Governo anuncia pagamento de indenizações durante ciclo de
debates
O governo mineiro começa a pagar as últimas
indenizações às vítimas da ditadura, a partir desta sexta-feira
(28). Para tanto, disponibilizou R$ 1,4 milhão para quitar a dívida
com as 48 pessoas que cumpriram os requisitos da comissão da
anistia. O anúncio foi feito nesta quinta-feira (27/8/09) pelo
secretário de Estado de Desenvolvimento Social, Agostinho Patrús
Filho, na abertura do Ciclo de Debates 30 anos da Luta pela
Anistia Política no Brasil, que a Assembléia Legislativa de
Minas Gerais realiza em parceria com o governo do Estado, Prefeitura
de Belo Horizonte e movimentos sociais organizados. O evento
continua nesta sexta, a partir de 9 horas.
Ainda que comemorado por muitos, o anúncio feito
pelo secretário Patrús foi acompanhado por um pedido adicional da
presidente do Conselho Estadual de Defesa de Direitos Humanos, Emely
Vieira Salazar; que reivindicou aos deputados presentes, ao
secretário e demais envolvidos, a reabertura dos prazos para
solicitação das indenizações. Ela destacou que em Minas há registro
de cinco mil presos políticos, mas somente 700 se inscreveram para
receber a indenização, muitas vezes por não terem sido informados
sobre os procedimentos.
Em Minas Gerais, o pagamento das indenizações às
vítimas da ditadura militar está previsto na Lei Estadual 13.187/99,
originada de projeto da ex-deputada Maria José Haueisen (PT).
Segundo o texto, têm direito à indenização as vítimas de tortura
decorrente de participação ou de acusação de participação em
atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de
agosto de 1979, e que não tenha resultado em morte. Caso a vítima já
tenha falecido, seu sucessor legal pode requerer a indenização. As
primeiras indenizações foram pagas ainda no governo Itamar Franco.
Até agosto de 2009, mais de 600 indenizações já haviam sido pagas
pelo Governo do Estado.
Ciclo - O Ciclo de Debates
lembra os 30 anos de promulgação da Lei da Anistia e integra uma
agenda política e cultural organizada por diversas instituições e
entidades, que também inclui lançamentos de livros e exibição de
filmes. Realizado a requerimento do deputado Durval Ângelo (PT), o
evento tem o objetivo de resgatar a memória da luta pela anistia e
refletir sobre seu saldo político.
A reunião foi aberta pelo deputado André Quintão
(PT), presidente da Comissão de Participação Popular da ALMG.
Quintão leu mensagem do presidente da Assembleia, deputado Alberto
Pinto Coelho (PP). A mensagem lembra o período histórico da Lei da
Anistia, as conquistas conseguidas ao longo desse período e destaca
que a anistia é um conceito em construção. "Há discussões sobre o
direito à abertura dos arquivos públicos sobre a tortura que
precisam ter um encaminhamento definitivo", enfatizou o presidente
na mensagem.
Para o presidente da Comissão de Anistia do
Ministério da Justiça, Paulo Abrão Pires Júnior, a anistia só estará
completa com a revisão dos erros de interpretação, uma vez que
também foram anistiados os torturadores. Segundo ele, a comissão
defende a abertura dos documentos da Marinha, do Exército e da
Aeronáutica e que o Estado brasileiro faça um pedido público de
desculpas pela repressão na ditadura. Também pretende que a
investigação sobre o desaparecimento dos corpos dos guerrilheiros do
Araguaia seja de responsabilidade da Comissão da Anistia.
Falaram ainda na abertura do ciclo o prefeito de
Belo Horizonte, Márcio Lacerda, e a presidente da Câmara, vereadora
Luzia Ferreira. O primeiro relembrou sua militância política e as
dificuldades que teve de enfrentar para refazer sua vida, após a
anistia. Luzia Ferreira destacou que o movimento pela anistia foi o
que unificou todas as lutas do País, naquele momento.
O deputado Durval Ângelo sugeriu, em sua fala, que
seja lançado um movimento pela criação da Medalha de Direitos
Humanos Dona Helena Greco, uma homenagem pela sua atuação nesta
área, assim como na luta pela anistia. Ele também se disse
preocupado com a situação atual dos direitos humanos, registrando
que, apenas na última semana, a comissão parlamentar da ALMG
dedicada ao tema recebeu três denúncias de tortura praticadas por
policiais militares.
