O professor do Instituto de Ciências Agrárias da UFMG, Eduardo Magalhães Ribeiro, participou do segundo dia de discussões de ciclo de debates na ALMG

Professor aponta entraves no avanço da agricultura familiar

Eduardo Magalhães ressalta, no entanto, que as conquistas e a participação do setor aumentaram ao longo dos anos.

21/08/2014 - 13:20 - Atualizado em 21/08/2014 - 16:01

A dificuldade das prefeituras em operacionalizar os programas estaduais e federal, a falta de articulação entre as agências públicas e a ausência de pesquisa adaptada para a agricultura familiar foram os principais entraves para o avanço do setor apontadas pelo professor do Instituto de Ciências Agrárias da UFMG, Eduardo Magalhães Ribeiro. Ele participou, na manhã desta quinta-feira (21/8/14), do segundo dia do Ciclo de Debates Agricultura Familiar: Mãos que Alimentam e Cuidam do Planeta, no painel “A sustentabilidade econômica, ambiental e social da agricultura familiar e a sucessão rural”. Os debates acontecem no Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) até esta sexta-feira (22).

Por outro lado, Eduardo Magalhães destacou os avanços no setor, principalmente na capacidade de organização dos agricultores familiares. Informou que Minas Gerais detém quase 10% do total de agricultores familiares no Brasil e que, em Minas Gerais, o setor corresponde a 80% dos estabelecimentos rurais, a 70% da população do campo e é responsável por um terço do PIB agropecuário mineiro. “Além disso, existe o aspecto cultural de que todos nós mineiros nos orgulhamos, que é a nossa comida típica”, disse o professor da UFMG.

Eduardo Magalhães também apontou como aspectos positivos da agricultura familiar o fortalecimento das entidades e sindicatos, a diversificação e melhoria das políticas públicas, a conquista e reconquista do mercado e a evolução da renda do agricultor familiar. "Tivemos um salto de qualidade em direção à sustentabilidade da agricultura familiar”, afirmou.

Em relação aos entraves, Eduardo Magalhães cobrou valorização e melhora do aparelhamento das secretarias municipais de agricultura para ajudar em uma caminhada mais consistente da agricultura familiar. Também ponderou que as agências públicas não conversam entre si e que, por isso, de acordo com ele, não existe complementariedade dos programas e ações.

Sobre a ausência de pesquisa adaptada para a agricultura familiar, Eduardo Magalhães destacou que o setor tem estilo e produções próprias, com vínculos locais e voltado para a comunidade rural. Na opinião do professor da UFMG, sem a pesquisa adaptada haverá sempre um hiato entre os recursos destinados ao setor e sua verdadeira capacidade.

Professora defende envolvimento da sociedade

O envolvimento da sociedade na promoção da agricultura familiar é o principal desafio para ampliar a atividade no Estado e no País. Essa é a avaliação da professora adjunta do Departamento de Geografia da UFMG, Maria Luiza Grossi, que também participou do painel “A sustentabilidade econômica, ambiental e social da agricultura familiar e a sucessão rural”, na manhã desta quinta (21). Ela destacou, ainda, que esse envolvimento vai possibilitar a ampliação do aprendizado e da troca de saberes, para mostrar as muitas faces e a diversidade da agricultura familiar e de seus atores.

Segundo Maria Luiza Grossi, o desenvolvimento sustentável da agricultura familiar deve estar baseado nos princípios social, cultural, ecológico, ambiental, territorial, econômico e político. Ela lembrou, também, que a sustentabilidade é aquilo que pode ser sustentado no tempo, no espaço, na memória e no viver das pessoas. E acrescentou que se trata da produção, do abastecimento, do consumo, da autonomia dos homens e do conjunto das substâncias necessárias à conservação da vida.

A professora da UFMG também ressaltou a importância do jovem no mundo rural e lembrou que é muito difícil para quem vivencia experiências entre o urbano e o rural que possa querer continuar no campo, principalmente ao encontrar patamares constrangedores de cidadania rural. Como exemplo, ela citou que a renda média mensal do trabalhador rural que é de R$ 360, ao passo que na zona urbana o salário médio é de R$ 1.017. “É importante entender essas duas dimensões e criar políticas públicas que dêem estrutura e base de envolvimento da população jovem com o mundo rural”, concluiu.

Governo apresenta dados de financiamento na área

O assessor de Gestão Estratégica e Inovação da Subsecretaria de Estado de Agricultura Familiar e Regularização Fundiária, Felipe Gomes Ribeiro Passos, apresentou dados sobre os investimentos previstos para a área no âmbito estadual. Segundo ele, para o Orçamento de 2014, estão autorizados recursos de aproximadamente R$ 7,3 milhões.

De acordo com Passos, dentro desse montante, estão inseridos programas e projetos como o “Fortalecimento da agricultura familiar para o abastecimento alimentar”, com crédito autorizado de R$ 1,091 milhão. Outros programas citados por Passos foram o “Garantia de renda mínima aos agricultores” (R$ 3,4 milhões); o “Fomento à atividade produtiva e à organização da agricultura familiar” (R$ 1,3 milhão); o “Apoio à comercialização da agricultura familiar” (R$ 700 mil); e o “Apoio ao crédito fundiário” (R$ 100 mil).

