Rio São Francisco, na cidade de mesmo nome, se encontra bastante degradado
O Córrego Paracatu recebe todo o esgoto de Brasília de Minas e depois deságua no Rio São Francisco
João Naves de Melo considera que a revitalização do Rio São Francisco é prioridade
Represa da Jiboia necessita de cercamento para evitar que pessoas ou animais entrem na área
Rio Acari, no Norte de Minas, precisa ter suas cabeceiras recuperadas e as nascentes de seus afluentes protegidas
A gerente Vanderlene Nacif acredita que houve uma melhoria geral da qualidade das águas superficiais do Estado

Em meio à transposição, Rio São Francisco morre a cada dia

Levantamento do Igam feito em 2012 mostra que o rio é um dos mais poluídos de Minas Gerais.

Por Carlos Máximo
28/10/2013 - 08:00 - Atualizado em 29/10/2013 - 18:47

Apesar de ser objeto de um projeto de transposição no Nordeste do Brasil, o Rio São Francisco é um dos cursos d'água mais degradados de Minas Gerais, num trecho bem grande de seu leito no Estado onde nasce. O relatório de avaliação da qualidade das águas superficiais de 2012, elaborado pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), mostra que o Velho Chico apresentou nesse ano o pior resultado de densidade de cianobactérias.

O problema levou a Comissão Extraordinária das Águas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) até o município de São Francisco (Norte de Minas), onde foi realizada audiência pública em agosto deste ano. A comissão, criada em março deste ano com previsão de funcionamento por dois anos, tem como objetivos: realizar estudos e debates sobre a situação dos recursos hídricos do Estado; propor políticas públicas que promovam o uso sustentável da água, sua proteção e conservação; e propor a atualização dos instrumentos legais sobre o tema. Além disso, a ALMG realiza uma série de matérias e conteúdos especiais sobre a situação das águas no Estado.

Entre todos os rios do Estado, somente no São Francisco foi registrada a densidade de cianobactérias acima de 100 mil células por mililitro de água. Esse índice foi obtido a jusante (abaixo) da cidade de São Francisco, com o predomínio da bactéria Planktothrix sp. Além disso, medições efetuadas em três unidades de planejamento e gestão dos recursos hídricos situadas entre Três Marias (Região Central do Estado), no trecho a jusante da cidade, e Manga (Norte de Minas), apresentam o índice acima de 10 mil células/ml.

Para se ter uma ideia da gravidade desse quadro, a quantidade acima de 10 mil células/ml não permite a recreação de contato primário, segundo a Deliberação Normativa 01/08, baixada em conjunto pelos Conselhos Estaduais de Política Ambiental e de Recursos Hídricos. Isso significa que a água do São Francisco nesse trecho não é adequada para contato direto e prolongado, como acontece quando se nada ou se mergulha num rio e há grande possibilidade de o banhista ingerir água.

Trecho crítico - Tentando lidar com tamanho problema, já está em funcionamento o Comitê dos Afluentes Mineiros do Médio São Francisco (SF9), que atua na maior parte desse trecho crítico do rio. Um dos últimos comitês de bacias hidrográficas (CBHs) mineiros a ser formado, o SF9 foi criado em 2008 e não conta ainda com estrutura adequada, que permita uma atuação mais incisiva no combate às agressões ao chamado “Rio da Integração Nacional”.

Em audiência da Comissão Extraordinária das Águas realizada em agosto de 2013, o presidente do comitê, João Naves de Melo, avaliou que, antes de falar em transposição, deve-se promover com urgência a revitalização do São Francisco, por meio de ações efetivas de combate aos problemas que afetam o rio e seus afluentes no Norte de Minas. Na avaliação de Naves, o rio dá sinais de que está morrendo lentamente, como mostra a redução das águas e de peixes no seu leito, já com quantidade alta de cianobactérias. Ele citou vários exemplos de comunidades próximas ao rio que, ironicamente, não podem fazer uso da água, por estar poluída.

Para enfrentar o desafio de cuidar de uma bacia hidrográfica extensa e heterogênea, o Comitê dos Afluentes Mineiros do Médio São Francisco ainda conta com poucos recursos financeiros e materiais. Como o comitê SF9 ainda não conta com a cobrança pelo uso da água, fica dependendo totalmente dos repasses de recursos do Fundo de Recuperação, Proteção e Desenvolvimento Sustentável das Bacias Hidrográficas (Fhidro), que não vinham sendo feitos de forma regular.

Mesmo representando Minas em fórum nacional, projeto é rejeitado no Igam

Além da dificuldade pontual de falta de repasses do Fhidro, João Naves reclama que vários projetos elaborados pelo comitê, que abrange 24 municípios, são reprovados pelo órgão gestor do Fhidro, o Igam. Ele cita o projeto para recuperação e manutenção de uma barragem em São Francisco, a represa da Jiboia, no distrito de Santana do São Francisco, a qual atende a cerca de 2 mil pessoas. Abaixo da barragem, muitas atividades são desenvolvidas, dentre elas o plantio de hortas e pomares.

