Violência no Brasil tem reflexos da impunidade dos crimes da ditadura

A relação entre a impunidade dos crimes cometidos pelos militares durante a ditadura e a violência urbana na democrac...

28/08/2009 - 00:01
Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais
 

Violência no Brasil tem reflexos da impunidade dos crimes da ditadura

A relação entre a impunidade dos crimes cometidos pelos militares durante a ditadura e a violência urbana na democracia brasileira foi um dos pontos comuns nas análises do procurador da República Andrey Borges de Mendonça e do representante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, Edson Luís de Almeida Teles. Eles foram os expositores do painel "Justiça de Transição e Direito à Verdade, à História e à Memória: a Punição dos Crimes de Tortura", realizado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais nesta sexta-feira (28/8/09), dentro do Ciclo de Debates 30 Anos de Luta pela Anistia Política no Brasil.

Edson citou pesquisa coordenada por uma socióloga norte-americana que aponta que os países que puniram os crimes dos regimes de exceção tiveram reduções nos índices de violência urbana. "Aqui temos a cultura da impunidade. O Estado brasileiro ainda tortura crianças e adolescentes em institutos para menores", afirma. Já Andrey relacionou a impunidade à falta de respeito pelos direitos humanos. Em 2006, segundo ele, uma ONG internacional pesquisou, no Brasil, qual deveria ser o nível de respeito do governo pelos direitos humanos. Só 5,7% dos entrevistados pediram muito respeito; 41,2%, algum respeito; 40,2%, não muito respeito e 12,9% nenhum respeito.

"Por trás desse estudo, está a aceitação da tortura como uma coisa natural, sobretudo contra os presos. Por outro lado, países que enfrentaram esse passado, como Argentina e Chile, tiveram melhora na qualidade dos direitos humanos", informa o procurador. Essa herança de impunidade, de acordo com os expositores, é um dos motivos pelo qual a luta pela anistia ainda não foi encerrada. É preciso, segundo eles, resgatar a memória desse período e a verdade sobre as circunstâncias das mortes, recuperar os corpos de desaparecidos políticos e punir os assassinos para se fazer justiça aos que lutaram pela democracia e a seus familiares.

País tem instrumentos jurídicos para punir assassinos

Para Andrey Mendonça, a tese de que o Brasil não dispõe de normas para punir os que torturaram e mataram presos políticos deve ser refutada. Ele enumera três obstáculos para essa punição, a começar pela própria Lei da Anistia (Lei 6.683, de 1979), propositadamente ambígua, cujo entendimento corrente considera a tortura como ato conexo ao crime político e, portanto, anistiado. "A tortura e o desaparecimento de corpos não são conexos de crimes políticos. Os militares também se auto-anistiaram sem julgamento, o que é condenado por organismos internacionais", afirma.

O segundo obstáculo seria a prescrição dos crimes após 20 anos, regra geral da legislação brasileira. O procurador salienta, nesse caso, que os crimes contra a humanidade - um conceito internacional já incorporado pela ONU - são imprescritíveis, justamente pela barbaridade que os caracterizam. Além disso, a legislação vigente à época da ditadura brasileira já previa que o prazo prescricional de um crime teria a contagem iniciada quando cessasse a atividade criminosa. "Enquanto os corpos de desaparecidos no Araguaia, por exemplo, não forem encontrados, não se pode iniciar essa contagem", argumenta Andrey.

Por fim, o procurador citou o obstáculo da tipificação penal, uma vez que a tortura só foi tipificada como crime a partir de 1997. Para ele, a saída seria a condenação por lesão corporal grave, sequestro e homicídio, além de crime de abuso de autoridade. Para enfrentar o passado ainda nebuloso do regime de exceção, Andrey recomenda medidas de justiça transicional, verdade, reparação econômica e simbólica das vítimas e uma reforma das instituições que participaram da repressão. "Médicos que deram atestados falsos de suicídio de presos políticos ainda estão na ativa no governo de São Paulo", exemplificou.

Autoritarismo permanece na democracia

Para Edson Teles, além da impunidade, há outro elemento da transição política brasileira que reforça a importância da luta que familiares das vítimas da ditadura continuam a travar. "Há algo de autoritário que a democracia assimilou e que permanece na política atual", avalia. Segundo ele, mesmo a Constituição Federal de 1988, uma das mais avançadas em termos de direitos humanos, tem aspectos do sistema de segurança pública e das forças armadas que pouco se diferem da Constituição de 1967, outorgada na ditadura. "Às forças armadas cabem, por exemplo, a garantia da lei e da ordem (artigo 142), um golpe de Estado legalizado", exemplifica.

O representante das famílias das vítimas da ditadura recorre a fatos históricos que indicam uma intenção clara dos militares em coordenarem o processo de democratização. A transição foi a mais longa da história; o governo retira a legitimidade do Congresso em 1977, com o chamado pacote de abril; o mandato presidencial é ampliado, com seis anos para João Figueiredo; e até mesmo o fim do AI-5 e a volta do habbeas corpus, no momento em que as famílias se organizavam para denunciar o desaparecimento de presos. "A Lei da Anistia foi tímida, e a sociedade não se dispôs a punir os torturadores. Não existe nenhum processo penal nesse sentido", completa Edson Teles.

Para ele, a democracia com herança autoritária é que impede que as famílias elaborem o que sofreram. "O Brasil não dá voz à sociedade para tratar desse assunto, dessa memória subjetiva de cada um", argumenta. E mesmo a memória objetiva é arranhada pelo passado. Edson Teles conta que o tio, André, desaparecido no Araguaia, virou nome de rua no Rio de Janeiro. Para se chegar lá, porém, é preciso passar pela Rua 31 de Março, em homenagem ao golpe de Estado.

Participantes defendem abertura dos arquivos da ditadura

Durante os debates, o ex-presidente do Comitê pela Anistia em Minas Gerais, Betinho Duarte, saudou a atuação das mulheres no enfrentamento do regime. "As mães e mulheres saíram atrás de seus filhos e maridos e honraram essa bandeira", afirmou. O diretor da União Nacional dos Estudantes (UNE), Leonardo Félix, perguntou por que o poder público não toma a iniciativa de abrir os arquivos do regime militar. Edson salientou que a justificativa é a segurança nacional, pois os arquivos possuem informações que comprometeriam a democracia brasileira.

O painel sobre a punição dos crimes de tortura foi iniciado com a exibição de um vídeo sobre a greve de fome de 32 dias realizada por presos políticos no Rio de Janeiro, em 1979. O documentário é do cineasta Paulo Jabour, que participou da greve. Coordenaram o painel o deputado João Leite (PSDB) e a diretora do Escritório dos Direitos Humanos da Sedese, Maressa Miranda. Ela defendeu que a verdade sobre a ditadura seja desvelada para que o Brasil possa mudar, crescer e fazer uma ruptura consciente com o passado.

 

 

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