Ao falar sobre as ações que têm abrangência intersetorial, ou seja, que envolvem outros órgãos e secretarias, ele citou o projeto “Cultivar, Nutrir e Educar”, que é a principal iniciativa da subsecretaria e conta com recursos mais expressivos, da ordem de R$ 171,3 milhões. Esse projeto é fruto de uma parceria da subsecretaria com as Secretarias de Estado de Saúde, de Educação e de Governo.

O assessor também citou outros projetos intersetoriais, como o “Assistência técnica e extensão rural”, com recursos autorizados da ordem de R$ 33,4 milhões; o “Minas sem fome” e o “Queijo Minas Artesanal", que contam com recursos de R$ 6,4 milhões e R$ 120 mil reais, respectivamente. Todos esses programas contam com a parceria da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater).

Entre os programas que dispõem de mais recursos, Passos mencionou o “Leite para a Vida”, em parceria com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento e Integração do Norte e Nordeste de Minas e com o Ministério do Desenvolvimento Social (R$ 83,9 milhões) e o “Programa de Saneamento para todos”, que conta com o apoio da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional e Política Urbana (R$ 43,1 milhões).

Segundo ele, por meio da execução desses programas, alguns resultados já foram alcançados, como o fortalecimento da agricultura familiar para o abastecimento alimentar, uma vez que, desde 2011, 3 mil agricultores já estão capacitados e aptos a fornecer alimentos. Outros resultados apontados pelo assessor foram a garantia de renda mínima a mais de 41 mil agricultores familiares, o apoio a mais de 115 mil agricultores com crédito rural e mais de 6.500 processos de legitimação de posse em área rural regularizados.

Planejamento - O especialista em políticas públicas e gestão governamental da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag), Mateus Felipe dos Reis Martins, apresentou como se dá a construção do planejamento orçamentário do Estado e como as políticas voltadas para a agricultura familiar estão articuladas com esse planejamento.

Martins explicou que o primeiro instrumento do planejamento é o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (PMDI), que traz diretrizes em um âmbito macroeconômico, pois engloba o período de 2011 a 2030. A partir do PMDI, o Plano Plurianual de Ação Governamental (PPAG) traça os desdobramentos das estratégias, com os programas e metas. Em seguida, como ele explicou, é feita a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que possibilita a elaboração da Lei Orçamentária Anual (LOA), que, por sua vez, vai estabelecer as ações para o exercício governamental no período de um ano a partir da receita disponível. O especialista da Seplag ainda reforçou a intersetorialidade e a articulação das secretarias de Estado para a execução de programas ligados à agricultura familiar.

As discussões da manhã foram conduzidas pela deputada Maria Tereza Lara (PT), que destacou a importância do ciclo de debates e da participação popular no processo de revisão do PPAG, feito pelas diversas comissões da Assembleia que acompanham a aplicação do orçamento.

Reivindicação - O subsecretário de Estado de Agricultura Familiar, Edmar Gadelha, lembrou que essa pasta era uma reivindicação histórica dos movimentos sociais, que solicitavam uma instância estadual de diálogo e implementação das políticas públicas da área. Apesar dos avanços obtidos, ele reconheceu que os recursos disponibilizados estão aquém da “necessidade e do merecimento da agricultura familiar”.

Público pede mais recursos para agricultura familiar

A distribuição de recursos públicos para o agronegócio e a agricultura familiar, a assistência técnica rural e a educação no campo foram alguns dos assuntos discutidos durante a fase de debates, que contou com a participação do público presente no Plenário. De acordo com a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Valdete Sirqueira dos Santos, “o agronegócio está em disputa com o projeto da agricultura familiar”. Ela acredita que há uma má distribuição das verbas. “A menor fatia fica com a agricultura familiar”, disse. Segundo ela, isso é injusto, uma vez que o setor é quem realmente “leva o alimento para a mesa da nação brasileira”. Valdete Sirqueira defendeu, ainda, a realização de forma concreta da reforma agrária no País.

O representante da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fetaemg), Marcos Vinícius Dias, disse que continuam existindo desigualdades entre aqueles que estão no campo e os que estão na cidade. Ele falou sobre a importância de boas escolas rurais. “O jovem quer permanecer no campo, mas precisa de educação de qualidade”, destacou. Marcos Vinícius criticou o número reduzido de profissionais voltados para a assistência técnica rural em Minas. Na opinião do representante do Sindicato dos Trabalhadores em Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais, Carlos Augusto de Carvalho, a solução para o problema é fazer um processo de seleção para prover cargos na Emater. “A realização de um concurso público precisa vir com urgência”, salientou.

Antes do encerramento da fase de debates, o deputado Adelmo Carneiro Leão e a deputada Maria Tereza Lara, ambos do PT, defenderam mais integração entre as cooperativas e entre os diferentes níveis de governos no País, para a resolução de problemas na agricultura familiar. O deputado Adelmo Carneiro Leão pediu, também, mais recursos para a agricultura familiar. “É preciso acelerar o investimento na área”, disse. O parlamentar sugeriu, ainda, uma “política nutricional mais ousada” nas escolas, sob a perspectiva da agricultura familiar. “O alimento precisa chegar com um valor civilizatório, e não como ração”, frisou.