Comissão realizou audiência para obter esclarecimentos sobre a ocorrência de violação de direitos humanos no âmbito do 33º Batalhão da PM, em Betim
Débora Júlia Carvalho é viúva do cabo Cristian Pablo Silva
Jair Pontes disse que não houve interesse em prejudicar ninguém

Assédio moral teria levado cabo da PM ao suicídio

Denúncias foram feitas em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos nesta quarta-feira (16).

16/07/2014 - 13:37 - Atualizado em 16/07/2014 - 15:02

Denúncias sobre violações de direitos humanos dos policiais do 33º Batalhão da Polícia Militar, em Betim, foram tema de audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta quarta-feira (16/7/14). O deputado Sargento Rodrigues (PDT), autor do requerimento, apresentou, logo no início da reunião, textos publicados na intranet da corporação, memorandos, cartas e relatos de policiais para comprovar as denúncias, em sua maioria contra o comandante do 33º BPM, tenente-coronel Jair Antônio Pontes Neto.

De acordo com o deputado Sargento Rodrigues, o comandante perseguia os policiais que pediam licenças médicas, forçando-os a trabalhar mesmo diante dos atestados, em geral em postos vistos internamente como castigo. Em outras ocasiões, o tenente-coronel Pontes estaria pedindo a transferência desses policiais e ignorando pareceres de arquivamento relativos a sindicâncias nos quais policiais licenciados estariam sendo investigados.

O pronunciamento mais emocionante foi o de Débora Júlia Carvalho, viúva de um dos policiais que teria sido perseguido pelo comandante do 33º BPM. Seu marido, o cabo Cristian Pablo Silva, se suicidou há pouco mais de dez dias com um tiro na cabeça. Ela afirmou que ele fazia tratamento psiquiátrico há cerca de um ano e meio e, diante da descoberta de nódulos cancerígenos na cabeça da esposa, seus problemas psiquiátricos teriam se agravado. Assim, ele teria intensificado o uso dos remédios e o número de pedidos de licença – o que teria levado à perseguição do militar pelo tenente-coronel Pontes.

O cabo teria se suicidado durante o serviço. Ele estava trabalhando no policiamento a pé, em turno diverso do que estava originalmente escalado, situação que, segundo os presentes, caracterizaria castigo pelo uso de atestados médicos. De acordo com a viúva, ele teria interrompido o tratamento pouco antes para que a perseguição dirigida a ele cessasse.

Débora Carvalho contou ainda que, ao chegar à corporação dias depois para dar entrada em documentação para conseguir acesso a direitos previdenciários, o marido constava como vivo. “Meu salário é de R$ 800, tenho dois filhos, de 11 e 5 anos, estou em tratamento fazendo radioterapia e, quando abro a porta de casa, falta uma pessoa”, disse.

O advogado de Débora Carvalho, Jorge Vieira da Rocha, disse que pediu a abertura de sindicância sobre os acontecimentos. Segundo ele, os pedidos no processo são para que o tenente-coronel Pontes seja afastado e responsabilizado pelos acontecimentos. Ele disse que vai aguardar o resultado da sindicância para pedir indenização à família.

Tenente-coronel nega acusações

O tenente-coronel Jair Pontes se defendeu e disse que não houve interesse em prejudicar ninguém. “A demanda operacional é grande, o índice de criminalidade em Betim é alto e, para aproveitar melhor os recursos humanos e manter a operacionalidade da companhia, utilizamos esses militares em atividades menos desgastantes”, afirmou. Segundo ele, o policiamento a pé e a troca de turnos seriam formas de diminuir a carga de trabalho dos militares com saúde debilitada.

Sobre o cabo Cristian Silva, o comandante afirmou que só soube dos problemas psiquiátricos do militar depois do suicídio e que se colocou à disposição da viúva para ajudá-la no que for preciso. “Seguimos todas as recomendações médicas. Se dizem que não podem trabalhar à noite, não trabalham; se não podem andar armados, não andam”, disse.

O deputado Sargento Rodrigues questionou o comandante e leu relatos de militares sob as ordens do tenente-coronel Pontes, nos quais policiais afirmam que aqueles que recorrem a atestados médicos são perseguidos. Segundo os relatos, eles seriam forçados não a escalas de horário mais folgadas, como afirmou o comandante, mas a horários piores, com poucas folgas. O parlamentar lembrou, ainda, que outro militar se suicidou em Igarapé quando sob o comando do tenente-coronel Pontes e que também recebeu denúncias de abusos de quando ele era comandante em Juiz de Fora. “As denúncias são gravíssimas e te consideram 'o terror'”, disse ao comandante.

