De acordo com especialistas, a Lei Federal 10.741 (Estatuto do Idoso), representou avanços, mas ainda não é aplicada em sua plenitude
Segundo Danubia Quadros, idosos são agredidos, na maioria das vezes, pelos próprios filhos ou netos
Para Karla Giacomin, não são necessárias novas leis, mas sim que as atuais sejam cumpridas
O Estatuto do Idoso foi lançado oficialmente pelo ex-presidente Lula em outubro de 2003

Proteção aos idosos ainda não é efetiva

Estatuto do Idoso representa avanços na lei, mas ainda não é aplicado de forma plena.

Por Natália Martino
26/09/2013 - 08:00

Maria não aguenta mais. Aos 69 anos, ela sofre com o vício em cocaína e crack que o filho, de 37, passou a alimentar desde o divórcio, há dois anos. Além de agredi-la verbalmente, ele rouba quantias em dinheiro que a mãe guarda em casa e já chegou a furtar um mercado próximo da residência – descoberto, a mãe teve que pagar o prejuízo. Ela já o internou várias vezes, mas ele fugiu no início do tratamento e agora se nega a ir para outra clínica.

Quando a equipe da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) a encontrou, ela estava na Delegacia Especializada de Proteção ao Idoso e ao Deficiente, em Belo Horizonte. O que ela queria era apenas que o filho fosse internado compulsoriamente, mas o que a delegacia podia oferecer era um processo por furto e a medida protetiva de afastar o filho de Maria da sua casa – baseada na Lei Maria da Penha, inicialmente usada para proteção das mulheres que sofrem violência doméstica e que hoje é estendida aos idosos. “Não quero isso, quero só que ele se trate”, afirma Maria sem conter o choro. Saiu de lá apenas com um boletim de ocorrência.

A delegada Danubia Quadros afirma que esse tipo de situação tem sido cada vez mais comum. “Eles querem que o problema se resolva, mas é difícil para o idoso pedir a prisão ou o afastamento de filhos ou netos, que são os agressores mais comuns”, diz. Ela também explica que, nos casos como o de Maria, há uma certa confusão porque o Código Penal, em seu artigo 181, determina que subtrair bens de ascendentes ou descendentes - ou, trocando em miúdos, furtar dos pais ou dos filhos - não é crime.

O Estatuto do Idoso (Lei Federal 10.741, de 2003), porém, abre uma exceção à regra quando as vítimas têm mais de 60 anos. Entre os especialistas, existe um consenso de que a legislação é boa e representou avanços, mas ainda não é aplicada em sua plenitude. Levar os direitos garantidos na norma para a prática é, hoje, o maior desafio. O estatuto, que agora completa uma década de existência, será foco do Ciclo de Debates 10 Anos do Estatuto do Idoso – Avanços e desafios para um envelhecimento digno, a ser realizado na próxima terça-feira (1°/10/13), no Plenário, como uma das iniciativas do Movimento Idade com Qualidade, lançado pela ALMG em junho deste ano.

Apesar de reconhecer que a legislação tem bons dispositivos, a ex-presidente do Conselho Nacional do Idoso, Karla Cristina Giacomin, diz que a lei é frágil. “Agora estão estudando no Congresso Nacional mudanças para o Código Penal e existe um entendimento de que a legislação brasileira criminaliza demais. Pode ser, então, que esse dispositivo que permite punir filhos que furtam pais idosos desapareça”, afirma.

Para ela, os dispositivos do Estatuto do Idoso já estavam na Constituição da República de 1988, e não são necessárias novas leis, mas sim fiscalização para que se cumpram as que já existem. “Também é função do Poder Legislativo fiscalizar o que está sendo feito e garantir que o Orçamento do Estado reserve verba para atender dispositivos como o que garante que 'envelhecimento' seja assunto contemplado na grade curricular do ensino médio, ou, ainda, que os espaços públicos sejam adequados também aos idosos. Nada disso tem sido levado à prática”, afirma Karla Giacomin.

Violência psicológica é a mais comum

“A principal contribuição do Estatuto foi dar aos idosos a consciência dos próprios direitos, mas ainda falta muito para que eles sejam efetivados”, explica o defensor público Estevão Machado de Assis Carvalho, coordenador da Defensoria Pública do Idoso e do Deficiente de Minas Gerais. Ele explica que a grande dificuldade é uniformizar as decisões do Tribunal de Justiça, que ora concedem a liminar para afastamento do agressor, ora não; baseia a punição apenas no Estatuto do Idoso ou utiliza também a Lei Maria da Penha; trata o caso como um questão cível ou como criminal.

“Para resolver essa questão, estamos reivindicando uma vara especializada em casos que envolvam violência contra o idoso, que devem centralizar e uniformizar as decisões”, afirma. Algumas cidades, como Brasília, já contam com essas varas. Em Minas Gerais, elas ainda não existem, e há também carência de delegacias especializadas, previstas no Estatuto do Idoso – o Estado conta com apenas uma, localizada na Capital.

Os casos que chegam até a Defensoria Pública e à delegacia são de negligência nos cuidados com os idosos, violência física, psicológica ou financeira. Esse último caracteriza-se, principalmente, pela apropriação do dinheiro da aposentadoria para fins que não são de interesse do beneficiário e representa, segundo dados do Governo Federal, 21% das situações relatadas. A maioria das ocorrências é de violência psicológica, que representa 55% das notificações de agressões contra idosos, enquanto a violência física responde por 27%. Estevão Carvalho chama a atenção, porém, para o fato de essas agressões, em geral, serem associadas, e de as vítimas serem atacadas de várias maneiras ao longo da velhice.

A Defensoria atende cerca de seis casos diariamente e metade deles é resolvida antes mesmo de serem levados ao tribunal. “São situações, por exemplo, onde há um desacordo sobre como dividir os cuidados com os idosos entre os familiares. Tentamos achar uma solução e fazemos um documento com os compromissos de cada parte, que têm valor de decisão judicial”, explica Estevão Carvalho.

De acordo com ele, porém, os casos mais comuns são os de violência e, principalmente quando se trata de violência psicológica, é difícil produzir provas, já que, em geral, as agressões acontecem em âmbito doméstico. Nesses casos, é enviado um assistente social ao local, que produz um relatório com valor de prova no tribunal. O defensor público também recomenda que o idoso, quando possível, registre boletins de ocorrência nas delegacias. São dicas para que a lei se torne menos “letra morta” e mais “garantia efetiva de direitos”.

A próxima matéria da série sobre o bem estar dos idosos será publicada na sexta-feira (27).