Trilhos como esses, no bairro Nova Cintra, em Belo Horizonte, poderão ser utilizados para a retomada dos trens metropolitanos
Proposta em andamento quer aproveitar ramais ferroviários para o transporte de passageiros
Trens de carga, no bairro Barreiro de Baixo, em Belo Horizonte

A segunda vida dos trens metropolitanos

Com concessão prevista para 2014, programa pretende desafogar transporte de passageiros entre cidades da RMBH.

Por Fabrício Marques
18/04/2013 - 08:00 - Atualizado em 18/04/2013 - 11:30

Paulo Henrique do Nascimento, presidente do Movimento Nacional Amigos do Trem, utilizou durante anos o trem Xangai, que ligou as cidades de Juiz de Fora a Matias Barbosa (Zona da Mata) por mais de 74 anos, transportando trabalhadores, estudantes e turistas. Paulo também testemunhou a decadência dessa linha no final de 1997. “Paravam os trens de passageiros para dar preferência aos trens de carga. Com isso, uma viagem que demorava dez minutos chegava a durar até três horas”, afirma. Para Paulo, ocorreu uma grande sabotagem nacional contra os trens de passageiros. “A extinção arbitrária desse transporte foi feita sem que os usuários fossem ouvidos”, critica.

Em determinados momentos da história do País, o Governo Federal deixou de investir na malha ferroviária. Por que esse modal não deu certo no Brasil, ao contrário do que aconteceu em outros países? “O Brasil deixou de investir duas vezes em ferrovia: uma no Governo JK, que optou pela indústria automobilística. Outra em 1996, quando o governo optou por entregar as ferrovias para a iniciativa privada, e apenas para o transporte de cargas”, responde Paulo. Em sua opinião, gestores do governo parecem representar, no setor de transportes, mais os interesses privados do que o interesse público.

Mas a retomada desse modal parece estar em curso em Minas. A volta dos trens metropolitanos é um dos exemplos na busca por soluções para minimizar os problemas de trânsito e transporte que afetam cidades de médio e grande porte. Esse é um dos temas que entraram na pauta das reuniões preparatórias do evento Mobilidade Urbana - Construindo Cidades Inteligentes, da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que também está produzindo uma série de matérias sobre o assunto.

Paulo do Nascimento calcula que há em Minas mais de 2 mil quilômetros de linhas férreas abandonadas. Atualmente existe um único trem de passageiros no Estado, o Vitória-Minas. Além dessa linha regular, existem os trens turísticos Passa-Quatro, São Lourenço-Soledade, Mariana-Ouro Preto e Tiradentes-São João del-Rei. A ONG Amigos do Trem estuda a possibilidade de viabilizar o Expresso Pai da Aviação, em um percurso de 125 quilômetros entre Matias Barbosa, Juiz de Fora e Barbacena.

Uma proposta em andamento é a de aproveitar os ramais ferroviários para o transporte de passageiros e atender diretamente cerca de 30 municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e seu entorno, numa extensão total de 505 quilômetros. Trata-se do Transporte sobre Trilhos na RMBH (TREM), desenvolvido pela Secretaria de Estado Extraordinária de Gestão Metropolitana e pela Agência de Desenvolvimento da RMBH.

A intenção do projeto é criar uma rede de mobilidade urbana estruturada em cima de um serviço troncal que ligue as novas centralidades. Isso significa que a principal intenção do projeto é reestruturar a forma de ocupação da região através da melhoria nas condições de mobilidade da população.

Programa de mobilidade da RMBH está em andamento

De acordo com o coordenador do Programa de Mobilidade da RMBH, Samuel Herthel Cunha e Silva, já aconteceram as seguintes etapas do projeto: deliberação do Conselho Metropolitano, desenvolvimento do Programa de Adequação e Implantação da Infraestrutura Ferroviária (PDDI), estudos preliminares, diagnóstico e anteprojeto. “Atualmente estamos na fase de conclusão do Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI). Ou seja, estamos aguardando as contribuições finais da iniciativa privada para consolidarmos um edital de concessão que será posteriormente submetido a consulta pública. O processo de PMI se encerra em 31 de maio”, informa Samuel. O programa que ele coordena é da Agência RMBH.