Segundo Naves, há cerca de dois anos o projeto foi escolhido pelo Fórum Mineiro de Comitês de Bacias para representar Minas Gerais no Fórum Nacional. “Mesmo com essa aprovação dos comitês de todo o Estado, o Igam reprovou o projeto, por detalhes técnicos”, lamenta. Apesar disso, Naves disse que o comitê continua atuando na represa, mesmo sem os recursos do Fhidro. “Se nada for feito, centenas de famílias que dependem daquela barragem ficarão sem água”, alerta.

Naves explica que pequenas intervenções emergenciais são providenciadas pelo próprio comitê, por meio de sua rede de parceiros. “Mas há coisas que não conseguimos fazer, pois são muito caras e ficamos dependendo de um aporte maior de verbas”, esclarece. Ele detalha que a Represa da Jiboia precisa ser toda cercada, para evitar que animais ou mesmo pessoas entrem nela e estraguem as margens e sujem as águas.

“A barragem também já tem muitos vazamentos e está perdendo muita água. Tudo isso tem que ser consertado para que ela retenha o máximo de água possível”, alerta o presidente do SF9, João Naves. Ele ressalta a importância de preservar a Represa da Jiboia, já que ela, juntamente com o Rio São Francisco, detém as únicas águas não subterrâneas da cidade. “Hoje, 95% do abastecimento do município é feito por meio de poços artesianos”, informa.

Capacitação - Para que esse e outros projetos para a bacia sejam aperfeiçoados, de modo a atender às exigências do Igam, uma equipe do comitê foi capacitada recentemente. “No mês passado, duas técnicas do Igam vieram a São Francisco e ministraram um curso de 16 horas sobre como fazer os projetos com captação de recursos do Fhidro", afirmou João Naves. Depois dessa atividade, ele já anunciou que o comitê vai encaminhar novamente o projeto para análise. “Esperamos que seja aprovado desta vez”, diz.

Outro projeto que o SF9 pretende encaminhar visa à recuperação do Rio Acari, que passa por Chapada Gaúcha, São Francisco e Pintópolis, no Norte de Minas. João Naves explica que o trabalho a ser desenvolvido é principalmente recuperar as cabeceiras do Acari, proteger as nascentes de seus afluentes e conscientizar os produtores rurais. “Já fizemos reuniões tentando sensibilizar os produtores, porque a situação lá é complicada. Estão fazendo pastos e plantio na beira do Acari e de seus afluentes, como no Rio Vieira, que é intermitente, e no Rio Lajes”, alerta.

De caráter ainda mais abrangente é o projeto de construção de cem barraginhas e outras barragens maiores, também com financiamento do Fhidro. De acordo com Naves, essas intervenções ajudariam a amenizar outra questão que preocupa o comitê: a sobrevivência do homem do campo, dificultada pela redução gradual da água dos rios. “Os poços tubulares também estão secando e caminhões-pipa não resolvem o problema”, lamenta ele, citando várias localidades de São francisco nessa situação, como os distritos de Marruás, Penedo e Novo Horizonte.

Igam comemora melhoria no índice de qualidade das águas

Responsável pela gestão dos índices de qualidade das águas no Estado, a gerente de Monitoramento Hidrometeorológico do Igam, Vanderlene Nacif, avalia que há motivos para comemorar os resultados do relatório anual de 2012. Na opinião dela, a melhoria geral da qualidade das águas superficiais e as várias ações do Governo do Estado permitem um certo otimismo. 

Mas Vanderlene reconhece que ainda há muito a ser feito, principalmente na bacia mais problemática do Estado, a do Rio das Velhas. Não é por acaso que nessa bacia se concentram as maiores ações do Governo do Estado, como a Meta 2014.

Veja a entrevista com a gerente Vanderlene Nacif

Tendo como base esse monitoramento da qualidade das águas de Minas em 2012, você acha que temos alguma coisa para comemorar?
Como a gente observa a melhoria da qualidade das águas de uma maneira geral e como tem havido ações do governo ao longo dos últimos anos em prol da melhoria da qualidade das águas, eu acredito que a gente tem motivo para comemorar, sim. Apesar dessa melhoria, a gente percebe, ao longo dos anos, uma alternância; em alguns anos, há melhora, em outros, há piora.

