Águas cristalinas de afluente do Rio Jaguari, o Ribeirão das Posses, que tem todo o seu leito protegido pelo projeto Conservador das Águas
Extrema, na Serra da Mantiqueira, recebe reconhecimento internacional por seu projeto de conservação de nascentes
O criador e gestor do Conservador das Águas, Paulo Henrique Pereira, fala com orgulho de seu projeto
Sidnei Rosa diz que tem sido procurado por produtores da região interessados em aderir ao projeto
Intervenções do projeto na fazenda de José Fonseca: bebedouros para o gado e plantação de assapeixe para recomposição da mata ciliar
Seu Zé Moisés concedeu entrevista na sede da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, que fica em parque com grande área verde

Iniciativa mineira de preservação de águas obtém prêmio

Município de Extrema recebeu o Prêmio Internacional de Dubai, que reconhece ações para melhorar as condições de vida.

Por Carlos Máximo
14/10/2013 - 08:00 - Atualizado em 16/01/2014 - 11:18

Extrema recebeu esse nome adjetivado devido à sua localização, no Sul de Minas, já na divisa com São Paulo, mas, desde março de 2013, o adjetivo ganhou outra conotação. O município recebeu um prêmio que também pode ser considerado extremo: entre cidades do mundo inteiro, a cidade, com seus pouco mais de 25 mil habitantes, recebeu o Prêmio Internacional de Dubai de melhores práticas para melhoria das condições de vida.

A premiação se deve ao bem-sucedido projeto implantado na zona rural da cidade, Conservador das Águas, em que os produtores rurais recebem pagamento por fazerem a adequação ambiental de suas propriedades. A distinção foi concedida pelo Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) e pela prefeitura de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. O projeto já vinha obtendo reconhecimento nacional, como demonstram os prêmios recebidos da Caixa Econômica Federal, Fundação Dom Cabral, Furnas, Eletrobrás, Rede Globo, dentre outros.

Boas práticas como as adotadas em Extrema são objeto de interesse da Comissão Extraordinária das Águas, criada em 13 de março do ano passado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que realiza uma série de matérias e conteúdos especiais sobre o tema. Com previsão de funcionamento de dois anos, a comissão tem como objetivos: realizar estudos e debates sobre a situação dos recursos hídricos do Estado; propor políticas públicas que promovam o uso sustentável da água, sua proteção e conservação; e propor a atualização dos instrumentos legais sobre o tema.

Abastecimento de São Paulo - Iniciado há mais de sete anos, o projeto Conservador das Águas inovou ao propor o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) aos produtores rurais que atuem na proteção e restauração de áreas de nascentes em suas propriedades. Como resultado dessa ação, são preservados os mananciais da bacia do Rio Jaguari, curso d'água estratégico para o abastecimento hídrico da maior cidade do País: São Paulo (SP), com seus mais de 11 milhões de habitantes.

O idealizador, Paulo Henrique Pereira, secretário de Meio Ambiente de Extrema, explica que, para viabilizar o projeto, a prefeitura tomou a frente e firmou parcerias com órgãos federais e estaduais, além de comitês de bacias, ONGs e empresas. Todas essas entidades contribuem com recursos para um fundo municipal, que é o responsável pelos pagamentos aos produtores rurais.

Como destaca Paulo Pereira, para promover a adequação ambiental, são desenvolvidas algumas ações no sentido de proteger a cobertura florestal e conservar o solo da propriedade rural envolvida, além de outras intervenções voltadas para o saneamento ambiental. Dessa forma, ao aderir ao projeto, o produtor rural passa a ter compromisso com as metas estabelecidas e, a partir daí, começa a receber os recursos financeiros do fundo municipal criado para custear os repasses, e ainda apoio técnico da prefeitura.

Criador do projeto aponta caminhos para cidades interessadas

Na entrevista a seguir, o “pai” do Conservador das Águas, Paulo Henrique Pereira, fala com propriedade e entusiasmo sobre sua “cria”. Além de fazer um balanço sobre o projeto, tratando dos avanços e de aspectos em que é necessário evoluir, ele aponta caminhos que julga adequados para outros municípios que queiram desenvolver experiências semelhantes.