O deputado Cabo Júlio (PMDB) disse que outro policial do 33º BPM tentou se enforcar há dois dias. “A verdade é que a tropa está em desespero, e desse jeito, não dá para ficar”, disse. Ele apresentou documentos que determinam a transferência de alguns militares do batalhão sob a justificativa de que apresentaram atestados médicos. “Se existem dúvidas sobre um atestado, isso precisa ser levado para o Conselho Regional de Medicina para verificar se o médico está vendendo esses atestados, mas o policial não pode avaliar isso”, afirmou.

Entidades de classe defendem o comandante do 33º BPM

O presidente do Clube dos Oficiais, Edvaldo Piccinini Teixeira, defendeu o tenente-coronel Pontes e disse que é uma injustiça imputar-lhe a responsabilidade pelo suicídio do cabo Cristian Silva. "Ele pode ter errado, mas errou pensando no bem estar dos militares”, disse. Teixeira disse que conhece Pontes desde a infância. “Ele prestou concurso, passou e prestou 27 anos de serviços à Polícia Militar. Não crucifiquem esse comandante. Tenham certeza de que ele é um homem muito bem intencionado”, disse.

Adotou discurso parecido o tenente-coronel Ailton Cirilo, vice presidente da Associação dos Oficiais. “Achamos temerário imputar a responsabilidade da morte de um militar ao comandante sem aprofundamento nos fatos. Todos têm direito à ampla defesa”, disse. Segundo ele, o remanejamento realizado pelo tenente-coronel Pontes teria buscado atender aos interesses da coletividade.

A voz dissidente foi do presidente da Associação dos Praças, sargento Marco Antônio Bahia da Silva. Ele disse que tem recebido várias reclamações em relação ao tenente-coronel Pontes. “Claro que muitos policiais são chapeleiros e manipulam a corporação, mas não tentar separar o joio do trigo é ruim. Alguns militares realmente precisam de tratamento. A tropa tem, sim, um desgaste em relação ao tenente-coronel Pontes”, disse.

Porte de arma - O deputado Duarte Bechir (PSD) lembrou que há algum tempo a Comissão de Direitos Humanos realizou outra audiência na qual era solicitado porte de arma para um policial militar em tratamento psiquiátrico porque ele estaria sendo ameaçado. “Agora, em uma situação semelhante, adotamos uma postura diferente. Assistimos aqui a uma viúva relatando o suicídio do seu marido com a arma da corporação. E se tivéssemos dado a arma para aquele outro policial lá atrás?”, questionou. O deputado Sargento Rodrigues afirmou que, naquele caso, o comandante teria determinado o recolhimento da arma pessoal do policial, e não da arma da corporação.

O presidente da comissão, deputado Durval Ângelo (PT), disse que a atividade policial é uma das que mais gera doenças psíquicas no Brasil. “Claro que um pouco pela tensão permanente da atividade, mas isso é agravado pelo conceito ultrapassado de hierarquia, centrado em profundo assédio moral”, disse. O parlamentar afirmou que é necessário que o comando da Polícia Militar faça mudanças estruturais na corporação.

Providências - Os parlamentares aprovaram requerimentos para tentar resolver as questões apresentadas. Um deles foi do deputado Sargento Rodrigues, que pede o envio de ofício ao governador do Estado e ao comandante geral da Policia Militar solicitando abertura de inquérito para apurar as denúncias feitas durante a reunião e para pedir o afastamento do tenente-coronel Pontes. O mesmo parlamentar pediu também o envio de ofício ao Ministério Público para que o órgão apure as denúncias.

Deputados aprovam audiências públicas

Durante a reunião, também foram aprovados requerimentos referentes a outros assuntos. Um deles, do deputado Rogério Correia (PT) pediu a realização de audiência pública sobre as denúncias de abusos policiais durante a ocupação da sede da Urbel (Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte) por militantes de movimentos populares.

Já o deputado Durval Ângelo pediu duas audiências. Uma delas será para tratar de denúncias de cerceamento da liberdade sindical e abuso de autoridade apresentadas pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Extração do Ferro e Metais Básicos de Congonhas, Belo Vale e Ouro Preto. A outra audiência será sobre denúncias de violações de direitos sofridas pelos morados do bairro Novo Reno, em Coronel Fabriciano.