Na definição de João Carlos Leite, queijo curado é
Depois de prontos, os queijos são dispostos em prateleiras, para o processo de
Qualidade do rebanho é uma das preocupações da nova lei

Infográfico

Queijo meia-cura é o preferido dos mineiros

Lei 20.549 dá prazo para que produtor adapte queijaria e reconhece importância do tipo de produto mais consumido.

Por Arlan França
15/02/2013 - 11:57

Um ponto-chave para entender a relação entre renda e segurança alimentar, que permeia a Lei 20.549, aprovada em 2012 pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais, é o processo de cura dos queijos artesanais. Por cura, entenda-se o tempo de amadurecimento do produto antes de ser comercializado. Com a simplicidade de quem vive no campo, uma boa explicação sobre isso é dada por uma das principais lideranças mineiras dos fabricantes de queijo artesanal, o presidente da Associação dos Produtores de Queijo Canastra (Aprocan), sediada em São Roque de Minas, João Carlos Leite.

Os queijos canastras feitos em sua propriedade - entre 15 e 20 por dia, no máximo - são famosos e disputados pelos turistas que visitam o Parque Nacional da Serra da Canastra, em cujo trajeto a Fazenda Agroserra fica estrategicamente situada. Segundo ele, grosso modo, na transformação do leite cru na massa que forma o queijo há uma “guerra” entre bactérias “boas” e “más”. “Felizmente, as 'boas' vencem a briga e por isso é que se fala queijo curado, ou aquele que não faz mais mal à saúde”, explica.

Quanto mais rígido e amarelado, mais curado é o queijo, e no caso do queijo canastra artesanal, forma-se aquela capa que é uma proteção natural do alimento. Mas como os produtores gostam de frisar, garantindo a sanidade do rebanho e a higiene na produção, não há risco no consumo do chamado queijo fresco. Apesar dos prazos variarem um pouco entre os produtores, considera-se queijo fresco aquele consumido a partir de dois dias da produção.

Nessa linha, o “amadurecimento” do queijo meio-cura leva em torno de uma semana. De duas semanas para cima o queijo já é considerado curado. Apesar de parecer pequena, essas variação faz toda diferença na apresentação do produto e sua aceitação pelo mercado consumidor, assim como no rigor das autoridades sanitárias.

Por isso, João Carlos é só elogios à nova lei. “A Lei 20.549 representa um avanço em relação à lei anterior, a 14.185, de dez anos atrás, sendo o maior deles o reconhecimento do papel do queijo meia-cura, que predomina no mercado consumidor, algo em torno de 90%. Os produtores conscientes querem dar segurança alimentar ao consumidor, mas como possibilitar isso se o que o mercado mais queria, o queijo meia-cura, estava à margem da lei?”, lembra.

Novo paradigma - A grande diferença entre as duas legislações é que, pelas regras anteriores, para legalizar a produção o produtor precisava primeiro adaptar sua queijaria, e gastar um bom dinheiro nisso, para só depois se registrar no Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) e aí sim trabalhar tranquilo. A opção da maioria foi seguir trabalhando à margem da lei.

Agora, com o objetivo de estimular o cadastro dos produtores no órgão de controle sanitário do Estado para obtenção do registro ou título de relacionamento, criou-se a figura do termo de compromisso. Isso significa que o produtor ficará autorizado a comercializar seus queijos durante um determinado período, que poderá inclusive ser ampliado conforme as metas sejam cumpridas, até que consiga a habilitação sanitária definitiva – isso desde que, claro, não represente risco iminente para a saúde pública.

Só 1% dos produtores é cadastrado

Estima-se que existam aproximadamente 30 mil produtores de queijos artesanais em Minas Gerais, dos quais apenas cerca de 300 são cadastrados no IMA, segundo os critérios da lei anterior e de seus regulamentos. Para facilitar essa transição, na Lei 20.549 há até a possibilidade de indenização para os produtores cujos animais tenham que ser sacrificados – a tuberculose e a brucelose são as duas maiores “pragas” do leite cru. Uma verba de R$ 900 mil já foi incluída pela ALMG no Plano Plurianual de Ação Governamental (PPAG), que reúne as políticas públicas no orçamento anual do Estado, para essa e outras iniciativas que sejam necessárias ao longo de 2013.

Em termos práticos, o texto da nova lei especifica, por exemplo, as condições necessárias e as fases para a produção dos vários tipos de queijos artesanais visando a assegurar sua qualidade e inocuidade. Também são fixadas normas para a construção e funcionamento de queijarias, inclusive para a garantia da boa procedência dos insumos, como a água, por exemplo.

A figura do queijeiro, o negociante de queijos que vive uma relação de amor e ódio com os donos de queijarias, também aparece pela primeira vez e agora terá regras para trabalhar. Há até a possibilidade do compartilhamento das queijarias, abrindo espaço para a exploração da atividade, de forma legalizada, por assentamentos familiares ou agrupamento de produtores. Por fim, a lei também prevê que sejam documentados os processos de produção dos queijos artesanais para garantir sua perpetuação.

“Hoje, graças a Deus, temos uma lei que autoriza a produção e comercialização dos nossos queijos artesanais dentro de Minas. Falta ainda uma legislação federal para vendermos nosso queijo fora do Estado, mas essa é outra frente de batalha. A primeira luta nós já vencemos. Antes, no Ministério da Agricultura, não se podia nem tocar no assunto do queijo de leite cru. Eles queriam acabar com o queijo artesanal e só dar espaço para os laticínios. Uma porta se abriu e é preciso reconhecer o trabalho fantástico do Legislativo mineiro”, aponta João Carlos.

Produto x matéria-prima - Mas nem tudo são flores. O queijo é o único produto no mundo que, na maioria dos casos, custa menos do que sua matéria-prima. Felizmente para os amantes do legítimo queijo canastra, a topografia de São Roque de Minas desestimula a captação de leite pelos grandes laticínios.

“A realidade hoje é que Minas Gerais faz mais queijo artesanal do que o mineiro pode consumir. E como não agregamos valor, o preço fica lá embaixo. O pequeno produtor não ganha dinheiro, apenas sobrevive. Apega-se na tradição e faz queijo para não jogar o leite fora, mas isso vai mudar. Se a situação continuasse assim, o queijo artesanal mineiro corria o risco de desaparecer da agricultura familiar de Minas”, lembra.