Comissões de Saúde e de Combate ao Crack discutiram as perspectivas do tratamento da dependência de cocaína e os estudos sobre a vacina em desenvolvimento pela UFMG
Objetivo da audiência foi sensibilizar o poder público e a sociedade sobre a oportunidade de cura

Pesquisador faz apelo por recurso para vacina contra cocaína

Deputados dão apoio a busca por financiamento de estudo da UFMG que promete revolucionar tratamento de dependentes.

31/05/2017 - 19:21

Trezentos mil reais: o preço de um dos vários modelos esportivos da Audi, uma das patrocinadoras do Barcelona, que o craque brasileiro Neymar tem em sua garagem. Esse é o valor que um pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) precisa para dar continuidade a um promissor estudo para o desenvolvimento de uma espécie de vacina para prevenir e tratar o vício em cocaína.

As dificuldades em obter essa quantia foram debatidas nesta quarta-feira (31/7/17), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em uma audiência conjunta das Comissões de Saúde e de Prevenção e Combate ao Uso de Crack e Outras Drogas.

O requerimento para a audiência é do deputado Antônio Jorge (PPS), presidente da Comissão de Combate ao Crack, que convidou o coordenador do Centro Regional de Referência em Drogas da UFMG, Frederico Duarte Garcia, para apresentar o resultado do seu trabalho.

Ao longo da reunião, algumas opções de financiamento foram cogitadas, sendo a mais promissora o Programa de Pesquisas para o SUS (PPSus), parceria do governo federal com as instituições de fomento à pesquisa nos estados, via secretarias de Saúde, responsáveis pelo gerenciamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Um edital deve ser lançado nas próximas semanas.

No caso de Minas Gerais, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapemig) é o principal órgão oficial de fomento e, nos estágios iniciais, já deu seu apoio à pesquisa da vacina contra o vício em cocaína.

O diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação da entidade, Paulo Sérgio Lacerda Beirão, lembrou que atualmente cerca de R$ 1 milhão são investidos. O problema é que são cerca de 30 projetos ligados à dependência química, o que dá uma média de R$ 33 mil para cada um, insuficente para o avanço do estudo na UFMG.

Também foi cogitado o uso de recursos diretamente vinculados à Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), e os deputados prometeram intermediar essa articulação. Os parlamentares também já iniciaram os entendimentos com o secretário de Estado de Saúde, Sávio Souza Cruz, que ficou de buscar outras fontes de recursos.

Emendas parlamentares são alternativa de financiamento

As opções de financiamento foram endossadas pelo deputado Antônio Jorge, que ressaltou que o objetivo da audiência foi sensibilizar o poder público e a sociedade sobre a oportunidade de cura que pode ser perdida diante de um problema tão grave como a dependência química de cocaína e crack, que são formas de consumo da mesma droga.

Segundo o deputado Antônio Jorge, até mesmo emendas parlamentares podem ser usadas nesse esforço. “Estamos aqui de pires na mão”, resumiu.

O presidente da Comissão de Saúde, deputado Carlos Pimenta (PDT), lembrou o drama vivido pelos frequentadores da região conhecida como Cracolândia, no Centro de São Paulo, como exemplo de que esse tipo de pesquisa deveria ser encarada como prioridade no Brasil.

“Fico animado com a perspectiva de solução por meio da ciência, mas triste com a falta de interesse das autoridades. É uma pena que o Brasil tenha recursos para tantas coisas e não tenha para uma pesquisa tão importante”, ironizou.

Molécula sintética diminui o prazer no consumo da droga

A maior parte da reunião foi dedicada à apresentação da pesquisa pelo professor Frederico Garcia. Uma das dúvidas esclarecidas foi a validade do termo vacina, já que, na prática, o que já foi desenvolvido, e agora precisa ser exaustivamente testado, são duas moléculas sintetizadas que se ligam à molécula de cocaína para impedir que ela alcance os locais do cérebro em que vão produzir o efeito do prazer.

Segundo o pesquisador, após entrar na corrente sanguínea, a molécula da cocaína, por ser muito pequena, alcança facilmente o chamado centro do prazer do cérebro (Núcleo Accumbens), criando a dependência por meio do aumento da concentração de dopamina, um neurotransmissor, no chamado circuito de recompensa.

O prazer proporcionado pela droga leva à dependência, a querer mais, mas com a “vacina”, a molécula da cocaína fica mais “pesada” e não faz mais isso com tanta eficiência, sendo na maior parte vencida pelas barreiras naturais das estruturas cerebrais. Em uma vacina clássica, geralmente é usado um microorganismo alterado que provoca uma resposta preventiva do sistema imunológico do organismo.

Esse tipo de pesquisa não é novidade e, segundo o pesquisador, há três frentes no exterior trabalhando na mesma área, mas os resultados obtidos na UFMG até aqui permitem, com uma certa dose de otimismo, estimar o lançamento de um produto de aplicação maciça dentro de dois a três anos.

As duas moléculas sintetizadas, conhecidas pelos pseudônimos de V4N2 e V8N2, já estão com o processo de registro de patente em andamento.

Fases - Os R$ 300 mil que o grupo de pesquisadores coordenados por Frederico Garcia precisam seriam para a fase 1 da pesquisa clínica, já com seres humanos, que levaria de oito a 12 meses. A fase 2 dos testes clínicos levaria pelo menos mais um ano.

“O usuário percebe que a droga não dá mais o mesmo efeito e desiste. Ele pode trocar de droga, aumentar o consumo, mas as recaídas não serão tão duradouras nem tão terríveis”, explicou. “Atualmente, para esse fim, usamos medicamentos para doenças psiquiátricas por falta de opções”, lamentou.

Números - O professor Frederico Garcia coordenou também, em 2015, a pesquisa “Conhecer e Cuidar”, que mostrou que o consumo de maconha e cocaína, em Belo Horizonte, vem superando a média nacional. A Capital tem 408 mil pessoas com dependência química, o que supera 16% da população. A cocaína tem 29,8 mil dependentes ou 1,2% da população.