A presidente do Conselho Estadual de Defesa dos
Direitos Humanos, Emely Salazar, além de pedir a reabertura das
inscrições para indenização política, também manifestou a alegria
pelo reencontro com as companheiras do Movimento Feminino pela
Anistia. Também compuseram a mesa de trabalhos o subsecretário de
Direitos Humanos da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedese),
João Batista de Oliveira; e o promotor de Justiça e coordenador do
Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça e Defesa dos
Direitos Humanos e de Apoio Comunitário (CAO-DH), Rodrigo Filgueira
de Oliveira.
Expositora exige julgamento de torturadores
Após a abertura, três exposições antecederam um
debate sobre o tema "A Campanha pela Anistia Ontem e Hoje - O
Processo", coordenado pelo deputado Vanderlei Miranda (PMDB) e pela
coordenadora da Comissão de Anistiados de Minas Gerais, Gilse
Cosenza. Foram expositores a fundadora do Movimento Feminino pela
Anistia em Minas Gerais, Magda Almeida Neves; o ex-presidente do
Comitê Brasileiro pela Anistia em Minas Gerais, Betinho Duarte; e
Valéria Costa Couto, irmã da guerrilheira desaparecida no Araguaia,
Walquíria Afonso Costa.
Em seu pronunciamento, Magda Neves cobrou do
governo brasileiro o cumprimento das exigências de entidades
internacionais no caso de países que passaram por regimes
totalitários: o julgamento daqueles que cometeram crimes contra a
humanidade, em especial os torturadores; e a total publicização dos
arquivos do período militar. Ela também recordou a trajetória do
Movimento Feminino pela Anistia. "É preciso trabalhar para que a
memória seja fonte de libertação e não de servidão" afirmou.
Para Valéria Costa Couto, que falou em nome dos
familiares dos desaparecidos, a luta dos jovens daquela época foi
pela liberdade e a de luta de hoje é para manter viva a memória "dos
meninos e meninas, que deixaram suas casas e deram sua juventude e
sua vida pela liberdade". Ela foi mais uma voz a pedir punição para
os torturadores, destacando que o Brasil é um dos poucos países,
segundo a Anistia Internacional, a manter abertas as chagas daquele
período.
Já o ex-presidente do Comitê pela Anistia em Minas
Gerais, ex-vereador Betinho Duarte, foi especialmente enfático ao
pedir mudanças na lei da anistia, que tratem dos quatro pontos
considerados por ele "inegociáveis": punição dos torturadores,
esclarecimento completo da guerrilha do Araguaia, abertura dos
arquivos militares e classificação da tortura como crime de lesa
humanidade. Betinho também cobrou a responsabilização dos
governantes da época da ditadura, em especial daqueles que ainda
atuam na política brasileira, como os ex-ministros Jarbas Passarinho
e Antônio Delfim Neto.
Antes do pronunciamento de Betinho Duarte foi
exibido o vídeo "Arquivos Imperfeitos", da Fundação Helena Greco. O
documento mostra, em 10 minutos, cenas da época da ditadura,
depoimentos de Helena Greco sobre aquele período histórico, bem como
seu engajamento na luta pela redemocratização do País.
Memorial da Anistia será instalado em Belo
Horizonte
Em janeiro de 2010, Belo Horizonte deverá ganhar o
Memorial da Anistia, centro nacional de documentação e pesquisa que
está sendo construído pela União na Capital mineira no prédio da
antiga Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) da UFMG. O
prédio chegou a ser invadido pela repressão durante da ditadura
militar.
De acordo com o presidente da Comissão de Anistia
do Ministério da Justiça, Paulo Abrão Pires, a primeira fase do
projeto é um espaço de exposição permanente, que deverá ser
inaugurado em janeiro. Até o final de 2010, a obra estará concluída,
pronta para abrigar os 64 mil processos dos perseguidos políticos da
ditadura. Feito com recursos federais, o Memorial conta também com o
apoio da Prefeitura de Belo Horizonte e do Governo do Estado. O
projeto aprovado pelo Ministério da Justiça foi elaborado pela UFMG,
proprietária do imóvel da antiga Fafich. Paulo Abrão destacou o
trabalho da vice-reitora da UFMG, professora Heloisa Starling, como
decisivo para a vinda do Memorial para Minas. "Foi o melhor projeto,
e ganhou de São Paulo e Rio de Janeiro, que também estavam na
disputa", afirmou.
Lei de Anistia - A anistia
foi implementada no Brasil por meio da Lei Federal 6.683, promulgada
em 1979 pelo então presidente da República, João Baptista
Figueiredo. Foram anistiados de crimes políticos tanto os militantes
de oposição à ditadura militar instalada em 1964 quanto os militares
acusados de participar dos órgãos de repressão, excetuando-se os
condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro
e atentado pessoal. Essa anistia abrangeu atos punidos com
fundamento em Atos Institucionais e Complementares, no período entre
2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.
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