Explique um pouco como é feita essa medição.
São quatro campanhas anuais, feitas a cada trimestre, com 570 pontos de monitoramento no Estado. No resumo anual, temos 480 pontos de monitoramento, a chamada rede básica, na qual avaliamos 52 parâmetros nas campanhas completas (feitas no auge das chuvas e no auge da seca) e 19 parâmetros comuns a todos os pontos, mais aqueles que são característicos das fontes de poluição associadas a cada ponto de monitoramento nas campanhas intermediárias. Estas são as realizadas em períodos nem totalmente secos nem totalmente chuvosos. O trabalho é contratado no Cetec/Senai. Alguns dos 52 parâmetros são transformados em indicadores. No caso do Índice de Qualidade da Água (IQA), nove dos parâmetros são agrupados para gerar o indicador. O mesmo vale para Contaminação por Tóxicos (CT), com 13 parâmetros, e outros. Anualmente, consolidamos os dados dos trimestres fazendo essa apresentação para divulgar à sociedade a condição das águas dos nossos rios.

Pelo que observamos, o IQA do Rio das Velhas está muito ruim na RMBH, apesar de já haver uma ETE no Rio Arrudas, principal poluidor...
De fato, os pontos do Rio das Velhas com IQA muito ruim estão na RMBH, principalmente em Belo Horizonte e Sabará, o que é resultado do grande volume de esgotos domésticos. Quando vamos para o Baixo Rio das Velhas, a qualidade volta a melhorar.

Há o projeto estadual “Nadar e Pescar no Rio das Velhas”, com meta até 2010, que foi protelada para 2014. O que está sendo feito para se chegar a esse objetivo?
O projeto é de responsabilidade da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, com uma parte diretamente ligada ao Igam, que é o monitoramento. Várias ações têm sido feitas em conjunto com a Copasa e com os municípios, no sentido de promover a melhoria do tratamento dos esgotos. Onde não existe esse tratamento, trabalhamos para implantar essas estações, e onde ele existe, atuamos para melhorá-lo. A Copasa tem feito investimentos altos no saneamento. Também já está sendo trabalhada a recuperação de matas ciliares, para diminuir o aporte de sedimentos para os cursos d'água e, consequentemente, de contaminantes. O Igam tem também um projeto que abrange o Rio Piracicaba, na bacia do Rio Doce, e os rios Paraopeba e Pará, com esse mesmo foco, de trabalhar o saneamento e outras ações pela melhoria das bacias. Elas foram selecionadas com base no monitoramento, por terem sido consideradas as mais críticas e com água de pior qualidade. Há várias ações sendo desenvolvidas, mas temos muito ainda a caminhar.

Em 91% dos corpos d'água monitorados em 2012, o índice de cianobactérias ficou abaixo de 10 mil moléculas (máximo permitido para recreação de contato primário). Mas observamos que, de 2007 para cá, o índice tem piorado progressivamente (naquele ano, foi de 94,8%). Esse resultado mostra o aumento da degradação ambiental, ou não?
As cianobactérias se desenvolvem em função de ter disponíveis nutrientes para elas no ambiente, como fosfato, fósforo e nitrogênio. As fontes desses nutrientes são, muitas vezes, agricultura e principalmente os esgotos. Então, se há grande aporte de matéria orgânica e de nutrientes para o curso d'água, as cianobactérias vão se desenvolver. Na verdade, elas não dependem só dos nutrientes, mas também de fatores como, por exemplo, luminosidade e velocidade da água. Normalmente essas florações são mais comuns no período seco, mas temos observado que algumas florações estão ocorrendo no período chuvoso, o que não era comum. Sem dúvida alguma, a disponibilidade de fósforo é indispensável para a floração das cianobactérias, e o maior aporte é por meio do esgoto sanitário, principalmente da Região Metropolitana de Belo Horizonte, na bacia do Rio das Velhas.

Como o cidadão comum pode denunciar alguma ocorrência ambiental, como deposição de lixo industrial, lançamento de esgotos?
O cidadão pode fazer a denúncia à Secretaria de Meio Ambiente, que vai fazer uma fiscalização para apurar o que está sendo denunciado. Daí, alguma medida vai ser tomada para reverter a situação.

Denúncias ambientais podem ser feitas no site do Igam

Se quiser denunciar alguma ocorrência ambiental, o cidadão tem um canal aberto para se manifestar, mesmo que anonimamente. Qualquer denúncia em relação a lançamento de dejetos industriais ou de esgotos e desmatamento, por exemplo, pode ser feita através dos seguintes meios:

  • no site do Igam;
  • pelo LigMinas: telefone 155, opção 7 (Sistema Estadual de Meio Ambiente), de segunda a sexta, das 7 às 19 horas;
  • pelo e-mail denuncia@meioambiente.mg.gov.br, preenchendo e enviando o formulário para denúncia;
  • pelo correio ou presencialmente, preenchendo o formulário e encaminhando-o para Cidade Administrativa do Estado de Minas Gerais (Rodovia Prefeito Américo Gianetti, s/n. Prédio Minas, 1º andar, bairro Serra Verde - BH/MG, CEP 31630-900). No envelope, escrever Diretoria de Atendimento às Denúncias do Cidadão e de Órgãos de Controle.