Veja a entrevista com gestor Paulo Henrique Pereira

Qual o balanço que você faz do projeto como um todo, do início até hoje?
Quando começamos, havia 22 proprietários com contratos assinados; hoje são mais de 150. Então, o projeto evoluiu tanto em termos de área abrangida quanto em ações. Cresceu também na nossa capacidade de execução, na qualidade dos serviços e da restauração florestal, na capacitação do pessoal, na visão dos agricultores sobre a conservação das áreas e de solo e sobre o saneamento ambiental. Mostramos que é possível unir preservação ambiental e produção agrícola e, ao mesmo tempo, valorizar o agricultor por isso.

Entre os requisitos do projeto está a implantação do sistema de saneamento ambiental na propriedade. Isso já é realizado?
É realizado em três frentes nas propriedades rurais: para melhoria do abastecimento de água, fornecemos caixas d'água; no tratamento de esgoto, instalamos biodigestores; e a Prefeitura implanta a coleta seletiva do lixo. Então, o projeto não está pronto, está evoluindo para conseguirmos a adequação ambiental na propriedade, pensando em três áreas: conservação do solo e cobertura florestal; saneamento ambiental; e produção agrícola. A ideia não é que o produtor abandone sua propriedade, e sim, que produza de forma sustentável.

O Conservador das Águas teve como referência principal o projeto Produtor de Água, da Agência Nacional das Águas (ANA). E você já foi à ALMG falar sobre o projeto, que serviu de base para a criação do programa Bolsa Verde. O que falta para que os projetos estadual e federal deslanchem também?
Tanto o programa estadual quanto o federal não avançaram muito porque não têm um agente executor local, o que é fundamental. Tem que ter uma relação forte com os agricultores, para convencê-los a participar e ganhar a confiança deles, assumir compromissos, executar as ações combinadas. Tudo requer um comprometimento muito grande, e a União e o Estado estão distantes das pessoas. Então, esse é o diferencial: nós estamos cumprindo os compromissos que assumimos com os agricultores. Além disso, um projeto com essa concepção é intersetorial. Temos que atuar em vários setores de maneira conjunta, como, por exemplo, área florestal, conservação do solo, saneamento, educação, saúde, transporte.

Cerca de 70% dos cursos d'água morrem em função de estradas vicinais mal feitas e mal conservadas. O Conservador das Águas atua nesse sentido?
Um dos principais problemas das bacias hidrográficas é o das estradas vicinais, que muitas vezes, estão ao longo dos cursos d'água. O projeto tem esse componente como um dos principais, e envolve a construção e a melhoria de trechos de estradas, a construção de barraginhas. Construímos mais de mil delas ao longo de nossas estradas, com a capacidade de reter muita água, evitando erosões e assoreamento dos cursos d'água.

Qual é a contribuição dos comitês de bacia hidrográfica (CBHs)* para o sucesso do projeto?
A participação dos comitês é fundamental. Quando ficamos sabendo do programa Produtor de Água, em 2002, foi numa reunião do comitê. Lá, sempre discutimos a forma do projeto, o arcabouço legal com outras entidades que estão no comitê. Além disso, eles sempre nos apoiaram financeiramente, do ponto de vista de elaboração do projeto, no início, e agora, no pagamento aos agricultores. Grande parte dos recursos que pagamos vêm da cobrança pelo uso da água na bacia Piracicaba-Capivari-Jundiaí.

*Obs.: Há três comitês envolvidos com o Conservador das Águas: o Comitê Federal dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí; um comitê estadual com o mesmo nome, de São Paulo; e o comitê estadual mineiro Piracicaba-Jaguari.

No projeto, está previsto um fundo municipal que capta recursos para financiar os agricultores. Como isso funciona?
Temos várias fontes de recursos que estão destinadas em contas separadas e diferenciadas por esse fundo municipal de pagamento por serviços ambientais (PSA). Temos também convênios com entidades - Governo Federal, Agência Nacional das Águas, Instituto Estadual de Florestas, os comitê de bacia, as ONGs TNC e SOS Mata Atlântica, empresas privadas - e contamos ainda com recursos de compensação ambiental.