Samuel explica que é impossível precisar uma data exata, mas o governo está trabalhando para conseguir assinar o contrato de concessão ainda no primeiro semestre de 2014. 

Cronograma previsto

Etapa

Maio/2013

Entrega final do PMI

Junho/2013

Modelagem técnica, econômica e financeira

Julho/2013

Consulta Pública

Agosto/2013

Início do Processo Licitatório

Fevereiro/2014

Assinatura do Contrato Início da Concessão

Sobre o custo total dos três lotes do TREM, o coordenador observa que depende da extensão do serviço, da demanda, da forma de atendimento, das composições escolhidas e de diversos outros fatores que vão se desenhando durante a realização do projeto. “Dessa forma, o custo real do projeto só será conhecido de fato após as revisões provenientes da consulta pública”, avalia. Da mesma forma, o número de passageiros beneficiados diariamente pelos trens metropolitanos só será verificado quando ficarem conhecidos a extensão real do serviço, o tamanho dos trens e sua frequência, entre outros aspectos.

Outro ponto que Samuel destaca é a possibilidade de as operações de carga e de passageiros serem feitas em conjunto. “Temos trabalhado junto à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para aproveitar ao máximo a malha existente. Mas infelizmente o nosso sistema ferroviário encontra-se saturado, o que torna impraticável o compartilhamento de via, pois, em condições extremas, os atrasos da carga poderiam acabar com a regularidade do serviço de passageiros. Hoje temos trabalhado principalmente com a possibilidade de compartilharmos a faixa de domínio, mas com trilhos dedicados para passageiros”, explica.

Como a quilometragem total do projeto não está definida, não há como precisar a quantidade de trilhos que deverão ser recuperados. Mas Samuel ressalta que estão abandonados apenas o trecho do lote 3 (a partir de General Carneiro) e uma pequena parte do lote 2 (parte do ramal de Águas Claras, a partir da mina da Mannesmann). O coordenador alerta, ainda, que a infraestrutura ferroviária (trilhos, dormentação) existente não está em condições de atender o fluxo de passageiros sem uma significativa reforma. 

Lote

Trecho

Cidades alcançadas

População beneficiada

1

Sete Lagoas a Divinópolis

17

1,7 milhão

2

Belo Horizonte a Brumadinho

7

444 mil

3

Conselheiro Lafaiete a Ouro Preto

9

376 mil

 

Ferroanel - O governador Antonio Anastasia apresentou há algumas semanas a proposta do Ferroanel, que consiste na construção de um arco ou anel ferroviário em torno da RMBH que sirva ao transporte de cargas, a fim de que os trilhos atuais possam ser utilizados pelo transporte de passageiros. Segundo a Secretaria de Estado Extraordinária de Gestão Metropolitana, havendo o desvio da maior parte das cargas para esse trecho, pretende-se que a infraestrutura atualmente existente, que penetra no núcleo metropolitano e se encontra saturada, possa servir também ao transporte de passageiros. Mas o projeto do Ferroanel está apenas se iniciando. Por hora ele é apenas uma ideia que será estudada para verificar a sua pertinência econômica, seu custo e suas condições de implantação, observa a Agência RMBH.

Amigos do Trem - A ONG Amigos do Trem deu início às suas atividades em 1997, como movimento popular em defesa do extinto Trem de Passageiros Xangai, que circulou entre Juiz de Fora a Matias Barbosa por mais de 70 anos. Em 2012, a entidade reformou um trem Litorina que estava parado há anos. A recuperação aconteceu porque o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit) cedeu os trens para os Amigos do Trem. De acordo com o presidente do Movimento Nacional Amigos do Trem, Paulo Henrique do Nascimento, a ONG lançou uma campanha nas redes sociais pela volta dos trens de passageiros no Brasil. “Em sete dias, tivemos aproximadamente 1 milhão de visitas. O Brasil não pode pensar somente em transporte de cargas pelos trilhos, mas também de pessoas, a exemplo de outros países", afirma o presidente da entidade.

A próxima matéria da série sobre mobilidade urbana será publicada na segunda-feira (22/4).