remuneração e precárias condições de trabalho. “Hoje, só com idealismo para continuar trabalhando. Uma investigação bem feita gera provas para o Ministério Público, e é por falta disso que muitas vezes a pessoa entra hoje no sistema carcerário e já sai amanhã, reforçando a sensação de impunidade”, afirmou. O policial pediu o apoio da Assembleia de Minas para garantir um maior aporte de recursos para dar conta do problema.

O delegado regional de Polícia Civil de Nanuque, Alfredo Ferreira de Menezes, também reconheceu o aumento de casos de violência contra a mulher, lamentando a falta de um espaço físico adequado para dar melhor atendimento à população. “Estamos sensíveis ao problema, e os casos que nos chegam têm merecido o encaminhamento adequado”, apontou.

PM dá primeiro atendimento e Creas também acolhe vítimas

O comandante da 24ª Companhia Independente da Polícia Militar em Nanuque, major Luciano Freire Fonseca, afirmou que os números apurados pela corporação são bem inferiores aos da Polícia Civil: 44 ocorrências de violência doméstica desde 2012, com apenas uma tentativa de homicídio registrada ainda em 2012. Mas isso não é motivo para comemorar. Segundo ele, a PM faz apenas o registro inicial do fato, daí a divergência.

“Esse é um mal oculto na nossa sociedade”, definiu o oficial, lembrando ainda a grande proporção de mulheres que não denunciam seus agressores. Segundo ele, somente neste ano a PM de Nanuque foi notificada pela Justiça para viabilizar 80 medidas protetivas, que têm o objetivo de garantir segurança às vítimas. Além disso, os policiais militares também realizam um trabalho de visitas tranquilizadoras para tentar coibir o problema.

“O caso da Lei Maria da Penha é significativo. Ela surgiu da constatação da falta efetiva de proteção do Estado e dela surgiram outras ações. Mas foi difícil contextualizar o problema no papel, por meio da lei, e é mais difícil ainda implementar as medidas necessárias. Trata-se de uma forma de violência no seu mais alto grau, pois muitas vezes a mulher se cala porque depende do agressor”, resumiu o comandante.

Por sua vez, o promotor Agenor Andrade Leão ressaltou que, apesar das dificuldades, debates como o promovido pela ALMG tornam mais legítima a ação dos agentes estatais. “É fato que o Estado precisa se aparelhar melhor para fazer frente a esse tipo de violência, mas a população também precisa abraçar essa causa. De nada adianta criar novas estruturas se a população não nos ajudar nesse trabalho”, disse.

Casa de apoio - Muitos casos de violência doméstica chegam ao Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) de Nanuque antes do conhecimento da polícia. Sua coordenadora, Nivalda Soares Dias, diz que uma equipe multidisciplinar tenta, na medida do possível, dar o apoio necessário para que a vítima tenha coragem de denunciar o agressor.

“Mas ainda precisamos instalar uma casa de apoio onde essas mulheres possam ficar. Muitas são inclusive de cidades de outros Estados e chegam até nós após todos os seus direitos serem violados”, pontuou Nivalda Dias.

Assassinatos de mulheres aumentam no Brasil

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que o Brasil é o sétimo país no ranking mundial de assassinatos de mulheres, com uma taxa de 4,4 homicídios em 100 mil mulheres. Entre 1980 e 2010 foram assassinadas mais de 92 mil mulheres no Brasil, 43,7 mil somente na última década, segundo o “Mapa da Violência” divulgado em 2012 pelo pelo Instituto Sangari. De acordo com o estudo, o número de mortes nesse período passou de 1.353 para 4.465, que representa um aumento de 230%.

A edição 2013 do mesmo estudo aponta ainda que, de 2001 a 2011, o índice de homicídios de mulheres aumentou 17,2%, com as mortes de mais de 48 mil brasileiras. Só em 2011, mais de 4,5 mil mulheres foram assassinadas no País. De acordo com informações levantadas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), metade desses crimes são com o emprego de arma de fogo, e em um terço dos casos acontecem na casa das vítimas, em sua maioria jovens e negras. Em Minas Gerais, somente em 2013, em média 17 mulheres foram mortas por dia.

Deputada lembra que 'pedido de socorro' motivou debate

A deputada Luzia Ferreira reconheceu que a falta de uma melhor estrutura para atendimento das mulheres vítimas de violência leva ao aumento de casos e reforça a sensação de impunidade. “A missão da Assembleia é ecoar as demandas que a população apresenta. Recebemos as denúncias de vários casos na região, agendamos esse debate e agora faremos de tudo para dar uma resposta a esses pedidos de socorro”, afirmou.

A parlamentar lembrou ainda o trabalho positivo realizado por uma comissão especial sobre o mesmo tema que funcionou na ALMG em 2012. Ao final de oito meses, foram sugeridas uma série de medidas, algumas já efetivadas pelo Estado, como a melhoria da coleta de dados no sistema de Registro de Eventos de Defesa Social (Reds), a instalação de duas novas varas especializadas na Justiça, ambas em Belo Horizonte, e a adoção de tornozeleiras eletrônicas em casos de agressores que tiveram instauradas contra si medidas protetivas.

“Não podemos mais conviver com essas tragédias diárias. Lutamos para que o Estado encare isso como um problema social grave e interrompa esse círculo vicioso, que só vai acabar com o fim da impunidade. Para isso é necessária uma melhor articulação entre os órgãos públicos”, avaliou a deputada.

Na mesma linha, o deputado Carlos Pimenta (PDT) lembrou que cabe agora aos deputados fazer o “dever de casa” com base nas conclusões da audiência pública. Seis requerimentos sobre as demandas apresentadas na audiência pública foram apresentados ao fim dos trabalhos e devem ser votados na próxima reunião da comissão.

“A segurança pública é uma parte importante do trabalho da Assembleia. Um exemplo disso são as atividades da Comissão do Crack”, apontou. O deputado destacou ser importante, paralelamente, atuar contra outras formas de violência contra a mulher, como a violência econômica, que sujeita a mulher a condições desfavoráveis de sobrevivência na comparação com os homens.

Já o deputado Celinho do Sinttrocel (PCdoB) traçou um panorama histórico da luta contra a violência que vitima a mulher no Brasil, que começou ainda na década de 1980 e teve como pontos altos a criação, em 1985, da primeira delegacia da mulher e, em 2006, a promulgação da Lei Maria da Penha.

“Devemos parabenizar as mulheres que não se silenciam e denunciam a violência. Essa é uma preocupação de toda a sociedade, originada de condições históricas e que traz contradições de gênero, etnia e de classe. Essa violência, que é um problema mundial, se manifesta diferente em cada período e deve ser desconstruída ao longo do tempo”, analisou.

Cobrança - O prefeito de Nanuque, Ramon Ferraz Miranda, fez coro aos demais debatedores e cobrou mais apoio do Estado e da União, sobretudo na forma de recursos, para que sejam efetivadas ações que rompam com esse ciclo de violência. “É uma violência que nasce dentro dos nossos lares, e discussões como essas são importantes”, destacou. O presidente da Câmara Municipal, vereador Rivaldo Monteiro da Silva, também cobrou mais recursos para que a cidade reverta esse quadro. “As mulheres estão conseguindo seu espaço na sociedade, mas mesmo assim a violência não diminui”, acrescentou.

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