Você, como secretário de Meio Ambiente, sabe que a poluição ambiental provém muito mais das áreas urbanas que das rurais, por meio de dejetos industriais, esgoto sanitário. Como vocês atuam para combater essas outras fontes de poluição ambiental?
Em Extrema, estamos fazendo a estação de tratamento de esgoto, que vai tratar 100% dos dejetos urbanos, com previsão de operação até agosto de 2014. Já faz 13 anos que temos um sistema de gerenciamento de resíduos sólidos, com um aterro sanitário licenciado desde 2000 - foi o sexto do Estado. Contamos também com coleta seletiva domiciliar há 12 anos. Com relação a indústrias e outros empreendimentos potencialmente poluidores, fazemos o licenciamento ambiental municipal desde 2007. Há ainda o conselho municipal do meio ambiente, que acompanha essas atividades e é o órgão deliberativo para as ações feitas aqui.

Quando o projeto é implantado, o produtor tem requisitos a serem atendidos. E se não cumprir, o que ocorre? Isso aconteceu alguma vez?
Os agricultores não têm tantas atribuições assim, mesmo porque o projeto não pode dar tantas incumbências a eles, senão eles não conseguem executar, pois já têm dificuldades técnica e econômica. Então, quem executa somos nós, que cercamos, plantamos e cuidamos das áreas. Tudo para garantir o sucesso do projeto, de transformar uma muda plantada em floresta. Já o papel do agricultor é disponibilizar as áreas e manter essa parceria conosco, evitando, logicamente, qualquer dano a elas. Então, não teve caso de agricultor descumprir, porque fiscalizamos. Nós fiscalizamos nós mesmos, pois a responsabilidade é nossa.

Comitê quer expandir projeto para outros municípios da bacia

Sidney Rosa, secretário adjunto do Comitê Estadual dos Rios Piracicaba-Jaguari, que também é parceiro do Conservador das Águas, fala com entusiasmo sobre o projeto e vê perspectivas dele ser expandido. “Já estamos em contato com os gestores das outras quatro cidades da bacia - Itapeva, Toledo, Sapucaí-Mirim e Camanducaia - para que a gente consiga levar o projeto até elas. Acredito que dentro de pouco tempo, a gente já consiga esse resultado”, diz ele, enfatizando que há recursos para isso, oriundos da cobrança pelo uso dos recursos hídricos na bacia.

O gestor destaca ainda que tem sido procurado por vários produtores rurais na região interessados em aderir ao projeto. “Uma ideia inovadora, que era apenas um sonho, virou realidade e todo mundo está aderindo. Hoje, o projeto está pagando os produtores, com grande adesão na bacia”, comemora.

Técnicos da prefeitura acompanham adequação ambiental das propriedades

Com 24 mil hectares de área total (urbana e rural), o município de Extrema está com quase um terço – 7.300 hectares – dentro do Conservador das Águas. Das sete bacias hidrográficas que cortam o município, três delas – Posses, Salto e Forjos – já contam com intervenções do projeto. Para atingir tal magnitude, foram necessárias intervenções constantes nas mais de 150 propriedades participantes do projeto.

A prefeitura é quem assume essa responsabilidade e, por meio de seu corpo técnico, faz funcionar toda a engrenagem. Um dos técnicos que está a frente da execução das ações é Benedito Arlindo Cortez, gerente da Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Se o secretário Paulo Henrique Pereira é o cérebro do Conservador das Águas, pode-se dizer que Arlindo, como é chamado, é o braço forte do projeto, indo a campo para orientar os proprietários e realizar as intervenções.

Visita ao campo - Arlindo Cortez acompanhou a reportagem da Assembleia de Minas na visita a algumas propriedades rurais de Extrema onde as intervenções do projeto já apresentam resultados concretos. Foram visitadas duas fazendas, uma de propriedade de José Francisco Fonseca e outra de José de Oliveira Bastos (conhecido como Seu Zé Moisés), que foi um dos primeiros agricultores a aderir ao projeto.

Na fazenda de José Francisco Fonseca, com área de 50 hectares no bairro do Salto, Arlindo Cortez demonstrou que a propriedade já está quase totalmente adequada do ponto de vista do projeto. De acordo com ele, faltam apenas algumas intervenções para conservação do solo, visando a controlar a erosão.

Veja as ações realizadas na propriedade:

  • Todas as nascentes estão protegidas com cercas de arame farpado;
  • As matas ciliares foram todas recompostas;
  • Há bebedouros para o gado fora do curso d'água;
  • Foram construídas passagens sobre tubulações, para o gado não passar dentro do córrego e no meio da vegetação que protege as nascentes;
  • Já está sendo instalado um biodigestor para tratamento do esgoto;
  • E a prefeitura já atende a propriedade com a coleta de lixo.

Precursor do projeto, agricultor estimula outros a aderirem

A propriedade de Seu Zé Moisés, o Sítio Bela Vista, que fica no bairro Salto do Meio e tem 48 hectares, também já está bem adiantada quanto à adequação ambiental. Ele foi dos primeiros produtores rurais a aderir ao Conservador das Águas, em 2007, e é um entusiasta do projeto, tendo inclusive convencido outros de sua classe a participarem.

Na propriedade de Seu Zé Moisés, há nove nascentes em quatro áreas fechadas por cerca, como estipula o projeto. Na estrada até a fazenda, há bacias de contenção de água de chuva para evitar erosão e manter úmido o terreno.

O agricultor lembra que, há 60 anos, seu pai resolveu fazer uma cerca em volta de uma das nascentes, para protegê-la do gado, que pisoteava o local. “Fechamos aquela 'aguinha' e continuamos a fazer a lavoura, só que mais longe. Aí, começaram a crescer umas árvores que hoje estão grossas. E a água continua lá, mantendo, firme”, recorda.

Com a sabedoria dos mais velhos, ele filosofa que “o negócio da preservação é muito importante, porque a água não vai aumentar, mas você vai sempre ter a água”. Além do ganho ambiental, Seu Zé Moisés conta com um incentivo financeiro, recebendo R$ 850,00 mensais por ter aderido ao projeto.

Veja a entrevista com o agricultor Seu Zé Moisés

Quais as intervenções na sua propriedade para atender ao projeto?
Com o projeto, a área cercada foi ampliada. Por exemplo, nas nascentes, são uns 50 metros em volta delas. Antes, era menos. Só que eu tive um privilégio, porque a minha nascente está perto da divisa. Com os 50 metros em volta dela, já passa para outra propriedade. Então, outros agricultores não acham muito bom, porque desce aquele corredorzão no terreno deles. Às vezes, tem um terreno comprido e tem uma 'água' lá em cima, e a cerca vem descendo e acaba dividindo o terreno pelo meio. Então, não deixa de ficar desajeitado...

O que você tem na propriedade relacionado ao saneamento ambiental? Fossa séptica, banheiro seco?
Nós passamos a usar a fossa séptica.

O senhor, hoje, vive só do que produz na roça?
Eu sempre tive um “gadinho”, e fazia um comércio com ele. Hoje, estou mais é criando, tenho lá umas vacas com bezerro e estou vivendo com essa renda lá.

Esse incentivo do projeto Conservador das Águas o ajuda nas despesas?
Tem ajudado. Eu sempre comento que com esse dinheiro (do projeto) daria para arrendar uma área bem maior do que essa que está fechada lá nas minhas terras. Então, tem uma certa vantagem. Porque tem gente que às vezes fica reclamando: "estou levando prejuízo!". Não está nada! É só "choradeira".

Com o projeto, você acha que teve mais benefícios ou mais problemas?
Eu acho que estou ganhando, porque eles fizeram para mim uma estrada, e hoje eu vou de carro até quase na cabeceira do terreno. E aí, vieram também as bacias (de contenção de água de chuva). Fica água lá também, que serve pro gado beber. Quando vem a seca, automaticamente a água vai infiltrar lá, mas o terreno fica mais molhado. Acho que tem vantagem em quase todos os pontos. Eu não tenho do que reclamar, tenho é que torcer para que continue.

A próxima matéria da série sobre a situação das águas no Estado será publicada na segunda-feira (21/10/13).